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Sábado, Dezembro 21, 2024

O Pão, cajado da vida

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Li este artigo do The Syria Times, publicado a 8 de Agosto de 2019. Li e fiquei emocionada. É esse sentimento fraterno que quero compartilhar com quem quiser ler a minha tradução.

 

O Pão, cajado da vida

Uma das razões diretas para a Revolução Francesa de 1789 foi o alto preço do pão e sua escassez. O pão é considerado um alimento essencial e daí vem o termo “Vencedor do Pão” (uma pessoa que ganha dinheiro e sustenta sua família).

Na Bíblia, é chamado de “Cajado da Vida” e sua importância remonta aos antigos egípcios e romanos. A importância do pão também é enfatizada na última ceia de Cristo, quando ele partiu um pedaço de pão e o passou entre seus discípulos – o pão partido, simbólico de seu corpo que deveria ser quebrado na cruz.

O custo e a disponibilidade do pão têm sido um fator na maioria das revoluções e convulsões sociais. No Egito, em 2011, na Praça Tahrir, juntamente com fotos de Nasser, também havia fotos de pão que foi levantada como um símbolo de sua demanda por igualdade e o direito de viver acima da linha da pobreza. É quase como se o pão definisse as necessidades da humanidade. Ele define a divisão das sociedades em classes.

Na Síria, o pão é um componente alimentar principal devido ao seu baixo custo. É consumido em todas as refeições (o pão quase nunca é jogado fora, mesmo o pão seco é usado). Os padeiros usam um tipo específico de farinha que contém proteínas adicionadas. Os pães são grandes – mais do que o dobro do tamanho do pão pitta disponível nos supermercados ocidentais. Estes pães são assados com um calor incrivelmente alto. O resultado é uma deliciosa degustação de pão barato. Note-se que uma queixa comum entre os refugiados era sua incapacidade de se acostumar com o pão não sírio.

A construção de inúmeras padarias foi uma das medidas anteriores tomadas pelo falecido presidente Hafez Al Assad. Na Síria, a disponibilidade de pão é uma medida da estabilidade do país. Isso tem sido historicamente verdade até agora.

Em 2011, quando a guerra começou na Síria, terroristas atacaram e destruíram muitas instituições governamentais, incluindo padarias. Em Adra, na província de Damasco, ocorreu um incidente doloroso – que permanecerá na memória das pessoas por um longo tempo. Os terroristas atacaram a padaria local e, em uma cena tirada do conto de fadas Hansel e Gretel e a bruxa, os trabalhadores da padaria foram jogados no forno e deixados para assar até a morte. O objetivo era que as padarias fechassem, o pão se tornasse escasso e a fome chegasse às portas dos sírios.

Isso aconteceu até certo ponto em Gouta e em outros lugares. O medo e a repressão impostos pelos terroristas aos habitantes locais resultaram no encerramento de padarias e no pão, se disponível, disponível só no mercado negro.

Foi uma manobra usada por terroristas naquela área para empurrar as pessoas até a beira do precipício, onde saltar sobre a beira seria mais fácil do que viver na beira.

O governo sírio estava bem ciente do que estava acontecendo e tentou superar esse problema e eles conseguiram parcialmente. Deve-se notar neste momento que o pão sírio é incrivelmente barato. Dez pães custam cinquenta liras sírias, o equivalente a dez centavos – um décimo de um dólar. A razão é que o governo subsidia fortemente o pão, na medida em que subsidia a farinha e subsidia o combustível usado para trabalhar nos fornos. Se o governo não tivesse subsidiado fortemente o pão, os dez pães teriam custado aproximadamente 350 liras sírias, o equivalente a 70 centavos – ainda barato pelos padrões mundiais, mas difícil para uma certa classe de sírios. Para superar o problema do cerco imposto por grupos armados em certas áreas, o governo decidiu continuar permitindo a entrada de farinha e combustível subsidiados nessas áreas. Obviamente, as padarias do governo foram fechadas por terroristas, mas as padarias privadas (todas com licença do governo) ainda operavam – daí a ironia – os mesmos terroristas que fecharam as padarias do governo agora comiam pão de padarias de propriedade privada subsidiado pelo governo.

Contudo, às vezes os subsídios nunca alcançavam as áreas sitiadas por terroristas, pois a farinha e o combustível eram roubados por terroristas e vendidos a preços exorbitantes. Os civis ficaram magros enquanto os terroristas cresceram em tamanho, parecendo carnudos, como é óbvio em todo material de filme que os mostra. Foram esses civis descontentes que desempenharam um papel na expulsão dos terroristas que os mantinham com fome.

Durante a crise iniciada em 2011, o governo teve que racionar muitos itens, mas o pão nunca foi um deles. Pelo contrário, mais padarias foram abertas e turnos adicionais foram introduzidos para que as padarias permanecessem abertas mais horas. Até hoje, a Síria continua sendo um dos países mais baratos do mundo no que diz respeito ao preço do pão – e, assim, reforça o apoio das populações locais.

E, assim, o pão, símbolo da palavra de Deus, de fecundidade e normalidade, raramente estava ausente de uma Síria devastada por uma guerra, realizada por terroristas Takfiri.

 

Reem Haddad, Editor in Chief Syria Times

Ilustração: Refugiado,  de Beatriz Lamas Oliveira


Traduzido por Beatriz Lamas Oliveira | Por opção do autor, este artigo respeita o AO90



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