O PCP fez uma promessa eleitoral, em 2014-2015, de vir a assumir a posição de desvinculação de Portugal do AO90, a partir de Janeiro de 2017. Mas não cumpriu ainda.
1. O Partido Comunista Português (PCP) absteve-se nas votações parlamentares de aprovação do “Acordo Ortográfico” de 1990 (AO90) para ratificação, em 1991, e na aprovação do 2.º Protocolo Modificativo ao AO90, em 2008.
O PCP votou a favor do 1.º Protocolo Modificativo ao AO90 e da Deliberação da AR (Assembleia da República) n.º 3-B/2010, de 15-12, da iniciativa do então Presidente Jaime Gama, que mandou aplicar o AO90 à AR e a todas as suas Plataformas, a partir de 1.1.2012 (Projecto de deliberação de Jaime Gama: Parlamento decide por unanimidade aplicar o novo Acordo Ortográfico a partir de 2012).
O PCP aceita usar e converter os seus textos na AR e autarquias. Fora do Estado, o PCP não usa o AO90 (v. g., cartazes, no youtube).
2. Em 21.2.2014, antes da discussão em Plenário de uma Petição, o Grupo Parlamentar do PCP (v. Projeto de Resolução 965/XII ) apresentou o Projeto de Resolução (= ProjR) nº 965/XII-3ª. Neste documento, pode ler-se:
“Um eventual Acordo Ortográfico deve ser aceite com empenho por todos os falantes, porque a Língua não pode ser imposta por decreto. (…) Por isso mesmo, a redação de um Acordo Ortográfico deve convocar os contributos de todos e avançar apenas na condição de ser plenamente subscrito por todas as comunidades falantes, e de ser amplamente aceite por quem fala e escreve o Português. (…) /. (…) a Assembleia da República recomenda ao Governo que:
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Estabeleça como base de um Acordo a necessidade de subscrição por todos os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa para a sua vigência; /(…)
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Que alargue o prazo de transição, com aceitação de dupla grafia, até 31 de Dezembro de 2016;
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Que, findo o prazo de transição previsto, ou seja, em Janeiro de 2017, Portugal se desvincule do Acordo Ortográfico de 1990 caso até essa data não seja assegurada no plano diplomático e com envolvimento dos órgãos de consulta competentes (…) a existência de um Acordo comummente aceite e de uma proposta de vocabulário ortográfico comum.”.
2.1. Durante a discussão em Plenário da Petição aludida, Miguel Tiago (aos 8’14 ss. do vídeo) admitiu a existência de “um bom acordo ortográfico”, como instrumento da “política da língua”. Porém, “a existência de um mau acordo ortográfico, com uma má política da língua, como aquilo que vemos, agora, é catastrófico”[1].
3. Sem prejuízo de ter sido rejeitado pelo PSD, PS e CDS, a posição oficial do PCP foi a da manutenção desse documento, como os seguintes factos demonstram:
- Opinião da Deputada Diana Ferreira a respeito de uma Petição dos alunos para tolerância avaliativa do AO90 nos exames nacionais (Assunto: Petição nº 487/XII – Relatório Final);
- Durante a discussão em Plenário da Petição aludida, a mesma Deputada Diana Ferreira corroborou a posição constante do ProjR n.º 965/XII/3.ª[2];
- Na véspera das eleições legislativas, questionado sobre a posição do Partido sobre o AO90, o PCP firmou o compromisso eleitoral de continuar a defender o Projecto de Resolução de 2014, através de mensagem de e-mail do respectivo Grupo Parlamentar, de 22.9.2015[3], cujo teor transcrevemos:
“São conhecidas as reservas do PCP ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), como pode ser confirmado pelo facto do PCP não o adoptar em toda a sua comunicação política. / Em Fevereiro de 2014, apresentámos na Assembleia da República um Projecto de Resolução onde se recomendava (…) a renegociação das bases e termos do acordo Ortográfico ou a desvinculação de Portugal desse Acordo. (…) / A recusa do Projecto de Resolução na AR, com os votos contra de PS, PSD e CDS e a abstenção do BE, confirmou que estes partidos não estão interessados em avançar com os pressupostos que consideramos essenciais para a consideração de alterações profundas no processo de elaboração e nos conteúdos do AO90, pelo que o PCP pondera a defesa da desvinculação de Portugal do AO90.”.
O verbo “pondera” carece de ser interpretado sistematicamente com o Projecto de Resolução anteriormente apresentado: ou seja, caso as condições aludidas não fossem cumpridas, até 3112.2016, o PCP prometeu que a sua posição doravante seria a de defender a desvinculação de Portugal do AO90.
- O Programa Eleitoral PCP – Legislativas de 2015 encontra-se escrito em Português pré-AO90.O compromisso eleitoral, dado a conhecer em artigo de imprensa (Conheça as posições dos Partidos sobre o AO90; As posições dos Partidos políticos sobre o “Acordo Ortográfico” de 1990 (II) ), foi sufragado nas eleições legislativas.
4. Em suma, o PCP propôs que Portugal se desvinculasse do AO90, caso, até Janeiro de 2017:
- Não tivesse sido possível redigir um “Acordo Ortográfico”, acordado e assinado por todos os Estados;
- E caso não houvesse um “Vocabulário Ortográfico Comum” (VOC)[4].
5. Ora, nenhuma destas condições se encontra cumprida em 2017:
- Desde logo, Angola, Moçambique nunca ratificaram o Tratado do AO90 desde há 27 anos a esta parte (nem tão-pouco o 1.º, nem o 2.º Protocolos Modificativos); tal como a Guiné-Bissau e Timor-Leste (Nem Guiné-Bissau nem Timor-Leste ratificaram o Acordo Ortográfico de 1990). Todos estes Países têm outras línguas para além do Português. E pergunta-se: como é que Estados que não ratificaram podem participar nas reuniões para a elaboração do VOC?;
- Apenas Portugal, Cabo Verde (embora o Crioulo tenha passado a ser a “língua materna” (sic) ensinada nas escolas, passando o Português a ser língua estrangeira Português passa a ser ensinado como língua estrangeira; O Português na hora di bai?) e o Brasil estão a “aplicar” o AO90 oficialmente (o 4.º país, São Tomé e Príncipe, ratificou, mas não está a aplicar).
Apenas 4 Estados, no universo de 8 (sem contar com a Guiné-Equatorial, 9.º membro espúrio da CPLP), ratificaram. - Por fim, não existe qualquer “Vocabulário Ortográfico Comum”; nem sequer a junção de VON’s[5].
Neste sentido, em coerência — que é apanágio do PCP —, a partir de Janeiro de 2017, o PCP deveria ter assumido a posição de desvinculação de Portugal em relação ao “Acordo Ortográfico” de 1990[6].Porém, não foi isso que sucedeu. No Grupo de Trabalho de Avaliação do Impacto do AO90 (GT), na 12.ª Comissão, Ana Mesquita tem tido intervenções assertivas, de grande qualidade; tal como a Deputada Vânia Dias da Silva (CDS-PP).
Não obstante, manifesta “dúvidas” (sic) sobre o assunto, em vez de assumir uma posição firme, seguindo o compromisso eleitoral assumido[7].
Não, Senhora Deputada. A posição do PCP apontava um prazo de transição calendarizado até 31.12.2016, findo o qual a posição do PCP é a da desvinculação peremptória do AO90. Nada de substancial mudou em 2 anos e 10 meses! “Palavra dada é palavra honrada”. A Deputada Ana Mesquita não pode, pura e simplesmente, fazer tábua rasa do que foi prometido antes das eleições; até porque o Projecto do PCP foi calendarizado até 31.12.2016, ao pormenor sem margem para dúvidas. O facto de não ter sido aprovado em nada obsta ao compromisso assumido e sucessivamente reiterado.
6. Ana Mesquita, na qualidade de Relatora da Petição “Cidadãos contra o AO90”, não atendeu igualmente a pedidos dos Peticionários[8], inteiramente razoáveis, sem dar qualquer explicação.
7. O AO90 não merece ser reequacionado, melhorado ou suspenso: o seu destino adequado é o caixote do lixo.
Fazemos votos para que que o PCP cumpra aquilo a que se comprometeu, a menos 2 anos e 10 meses de distância; assumindo o seu papel no processo político de desvinculação de Portugal do AO90.
Este artigo, mais detalhado, foi enviado ao PCP e aos respectivos Grupo Parlamentar e Senhores Deputados, em 12 de Janeiro de 2017.
[1] Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 55, XII Legislatura, 3.ª sessão legislativa (2014-2015), 1-3-2014, pp. 25.
[2] Diário da Assembleia da República, I Série – n.º 105, XII Legislatura, 4.ª sessão legislativa, 2-7-2015, p. 64.
[3] Idêntica mensagem foi transmitida a vários anti-acordistas, tal como o Professor Hélio Alves (Universidade de de Évora), que nos referiu:
“o novo Programa Eleitoral do PCP está escrito na ortografia pré-AO90.
Quando critiquei pessoas ligadas ao Partido por este, apesar dessa ortografia no novo Programa, não se ter posicionado claramente quanto ao dossiê AO90, responderam-me com esta ligação: Projeto de Resolução 965/XII”.
[4] Supõe-se que este “VOC” não seria a junção de “Vocabulários Ortográficos Nacionais” (VON’s). Com efeito, o AO90 está a ser interpretado em violação do AO90 desde o “Plano de Ação de Brasília”, de 2010.
[5] Não obstante, todos os Estados, à excepção da Guiné Equatorial, estão a participar na elaboração do seu “Vocabulário Ortográfico Nacional” (VON), que, juntos, darão origem ao VOC completo (o VON de Angola foi prometido para 2018).
Tal afigura-se uma manifesta violação do art. 2.º do AO90: o VOC não pode ser a junção de VON’s.
[6] Tal posição de desvinculação deveria começar pela rejeição da “aplicação” inconstitucional do AO90 nos documentos da Assembleia da República, por violação dos artigos 42.º, n.º 1 (liberdade de criação cultural e científica), 37.º, ns. 1 e 2 (liberdade de expressão escrita), 11.º, n.º 3 (direito à língua portuguesa), e 43.º, n.º 2 (proibição do dirigismo da cultura por parte do Estado, em virtude de quaisquer directrizes estéticas, políticas ou ideológicas), da Constituição da República Portuguesa, por via da Deliberação n.º 3-B, de 15 de Dezembro de 2010, que mandou “aplicar” o AO90 à AR, a partir de 1-1-2012.
As normas desta Deliberação devem ser consideradas nulas e, por isso, não produzem efeitos, de iure.
[7]
“Nós (…) temos uma visão crítica de todo o processo que envolveu o acordo ortográfico, e em devido tempo apresentámos propostas no sentido de, na Assembleia da República, se poder evitar chegar ao ponto em que estamos hoje. Tínhamos um Projecto de Resolução, que nós acreditávamos que podia ser uma saída elegante para esta situação. Agora estamos num ponto já mais avançado”
(?) (Deputada Ana Mesquita, 7-6-2017, 34’55 a 35’23).
[8] Esses pedidos dos Peticionários, que não foram atendidos, foram os seguintes:
- Fazer Pedido de Informação ao Primeiro-Ministro e à Ministra da Presidência sobre a Petição;
- Fazer Pedido de Informação aos membros do Governo sobre as inconstitucionalidades da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) 8/2011 com um documento jurídico da nossa autoria (recorde-se que a revogação da RCM 8/2011 constitui o 2.º pedido da Petição);
- Requerer ao Governo as Actas das Reuniões do Conselho de Ministros relativas à aprovação do 2.º Protocolo Modificativo (2008) e de aprovação da RCM 8/2011 (9.12.2010);
- Requerer a disponibilização da correspondência entre o XVII Governo Constitucional e o Instituto Camões, entre 2005 e 2008, no respeitante aos Pareceres sobre a ratificação do 2.º Protocolo Modificativo ao AO90 (25 negativos, em 27) e razões da sua não divulgação, senão em Abril de 2008, por requerimento de Zita Seabra.
Fica a pergunta: por que razões não deu a Deputada Ana Mesquita seguimento a estas diligências requeridas?
Representante dos Peticionários da Petição n.º 259/XII/2.ª (2013-2014) e da Petição “Cidadãos contra o “Acordo Ortográfico” de 1990”, 2017. Assine a Petição e dê a assinar através dos seus contactos de email.
Administrador do Grupo do Facebook “Cidadãos contra o “Acordo Ortográfico” de 1990