Os Estados Unidos têm um plano quinquenal para a Ásia Central. Não é o primeiro, é o enésimo.
A Ásia Central aparece no mapa como um bloco que separa dois rivais geopolíticos dos EUA: A Rússia e a China.
O Plano 2019-2025, lançado pelo Departamento de Estado dos EUA agora em 5 de fevereiro, mantém a tradição.
Anuncia que “O principal interesse estratégico dos Estados Unidos nesta região é construir uma Ásia Central mais estável e próspera, livre para perseguir interesses políticos, económicos e de segurança com vários parceiros de acordo com os seus interesses, ligando a região aos mercados globais com abertura ao investimento internacional.” Os EUA querem democracias fortes na Ásia Central pois detestam oligarquias! E muito respeitinho pelos direitos humanos!
Lembro que uma oligarquia é regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família. Depois desse assalto ao poder, começa a luta entre o poder oligárquico, a Justiça e/ou a Constituição. Mas, entretanto, nessa ex democracia o eleito/a depois de assumido o poder e de o transferir para o pequeno grupo de familiares do mesmo partido, toma as suas precauções mediáticas para que a realidade se torne opaca. Por exemplo, gasta milhões a enviar mensagens pelo whats app ou a criar contas falsas no facebook, que lançam as notícias que lhes são úteis!
Nelson Strobridge “Strobe” Talbott III, 73 anos, é um analista americano de política externa, da Universidade de Yale e da Brookings Institution, ex-jornalista associado à revista Time e diplomata que serviu como secretário de Estado adjunto de 1994 a 2001. Foi o especialista de Bill Clinton para as ex-repúblicas soviéticas. Após a eleição de Bill Clinton como presidente, Talbott foi convidado para o governo, onde serviu inicialmente para estudar e fazer propostas para as consequências da queda do Império Soviético, tendo sido nomeado Embaixador-Geral e Assessor Especial do Secretário de Estado Warren Christopher para os novos estados resultantes de desmembramento da Rússia Soviética. Inaugurou a ideia peregrina dos planos quinquenais para a Ásia Central.
Em 1992, revelava à revista Time, “No próximo século, nações como as conhecemos serão obsoletas; todos os estados reconhecerão uma única autoridade global. A soberania nacional não era uma ideia tão boa, afinal”. Um novo George Orwell!
A estratégia americana para a distante Ásia, diz pretender o fortalecimento da soberania e independência dos estados da Ásia Central, quer individualmente, quer como região. Advoga a redução de ameaças terroristas naquela zona do planeta. Pretende estabilizar o Afeganistão ligando-o mais fortemente à restante Ásia Central. Pretende um reforma democrática, que eu interpreto como uma forma oligárquica de administrar estados, economias e relações exteriores orquestradas por Washington.
O que é o C5+1
Em Dezembro de 2017 cinco estados da Ásia Central, Irão, Turcomenistão, Usbequistão, Tajiquistão e Paquistão juntaram-se com o Afeganistão no que é conhecido como C5 + 1. Todos esses países compartilham fronteiras com o Afeganistão e efetivamente cercam o país. O C5 + 1 pretende ser uma base operativa para o diálogo e uma plataforma para esforços conjuntos para enfrentar os desafios comuns aos Estados Unidos e aos cinco estados da Ásia Central. Na primeira reunião ministerial C5 + 1, realizada em Samarcanda em novembro de 2015, os seis ministros das Relações Exteriores concordaram em três sectores de interesse comum – segurança, com foco em ameaças terroristas, economia, com foco na melhoria dos fluxos comerciais regionais e perspetivas de comércio e investimento dos EUA. Também houve referência a desafios ambientais. Depois, durante a Assembleia Geral da ONU, em 27 de Setembro de 2015, em Nova York, o Secretário de Estado John Kerry reuniu-se com os Ministros das Relações Exteriores do Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Usbequistão para estabelecer o novo formato C5 + 1 para o diálogo entre os EUA e a Central Estados asiáticos. Como primeira manifestação dessa plataforma de diálogo, Kerry fez uma volta pela Ásia Central no início de Novembro desse ano. A reunião C5 + 1 em Samarkanda, Uzbequistão, ocorreu no contexto de turbulência geopolítica global que aumentou o potencial da Ásia Central na estratégia global dos EUA.
Depois que a Rússia ter entrado em operações militares na Síria, o Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão deram-lhe apoio explicito , o Turcomenistão manteve a neutralidade, enquanto o Usbequistão se absteve de dar pública opinião. É neste contexto controverso que C5 + 1 foi concebido e com avanços e recuos, somando e perdendo pontos, que evolui.
Até recentemente, a presença dos EUA na Ásia Central desafiava os interesses russos na região.
A plataforma excluía a Rússia e a China.
No período imediatamente anterior ao lançamento da Estratégia dos EUA para a Ásia Central, na semana passada, o Secretário de Estado Mike Pompeo visitou o Cazaquistão e o Usbequistão.
O entusiasmo da administração americana neste renovado Plano Quinquenal para 2020 estará relacionado “mudanças na dinâmica da liderança” no Cazaquistão e no Usbequistão, controlar a influência chinesa na região e uma tentativa de conter a “continuada e forte influência russa”.
Quais mudanças na dinâmica da liderança na região?
- Kassym-Jomart Tokayev, 66 anos, eleito presidente do Cazaquistão em Março de 2019,mostra-se interessado na cooperação com Moscovo e Pequim. E portanto não é de prever que alinhe com os EUA contra a China, os supostos maus-tratos a cazaques étnicos na China vá sendo servido como hambúrguer de entrada. Tem uma impressionante carreira diplomática.
Tokayev, aspira a transformar o Cazaquistão em uma ponte entre a Rússia e a China e criar sinergia a partir disso. O Kremlin é recetivo, como resulta do acordo de Tokayev com o presidente Vladimir Putin de modernizar as infra estruturas de transporte nas fronteiras, o que poderia ajudar em muito ao Plano do “One Belt One Road” e a um corredor de transporte Norte-Sul. Tokayev pensa que o yuan poderia ser uma moeda global.
O principal ponto de conversa de Pompeo com os líderes cazaques foi que eles ganhariam mais trabalhando com os EUA do que com a Rússia ou a China. Formas de convencer pelos negócios fáceis!
- Por seu lado o novo presidente usbeque, Shavkat Mirziyoyev, parece ser reformista e progressista e as ambições usbeques de reunir outras frentes também poderiam ter utilidade geopolítica.
O Uzbequistão tem uma atitude de abertura em relação a fornecer uma rota de transporte alternativa para os EUA transportarem suprimentos militares para o Afeganistão. Washington reconhece mesmo que Tashkent mostra algum distanciamento à Rússia, e mantém Moscovo à distância, tendo uma atitude de dúbio equilíbrio em relação à União Económica da Euroásia.
Dito isto, Mirziyoyev tem demonstrado algum interesse em projetos de integração liderados pela Rússia, o que é preocupante para Washington.
Há ainda em presença da CSTO , uma aliança militar criada em 1992 e que promove a defesa coletiva de qualquer dos seus membros que sofra agressão externa. Coordena esforços contra ameaças terroristas, tráfico ilícito de drogas e crimes internacionais. Engloba a Rússia, a Armênia,o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tajiquistão e o Usbequistão .
O grande jogo das estepes pós-soviéticas parece outro grande jogo de Monopólio.
Os analistas norte-americanos, desde os anos 90 que apostam ou desejam um potencial conflito de interesses Rússia-China na Ásia Central. Até Trump fez o seu namoro à China e ao grande camarada Xi. O Coronavírus interrompeu a relação.
Nem a Rússia nem a China fizeram com que os desejos americanos se concretizassem e a Rússia parece concordar com o papel principal da China no desenvolvimento da região e a China está atenta aos interesses históricos da Rússia na região e seu papel importante na manutenção da segurança.
Analistas americanos vão adiantando que a única coisa que os preocupa é que esse financiamento de infraestruturas por parte da China seja transparente. Países super endividados,dizem, perdem a soberania_é o coelho saído da cartola. Estamos preocupados com esses aspetos, frisam.
Para o Cazaquistão e o Uzbequistão o relacionamento construtivo com a Rússia e / ou a China não é uma opção, mas uma necessidade. Os EUA detestam admitir essa realidade geopolítica.
O professor Nikolas Gvosdev, por exemplo, chama a isto de “lacuna” nas políticas regionais dos EUA:
“Há um abismo entre as declarações retóricas de apoio e o que Washington está realmente preparado para entregar concretamente aos países da Ásia Central”.
Ele pensa que as intenções americanas são “sonhadoras e simbólicas” e já não têm o apoio de um esforço atlântico ”.
Colocar despesas e investimentos americanos nas grandes estepes é coisa que não cai fundo no coração dos eleitores americanos. O Plano Quinquenal dos EUA para a Ásia Central em 2020, parece a torre de Babel em ruínas.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90