O prêmio foi atribuído a três físicos: o francês Alain Aspect, o norte-americano John Clauser e o austríaco Anton Zeilinger.
O Prêmio Nobel de Física deste ano foi atribuído ao tema da mecânica quântica. Conforme o anúncio da Academia Sueca, o prêmio foi atribuído por “experimentos com fótons emaranhados, estabelecendo a violação das desigualdades de Bell, os quais são os pioneiros da ciência da informação quântica.” O prêmio foi atribuído a três físicos: o francês Alain Aspect, o norte-americano John Clauser e o austríaco Anton Zeilinger.
O anúncio traz muitas lições sobre o funcionamento da ciência e da política para a ciência, para além de atiçar a nossa imaginação sobre o estranho mundo descrito pela física quântica, no qual sistemas separados por distâncias macroscópicas mantêm a definição das propriedades das partes dos sistemas fortemente correlacionadas, como se fossem propriedades do todo e não das partes isoladamente.
As lições extrapolam, entretanto, a nossa fascinação com o mundo dos quanta. O prêmio mostra que as fronteiras entre filosofia e ciência são fluidas. Aquilo que cem anos atrás foi tema de debate filosófico, contrapondo, Einstein e Bohr, converteu-se, décadas mais tarde, em ciência da melhor qualidade. A história da aventura humana que levou a este prêmio também mostra que as comunidades científicas podem ser presas de preconceitos, como foi o caso das desigualdades de Bell, formuladas na década de 1960 e consideradas inicialmente má ciência. Os preconceitos causam vítimas; assim é que um dos três premiados, Clauser, nunca obteve uma posição permanente em universidades norte-americanas. Esta história está escrita em livro que publiquei em 2015 intitulado “The Quantum Dissidents.”
Outra importante lição a se extrair dessa premiação. Não existem muralhas entre ciência básica e aplicada; essa premiação foi para as duas coisas. Essa lição é importante hoje em países, como o Brasil, nos quais prevalece o imediatismo da busca de resultados. Este imediatismo conflita mesmo com histórias de sucessos entre nós, como a história da descoberta do petróleo no Pré-Sal. Antes disso, foram décadas de investimentos em mão de obra qualificada em geociências, engenharias, física, química e matemática.
Por fim, a cena da entrevista dada por membros da Academia Sueca, ao anunciar o prêmio, expressa a disputa geopolítica em andamento, também no campo da ciência e da tecnologia, e da informação quântica em particular, entre Estados Unidos e China. O exemplo mais impactante de possíveis aplicações desse campo da ciência, escolhido para apresentação no anúncio do prêmio, foi um slide com o satélite chinês Micius, lançado em 2018, realizando experimentos com fótons emaranhados afastados de milhares de quilômetros, o que pode abrir caminho para se usar, por exemplo, a criptografia quântica na internet. Pode se justificar a escolha do slide com o fato de que o líder chinês desse experimento, o físico Jian-Wei Pan, fez seu doutorado com um dos premiados, Zeilinger, em Viena, mais de duas décadas atrás. Mesmo essa circunstância já reflete a disputa acirrada, sendo germinada, por décadas, nesse campo da ciência e da tecnologia. Estes aspectos também encerram lições para a política de ciência e tecnologia no Brasil. Temos boas pesquisas em ciência e tecnologia que servem à agricultura, pecuária e mineração; e elas devem continuar a receber apoio ainda maior. Mas um país que queira ter papel relevante no futuro concerto das nações tem que apoiar aquelas áreas da ciência e da tecnologia que são mais disruptivas, potencialmente, como é o caso da informação quântica. E temos no Brasil grupos de vanguarda nessa área, liderados, por exemplo, por Luiz Davidovich, da UFRJ, e Amir Caldeira, da Unicamp. Infelizmente, grupos como estes não têm recebido o apoio adequado.
por Olival Freire Junior, Historiador da ciência, Professor Titular do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA) | Texto em português do Brasil
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