O ponto é este: o Estado Brasileiro, pela mão de um juiz de Curitiba, decidiu prender o antigo Presidente Lula em violação da sua própria Constituição: ninguém será culpado até ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Nada pode ser mais claro, e, na clareza da lei, cessa toda a interpretação. Ponhamos, por um momento, de lado os outros aspetos desta particular ação judicial – a ausência de prova, a inexistência de ato de oficio, a urgência extraordinária com que foi tramitado. No entanto, o facto mais odioso deste processo é que o Brasil recusou ao antigo Chefe de Estado – sim, logo a ele – a proteção constitucional que a todos os cidadãos considera inocentes antes de sentença judicial definitiva, isto é, antes de esgotados os recursos previstos na lei.
Na verdade, nada disto tem a ver com direito, mas com política, ou melhor dito, com violência política. E não começou agora. O objetivo do golpe político nunca foi só tirar Dilma do poder, mas tirar Lula da galeria dos Presidentes. O que a direita política brasileira nunca tolerou foi conviver com a memória do melhor e mais improvável Presidente do Brasil democrático. O impeachment a Dilma foi instrumental para chegar aqui – o legado de Lula não será o mais bem sucedido combate político à pobreza; não será o êxito da educação nacional transformada em prioridade pela primeira vez na sua história política; não será a aposta na indústria e nas empresas nacionais; não será a afirmação do seu País como novo ator político na cena internacional. Não, ele, o atrevido sindicalista sem diploma, só pode ficar para a história como criminoso – o novo punhal de Brutus é a acusação de corrupção.
Ódio e escalada: primeiro, o impeachment agora, a prisão. Eis o que vemos no Brasil: um regime completamente desmoralizado, sem parlamento, sem governo, sem política, sem autoridade. Um regime entregue a personagens de opereta – um juiz que promove escutas ilegais e as divulga; um procurador que anuncia que entrará em jejum como apelo público a uma decisão judicial favorável à prisão; um chefe militar que avisa que não aceitará impunidade e que está atento “às suas missões institucionais”; um Tribunal dito Supremo que se transforma subitamente em Parlamento, alterando a Constituição por forma a que se possa, sem sentença judicial transitada em julgado, prender um líder político.
Não, não me parece que seja o fim da linha. A força popular de Lula da Silva é coisa demasiado singular para ser imputável à cegueira do povo. Seja o que for, isto não acabou – este é apenas o primeiro dia.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90