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Domingo, Novembro 3, 2024

O proletariado precário

Jorge Fonseca de Almeida
Jorge Fonseca de Almeida
Economista, MBA, Pos-graduado em Estudos Estratégicos e de Segurança, Auditor do curso de Prospectiva, geoeconomia e geoestratégia, Doutorando em Sociologia

Proles wall | Pintura de Paula Rego (proletariado)

A mundialização da economia mundial está a criar uma nova categoria de trabalhadores o proletariado precário, que se tem expandido enormemente nas últimas décadas.

Por um lado, ao transformar muitas actividades anteriormente independentes ou levadas a cabo por uma pequena burguesia de serviços em mercadoria, a mundialização converteu milhões de trabalhadores de serviços em proletários – aqueles que nada possuem a não ser a sua força de trabalho. A grande distribuição, vastos sectores da saúde, da educação, dos transportes, da informática, da programação, etc. estão hoje transformados em sectores produtores de mercadorias.

Sem experiência nem rumo

A precarização elimina a noção de identidade profissional, hoje é empregado num call-center, amanhã está ao balcão de uma loja num centro comercial, depois de manhã serve fast-food numa cadeia internacional. Não tem profissão nem especialização. É somente uma mercadoria solta em porão de navio no alto mar, empurrado de emprego em emprego sem ganhar experiência nem rumo, tornando-se um eterno trabalhador não especializado. A maioria destas pessoas nem sabem que na verdade são novos proletários, pensando que as suas habilitações académicas os elevam a membros da intelligentsia ou da aristocracia laboral. Esta falta de consciência ajuda a prendê-los numa autêntica armadilha psicológica.

A precarização interrompe sistematicamente os laços com colegas dificultando o desenvolvimento de uma consciência de um interesse colectivo e, consequentemente, de organizações laborais e de defesa perante o patronato ganancioso. O precário fica só e frágil perante o empregador forte e poderoso. A forma de contrato que lhe é imposta é o contrato individual de trabalho por contraposição ao contrato colectivo.

Armas anteriormente eficazes na regulação das relações laborais como a greve estão-lhe dificultadas se não mesmo formalmente vedadas. Não admira então que aufira os salários mais baixos e não disponha de um mínimo de regalias e benefícios sociais. O próprio Estado isenta ou reduz muitas vezes o patronato do pagamento de prestações sociais minando a sua possibilidade de vir a auferir uma pensão no futuro.

Para aceder aos bens essenciais o precário tem de recorrer à dívida, uma vez que os seus baixos e irregulares rendimentos, não lhe permitem constituir uma poupança sustentada. Dessa forma o precário acaba vítima de um ciclo vicioso de endividamento, em que todo o seu trabalho e esforço se foca no pagamento de compromissos e numa vida no limite da frugalidade, no que se poderá denominar a armadilha da pobreza. E a geração do proletariado precário é a que está a viver pior do que os seus pais, embora desempenhe funções mais produtivas e de muito maior valor acrescentado. A precariedade está a invadir todos os sectores e os níveis etários, baixando os rendimentos do trabalho e reduzindo ao mínimo os direitos e a regalias dos trabalhadores.

Sem horizontes

Em Portugal mais de um milhão e duzentas mil pessoas estão confinadas à precariedade nas suas múltiplas formas, o part-time involuntário, o contrato a prazo, os falsos recibos verdes. E para além destes mais um milhão não trabalha e no seu horizonte apenas se perfila encontrar um trabalho precário. O combate à precariedade passa por um Plano Nacional de Combate à Precariedade que identifique, regulamente e restrinja todas as formas legais de precariedade e que depois fiscalize e puna criminalmente todas os abusos.

É também necessário alterar o Código do Trabalho no sentido de reduzir o leque de situações em que o recurso ao contrato a termo é possível; aumentar o período de tempo a que a entidade patronal fica impedida de proceder a novas admissões em contratos precários para a mesma função impedindo que postos fixos sejam preenchidos por precários em rotação; criminalizar as práticas abusivas e aumentar as restantes penalizações e alargar os critérios de presunção de existência de contrato de trabalho permitindo aos precários passar ao quadro permanente.

Sem estes passos a sociedade portuguesa caminhará para uma total precarização e empobrecimento de ainda mais vastas camadas da população e porá em causa o sistema de pensões da segurança social de todos.

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