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Sábado, Novembro 2, 2024

O que é ser angolano?

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Em todos os cantos do mundo, onde há um angolano, há o sentimento de felicidade por essa Independência conquistada.

A minha vida foi um pântano de sol, um céu aberto para quem me quiser ver, foi um segredo disfarçado num lençol, um riso triste para quem quiser gozar de mim, fui tudo aquilo que jamais alguém quiser.

Foram horas de cansaço num cliché, momentos vindos de um além que nem sei bem, foram recados enublados no quintal, foi tudo aquilo que um dia eu pensei.

Foi numa terra onde o escuro me venceu, na floresta a minha voz que nada deu, o meu sotaque diferente do teu, e assim perdido me deitei em qualquer lugar, só para sentir o cheiro verde do amanhã.

Ainda sozinho fiz promessas à bandeira, fui à Muxima ver se ainda estava lá, a curva estreita derrotou-me sem querer, e ali fiquei até de novo o sol nascer, no mesmo instante recordar o meu país, envidraçado com os espelhos de um além, angolanidade ou outra coisa tanto faz, sou já filho de um mundo que me acolhe, deito-me nos braços da Muxima e bebo o sal das suas lágrimas jorradas só por saudades de quem lá ficou até que um dia a morte cega nos levou, e fomos todos em carrinho de mão, sonhando sonhos neste gesto de carvão, beber o seco que a saudade está em nós, de que saudade se não mais lugar nenhum, sou o filho desta pátria de desdém que me esquece e me obriga a ser dendém, e sigo a sorte de feijão da minha avó, naquela terra muito longe de onde estou, sou apenas o festim de tantos uns, que nos embrenham sem saudades de ninguém, e ali ficamos soldadinhos do prazer de quem mandou, angolanidade minha filha quei de ti, sou o fruto do sangue que ali está, avermelhando a minha mágoa de soldado de um exercito basim, sou outro filho que nasceu do desprazer, e esqueci que um dia hei-de voltar.

Sei da saudade inventada pelos gregos, desci de lá até à cidade do cabo, perdi a corrente que prendia os meus instintos, e liberto para pensar me encontrei. Nasci numa cidade de quatro casas apenas, do lado de fora havia tanto para plantar, colhi de nervos o silêncio que é só meu, bebi quiçângua da chimita de luanda, mergulhei nas praias soltas que a chuva trouxe, e ali sozinho era tantos com ninguém, e aprendi que ser a isto uma história, uma verdade que a vida se esqueceu, perdi o asno de sofrer sem convencer para me convencer de que angolano me fundi, num gesto árido do bairro onde cresci, apenas isso e nada mais me convencerá que ser daqui não basta nascer ali, mas foi aqui que me pariram de paris, uma vontade na floresta onde capim comi, enchi de espanto a panças seca do leão que me abraçava e só dizia não entendi, sou mais um filho desta terra que é nossa e tantos mais, uma angolanidade num ramo de rosas meu amor, já gesticulam cansadas de sede, e a chuva velha das quimeras que escrevi.

Li poemas dos mais velhos no quintal, aprendi o que é ser filho de um soldado na prisão, e mais não digo porque não sei, escrevi recados numa folha do quimbanda, o homem do saco que chegou lá quissanje, o resto foram medo, ternura e paixão, o meu país feito de retalhos num jornal.

Ser angolano neste canto capital, desflorar no horizonte sonhos meus. Descrever numa pedra que ali está, cor das acácias no destino de olhar, tocar nelas como o amor de mãe, dos flamingos num distante natural, a cor das coisas que se pintam sem se ver, imaginar uma verdade qualquer, jorrar nas veias o meu sangue que é nosso, nunca esquecer que o mundo já não é igual, somos a pátria que quisermos nela estar, sem um grito de um sorriso celestial, abençoados pelo sol que só Deus nos consegue dar, e assim caminharmos numa fila triunfal.

Que é feito das ossadas de quem foi, enterrados no quintal de alguém, e esse alguém que não existe já, ficou o sangue nas memórias de quem está, somos todos este fim que nos restou.

Lembro-me de risos e sorrisos espartanos de espanto, tal a alegria para desflorar a nossa natureza tão pura num rumo ainda a nascer, e assim, renascemos, se recuamos, avançamos, se avançamos, perdemos o silogia dos sentidos e ficamo-nos pela saudade quem a tenha, basta haver vida e sangue e pureza, recordar quem havíamos de perder por inoperância dos sentidos.

Alguém me perguntara há tempos, qual a diferença entre angolanidade e angolano, sentei-me num vagar ali próximo e tentei explicar com a minha ainda tão pura inocência, que tudo isso é apenas um plasma de telas que desconhecemos, é preciso saber mais ainda para entender a diferença da água e do fogo, não basta sentir o quente ou refresco, mas saborear a essência, essa mesmo, a que nos ensinaram gregos nas suas labutas contra troianos e venceram apenas pela coragem de não se sentirem superiores aos derrotados.

O mapa range e rege, apenas isso, a angolanidade num planeta comum a que chamamos de viver, viajamos para perceber, creio, e não basta o crepúsculo do casulo como as abelhas amarelas que apenas aprenderam a sacar de nós a essência ou substância de termos nascido num país chamado mundo. A gente cresce, cresce, e cresce mais e mais, a gente nem percebe o que foi demais. O barro como fuba para construir casebres, e lá dentro nos encobrimos mais, o calor aquece e a gente até percebe, só não quer saber, saber incomoda, a preguiça aguça, a raiva mata e a vontade enluta.

Conhecer as saudades é reconhecer o futuro, essa coisa que nos parece tantas vezes vã fez crescer impérios que ensinaram como conviver salutarmente, perceber os estigmas de navegações intelectuais e entender os prismas de mares nunca antes navegados, basta que para tal a gente se aperceba que o saber é infinito e ninguém ainda atingiu o apogeu. Acreditem, não me refiro a céus, mas apenas à natureza possível da nossa existência tantas vezes conturbada, acanhada por saberes de ritos e rituais sem emblema nem selo de garantia.

Nunca comparamos um adulto a uma criança, por razões mais do que óbvias, mas comparamos adultos entre si, por razões meramente concorrenciais, no bom sentido claro, mas fruto da experiência, naturalmente. Séculos de história não são garantidamente dias, por conveniência ou desconhecimento da razão, essa cor salubre que enfrenta mares e marés para um crescimento do saber e de saberes, por isso perguntei a um pescador experiente e a outro sem experiência nenhuma, como se faziam tornados no mar, e a opinião foi claramente diferente, pois, um, tem anos de prática, a labuta, o outro, dias a acompanhar quem sabe, mas basta acompanhar quem sabe para se mostrar que é mais fácil lá chegar.

 

A soberba matou o ignorante

Seria lindo, talvez um sonho, mas que me permita a vida sonhar ainda neste cadafalso de inúmeras insensatas ideias que proliferam a natureza das órbitas, dos raciocínios que declinam a razão pela razão inventada neste pecúlio de natureza que seca a cada instante, secamos cada dia mais um pouco e somando, secamos até a nossa orgânica sapiência e inteligência reinante nos muros ora destruídos numa Berlim qualquer que apenas ensinava a morre de tédio.

Caxemira, lá para tão longe, é sombra que derrete o meu silêncio, a vaidade de não rimar com nada para refrescar as palavras que o vento sopra sobre os telhados da china sem clima para descansar.

Caxemira tem telhas de vidro que brilham o céu, sonhos por descrever e cantigas, mesmo já muito antigas, contenta qualquer sonho, mesmo nesta insónia horizontal lá pelas praias da suíça, verdade, caxemira é uma voz de mulher na farda de um guerreiro estendido quando o fogo abrasa.

Deixar-me sentado num canto qualquer é apenas ver o capim crescer, e chove a cântaros sobre a testa rude e robusta como livros escritos e esquecidos à cabeceira do pastor.

Caxemira não é Muxima, sinto-me numa rua qualquer da índia onde vejo coloridos desfilarem aquelas ruas de predadores cansados, já não voam apenas suam, gemem como corvos as minhas palavras nestas folhas estendidas numa livraria qualquer, sim, queria tanto conseguir continuar a pensar mas os estragos destes fogos derretem-me numa cama de hospital uivando o cheiro do éter para me entreter.

Esbranquiçam-se-me os sentidos, fico sem orientação entre norte e sul, um tal viajante nas nuvens de tantos paradigmas quanto os poros e o silêncio repletos de mistérios, casas abandonas e todas as esquinas são minhas, sim, sinto-me o dono do meu flagelo enrijecido pelas tardes de tédio nesta inépcia de cólicas varridas enquanto tento ainda dormir imagino-me e não me encontro.

Talvez seja o rio cuanza a minha madre teresa, a tal imagem vertical de estátua eterna nas minhas veias.

A pátria não se compra nem se vende, a pátria é um acto intrínseco, já nasce connosco, a bandeira sonhada é sempre a respeitada, a pátria é acto de livre arbítrio, não tem partidos, tem leis, a pátria é o nosso sangue, a pátria para nós, angolanos, é a mesma coisa que para um dinamarquês ou eslavo ou chinês e até do Bangladeche terem, cada um com o seu sentimento pela pátria que merece devoção e glória. Respeito e dignidade.

No contexto mundial actual somos parte dessa globalidade, somos um país quadrado e rectilíneo, onde as montanhas nos fazem sonhar e viajar, somos a música dos nossos ancestrais com a raiz ainda enraizada na verdade que nos faz circular e embelezar as rotundas mais profundas que o nosso desejo nos proporciona. Somos quem deve defender o nosso passado e presente e escolher o nosso futuro, nas urnas, nas ruas e nos lares, filhos pródigos e sensatos de um sangue que brota a nossa voz e os nossos reflexos são o nosso símbolo.

Assim como dizia Martin Luther King, “eu tive um sonho”, agora quero saborear esse sonho no meu bairro e na minha cidade, nas minhas correrias de criança e de esperança, correr como corria, sempre atrás da minha vontade e enaltecer a bandeira que ostento na alma.

Não vou repetir sentimentos, sou a essência da minha bravura, temos todos os nossos sentimentos à flor da pele e nessa pele as marcas da nação que nos viu nascer, crescer, viver e votar, brincar e cantar por todos os cantos deste lindo quadrado que é Angola, enorme e com lugar para todos, assim saibamos estar no lugar certo e de forma correcta acertar o passo para caminhar mais além.

Vamos continuar a nutrir uma característica que sempre nos enalteceu, sermos hospitaleiros e amigos de todos, viver assim é viver livre de consciências pesadas, é viver com amor e carinho, educados somos, vamos ser mais ainda e a lição perdurará pelo universo que nos deixa respirar.

A tia Chimita junto ao lume, os seus doces estalam sobre as brasas, guloseimas de coco e ginguba de que tanto gosto, o meu pai adora, procuro ela se distraia e tiro alguns para o meu bolso preparado, a banca para a sua venda preparada, em à porta vende-os.

Pendurada à saída da sala a santa de barro, sempre, Muxima, por quem era ela devota.

Uma soalheira súbita desbrava calorosamente, onde eu, estendido numa esteira flutuante, danço ao ritmo a que me submete esta ligeira brisa, uma esteira desenhada pelas mãos trémulas da minha tia já velhinha, aliás, que me lembre, sempre a conheci assim, velhinha, imaginativa, onde nasce a gramática da rua nos silêncios cálidos de qualquer inverno, na forma de inferno, se assim puder dizer.

Pensar ainda no que se seguiu, nos escombros disfarçados do regime que seca ainda na cidade, já não existe este bairro de barro e latas, a rua em frente ao portão de areia vermelha já não existe, a farmácia do senhor Quintela onde comprava garrafas de álcool e as vendia às quitandeiras ali na rua, à espera de quantos miúdos que jogavam à bola no meio da estrada e fugiam às buzinadelas furibundas de mercedes pretos e citroenes boca de sapo, já não há nada, a não ser este momento em que, estendido, os faço renascer nos meus miolos descansados e fustigados a morrerem nestas lembranças acordadas.

No bairro de São Paulo, a minha casa, em frente, separado pela avenida do brasil, escombros de casas atiradas ao lixo e onde cresceria mais tarde a cidadela, e alargadamente o seu destino traçado.

Tardes ali sentado, na berma da estrada de tanto movimento, os machimbombos carregados a passarem para a direita e para a esquerda eu indiferente , não soube esconder a curiosidade  de querer ver o que iria sair dali, ao mesmo tempo tremia, o cangalheiro bruto mesmo ao lado da oficina de motorizadas, ruidosos todos os dias a repararem as motos de quem lá ia, onde eu também passava grande parte do tempo, o simpático mecânico, coxo, sempre de cabelo despenteado, e a poeira deixada para trás das rodas aceleradas da moto que ele ia experimentar.

Tu, em que caserna ou casebre, de voz ultrajada, vestida de núpcias, dizem que na europa se usa, as mulheres urdidas de verdade, nem voz o homem, e sigo aqui, depois de ti, nas vestimentas típicas desta casa sem fronteiras a que me chamam os dízimos vorazes, onde o crescimento urge, onde o sonho é verdade e vida, onde, onde nem tu, ninguém ousará uma gota que seja contra mim, o cacimbo entretanto e eu na forja dos últimos resignados nesta vontade de vencer, nasci e morrerei como nasci, aqui, no Huambo.


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