Qual o legado do “America First” (“América em primeiro lugar”) de Donald Trump, que deixou, pela porta dos fundos, a presidência dos Estados Unidos?
Serão os 400 mil mortos pela pandemia, reveladores da incúria e descaso que fizeram do país que a Covid-19 mais ceifou vidas? Serão os mais de 24 milhões de desempregados – o maior número desde 1947 -, que se traduzem numa miséria inaudita entre o povo do país que ainda se mantém como a maior economia do planeta? Será a intolerância que intensificou o racismo com mortes e agressões contra negros? Será a ideia de aumentar o muro da segregação na fronteira entre o México e os EUA? Serão as centenas de crianças separadas de suas famílias ao tentar atravessar aquela fronteira e que até agora não reencontraram seus parentes?
A lista é imensa, marcada pelo ódio, pela falta de compaixão, pelo desprezo às pessoas. O legado de Trump – um dos piores presidentes da história dos EUA – pode ser representado por uma destas misérias humanas, ou talvez por seu conjunto.
A eleição e posse de Biden representa uma importante vitória das forças democráticas dentro e fora dos Estados Unidos justamente por derrotar Trump e sua política de extrema-direita. Biden na presidência, além de reduzir a propagação da intolerância interna, deverá levar o país de volta aos organismos e acordos internacionais como a OMS e o Acordo de Paris para o Clima. Entretanto, não é recomendável nutrir expectativas de mudanças mais profundas.
Eleito com apoio de grandes corporações, o novo presidente não terá como centro de sua ação a superação da enorme desigualdade social e econômica. Com recordes diários de morte por Covid-19, os Estados Unidos têm 90 milhões de cidadãos sem seguro saúde em meio aos efeitos devastadores da pandemia. Além dos milhões de desempregados, metade dos trabalhadores recebe salários muito aquém do necessário para viverem dignamente. Tal condição expõe 40 milhões de norte-americanos ao despejo de suas casas que podem se somar aos 500 mil sem-teto que perambulam pelas ruas do país. Tal situação provoca tensões no próprio Partido Democrata, de Biden, que é pressionado pela ala progressista liderada pro Bernie Sanders.
Em declínio econômico e vendo minguar seu protagonismo internacional, enquanto a China se movimento com maior desenvoltura, os Estados Unidos buscarão recuperar o terreno perdido. E para tal, Biden não deverá medir esforços, inclusive com a conhecida agressividade bélica, como fizeram os também democratas Obama e Clinton.
O mantra do novo presidente é marcado pela defesa da união, dentro do país e entre os países que considera democráticos – o que em si já tem um viés excludente, se considerarmos que Biden classifica que países como Venezuela, Cuba, Coreia Popular e a própria China não vivem sob uma democracia. Deste modo, soa falso o discurso de posse em que Biden falou da reconstrução da unidade nacional, da defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito, da reconciliação.
Para os EUA, e para o mundo, a troca de comando na presidência da República significa a superação de um perigo maior, a ameaça fascista representada por Trump. Não é pouco, mas as forças democráticas e progressistas, em especial os trabalhadores, devem se manter em permanente alerta e mobilizados em defesa dos seus direitos, da democracia, da liberdade e da soberania nacional.
Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado