Bárbara, esse homem não a merece. Essa juíza não a merece. O Albarran nunca a mereceu. Até diria que os espectadores não a merecem, mas isso era outra conversa.
Não havendo (felizmente) realeza em Portugal, o julgamento que opõe Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho é o mais próximo que temos de uma quezília doméstica entre a marquesa d’Alba e o visconde de Bidet. Logo, o povo adooooora!, porque eles são ricos e famosos e também apanham e dão, como a gente. Como a gente, não!, que apesar de tudo a maioria da gente não embarca nestas tranquitanas – a maioria é mais civilizada do que o aparente comportamento deste casal desavindo.
Bárbara, a senhora sofrerá de um erro de paralaxe durante todo o julgamento. As pessoas adoram ver cair heróis e a sua juíza nunca pousou de ceroulas para a capa da GQ. Se a Bárbara estiver perante uma ressabiada, só no recurso é que se pode safar. Até lá servirá de saco de pancada ao machismo estabelecido. Sabe, Bárbara, a senhora não devia passar por estes enxovalhos só porque há uma juíza tonta. Mas a magistrada também quis ser pedagógica (não quis, bem sei, mas aquilo saiu-lhe e saiu bem) ao dizer que ao primeiro sinal de alarme – queixa! E quando se está em mau estado, hospital connosco e queixa pública.
Mas a maioria das vítimas de violência doméstica não o faz, bem sei. Por medo, por preconceito, por vergonha. Por isso, a chazada magistral é apenas descabida no tempo.
Proponho-lhe, Bárbara, que nos ajude, aos que vomitam de vergonha ao ver a violência doméstica, que a senhora venha a terreiro e use o seu poder mediático e a simpatia que o público lhe tem para sustentar um esforço nacional contra a violência doméstica. Não na pequena campanha regional do Algarve, mas numa nacional, de jeito, contra o medo e a vergonha. Venha a terreiro tipo Rosa Parks.
Quanto a Manuel, este sofre do preconceito oposto. Não o vemos bêbado e com um cachecol do Benfica. Isso, para um país em que as mães ainda dizem aos filhos para sair bem vestidos e que os sapatos são fundamentais na apresentação, é fatal. A juíza tem medo de Manuel, porque Manuel representa uma secção de elite.
A magistrada não consegue compreender como um homem como Manuel algum dia poderia ter feito o que a Bárbara alega. Mas veja bem: se isto fosse entre a marquesa d’Alba e o visconde de Bidet, o visconde estava tramado. Porque nem um nem outro tinham “estatuto” social diferente.
E é isso que nos trama neste caso. Entre a corista e o dr. de consultório na avenida, o público gosta das pernas da corista e do tratamento do doutor. Estamos em 1946, portanto. E a verdade pouco importa. Até se Manuel for inocente e Bárbara também.
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