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Sexta-feira, Novembro 15, 2024

O que tem a ver a produção saudável de alimentos com a divisão do trabalho doméstico?

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Bela Gil explica essa conotação em seu livro, recém-lançado, Quem Vai Fazer Essa Comida? – Mulheres, Trabalho Doméstico e Alimentação Saudável, da Editora Elefante. A autora defende a valorização do trabalho doméstico e a produção agroecológica dos alimentos como uma das formas de uma vida mais saudável e de se combater a discriminação e a violência de gênero.

Ela cita o livro O Lado Invisível da Economia: Uma Visão Feminista, de Katrine Marçal, para quem “assim como existe um ‘segundo sexo’, existe uma ‘segunda economia’”. A sociedade não vê como uma questão de trabalho quem faz a comida, quem cuida dos filhos e da casa. Mas, para Bela, fortemente baseada na filósofa Silvia Federici, o trabalho doméstico, que não é remunerado, é um dos principais pilares de sustentação do capitalismo, que explora essa mão de obra, quase como um trabalho escravo e lucra muito com isso.

Outro ponto fundamental do livro é sobre o agronegócio com uma produção altamente mecanizada, portanto, com poucos empregos, para o mercado global, ou seja, para a exportação; e essa transformação dos alimentos em commodities, é vista apenas como mercadoria para gerar lucro, o que explica por que um país com extensas terras agricultáveis como o Brasil tem milhares de pessoas passando fome. Assim é o capitalismo.

O livro destaca a forma adotada pelo capitalismo para catalisar a chamada “generosidade feminina” e explorar as mulheres no trabalho doméstico, em ligação com o campo, onde a terra seria a mulher. A música O Cio da Terra, de Chico Buarque e Milton Nascimento, ilustra tem essa temática. Abaixo interpretada por Pena Branca & Xavantinho

Vânia Marques Pinto, secretária de Política Agrícola e Agrária da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), defende a valorização da agricultura familiar e a reforma agrária como formas de fomentar a produção de alimentos saudáveis, sem agrotóxicos.

Ela concorda com Bela sobre a necessidade de “educar as pessoas para consumir alimentos in natura”, mas para isso “é necessário uma série de políticas públicas e financiamentos para que esse alimento possa chegar à mesa das brasileiras e brasileiros”, porque “os alimentos ultraprocessados são muito mais baratos”. E essa reforma agrária deve “contemplar as trabalhadoras e trabalhadores do campo”.

De acordo com Vânia, a chamada Revolução Verde, “a partir da metade do século 20, ampliou a produção, introduzindo tecnologias duradouras, como os transgênicos, mas também trouxe desafios como o uso excessivo de agrotóxicos”. Coisa que Bela Gil critica de maneira incessante, ao defender que a comida seja preparada em casa ou que as pessoas tenham condições de comer em restaurantes que façam comida de verdade.

Bela traça um panorama histórico de como o trabalho doméstico recaiu e recai quase totalmente sobre a mulher, e de como o capitalismo reciclou e se apoderou desse trabalho não remunerado para alavancar a concentração de riquezas e, por isso, novamente com base em Silvia Federici, ela defende a remuneração do trabalho doméstico, além de uma divisão equânime desse trabalho entre os sexos.

A chef de cozinha defende também a importância de cozinhar e que isso seja feito tanto pela mulher quanto pelo homem. Mas para isso acontecer é necessário haver tempo, o que leva à necessidade de redução da jornada de trabalho, maior tempo de licença maternidade e de paternidade, uma reforma agrária que reforce a produção agroecológica, portanto com preservação ambiental, e também uma ampla reforma urbana, onde a locomoção das pessoas demande menos tempo, principalmente nas grandes cidades.
Por isso, Vânia reforça a importância de uma análise do ponto de vista da classe trabalhadora sobre os impactos da mecanização no campo, que, apesar de aumentar a produtividade, contribui para o desemprego estrutural e a substituição gradual dos trabalhadores do campo. “A mecanização altera a dinâmica de produção, interfere na mão de obra, modifica as relações campo-cidade e contribui para o desemprego estrutural”, afirma ela.

Isso porque “A narrativa do campo brasileiro não é única; há a disputa entre a agricultura familiar, que vê o campo como um espaço de vida, e o agronegócio, que o considera apenas um lugar de negócios”, argumenta. Um ponto importante destacado pela sindicalista trata-se de um intenso combate ao trabalho escravo e valorização do trabalho no campo.

Bela enfatiza a necessidade de criação de políticas públicas que possibilitem o barateamento dos alimentos orgânicos e restrinjam o consumo de ultraprocessados, que tanto mal fazem à saúde. Para ela, é fundamental “comida boa nas escolas, nos hospitais, nos presídios, restaurantes populares espalhados pelo país; limites a propaganda e consumo de alimentos ultraprocessados; incentivo ao ato de cozinhar dentro de casa através da redução da jornada de trabalho e da remuneração do trabalho doméstico”, entre outros itens fundamentais para que a alimentação possa ser prazerosa e benéfica à saúde.

O curta-metragem Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, mostra muito bem a questão da fome e as prioridades do capital e do agronegócio

Além disso, um amplo trabalho de educação sobre a divisão do trabalho doméstico, dando responsabilidade também aos homens no ato de cuidar. Vânia concorda com ela e afirma que “o Brasil precisa da reforma agrária com todos os requisitos necessários para alavancar a produção de alimentos como forma eficaz de combate à fome”, mas isso, “precisa ser feito com trabalho decente e respeito às leis e às trabalhadoras e aos trabalhadores do campo”.

Para ela, “a questão da emancipação feminina, do trabalho doméstico e da alimentação saudável está intrinsecamente ligada aos direitos humanos e à luta por uma sociedade igualitária com valorização do trabalho e respeito à vida”.

Serviço:

Quem Vai Fazer Essa Comida?
Bela Gil
Editora Elefante
Preço: R$ 60


Texto em português do Brasil

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