As propostas irrealistas do relatório de Draghi, uma U.E. que perder o comboio da inovação e da alta tecnologia em relação aos E.U.A. e China, e Portugal que desinveste para reduzir o défice e a dívida, e assim não sai da situação de atraso
Neste estudo analiso as propostas do Relatório do Mario Draghi, mostrando que as três soluções que defende para a U.E. recuperar o atraso em relação aos EUA e China, nas áreas da inovação e alta tecnologia, são de difícil aplicação pois exigem um aumento enorme do investimento anual, a financiar com a emissão de divida da U.E., que é de prever que seja recusado pelos países mais desenvolvidos e uma alteração no processo de decisão da U.E.. Analiso o volume de investimentos realizados pelos EUA, U.E. e China que permitiu a esta já ultrapassar os EUA em 57 das 64 altas tecnologias e taxas de crescimento económico 2,8 vezes superior à dos EUA e 3,5 vezes superior à da U.E. . E termino analisando o desinvestimento em Portugal que impede o país sair do estado de atraso.
Estudo
As propostas irrealistas do relatório de Draghi, uma U.E. que perder o comboio da inovação e da alta tecnologia em relação aos E.U.A. e China, e Portugal que desinveste para reduzir o défice e a dívida, e assim não sai da situação de atraso
Mario Draghi, ex-presidente do BCE e ex-primeiro ministro da Itália, elaborou um extenso relatório de 400 páginas, (mas foi só divulgada a Parte A, com 66 páginas), a pedido da presidente da Comissão Europeia, com o tÍtulo “The future of European competitiveness _ A competitiveness strategy for Europe” onde, para além de mostrar o atraso crescente da U.E. em relação aos EUA e à China no campo da inovação e no domínio da alta tecnologia, apontando esta última como uma “ameaça”, sendo a posição União Europeia nestas áreas cada vez mais irrelevante e dependente o que, a manter-se, determinará que o seu crescimento económico continue deprimente. Não vale apena perder tempo com a análise do diagnostico, pois, o atraso e irrelevância da U.E., é já conhecida por todos. Interessa são as soluções que Draghi defende no seu Relatório, e que são:
- O aumento “da parte do investimento na U.E. dos atuais 22% do PIB para 27%, ou seja, mais 750 a 800 mil milhões € por ano… e a necessidade de uma estratégia industrial”;
- o financiamento deste aumento de investimento através de emissão de dívida europeia, que designa por “empréstimos conjuntos da U.E.” ;
- “A Europa precisa de reformar o seu processo de decisão”, ou seja, acabar com a regra de unanimidade que existe na U.E. em relação a questões importantes e centralizar ainda mais o poder nos maiores países e na Comissão Europeia para que as decisões sejam rápidas pois, segundo ele, uma das causas do atraso da U.E. é a lentidão e a burocratização do processo de decisão.
Estas são as receitas milagrosas de Mario Draghi para tirar a U.E. da situação de atraso e entrar na rota da inovação e da alta tecnologia. Interessa por isso contextualizar, analisando a situação atual.
A PERCENTAGEM QUE O INVESTIMENTO (FBCF) REPRESENTA EM RELAÇÃO AO PIB NOS EUA, CHINA, U.E. E PORTUGAL
O gráfico 1 mostra o esforço investimento feito por cada país, medido em percentagem do PIB de cada país, que é aplicada em Formação Bruta de Capital Fixo (investimento).
No período 2014 a 2023, os EUA investiram em média anualmente 21,5% do PIB, a China 43,9%, a U.E. 21% e Portugal apenas 17,7% do PIB. Em 2023, o PIB a preços correntes dos EUA era 26.950.000 milhões de dólares; China 17.000.000 milhões de dólares e U.E. 19.500.000 milhões €. Fazendo cálculos, concluiu-se que, em 2023, o investimento do EUA foi 5.955.950 milhões de dólares, o da China foi de 7.575.600 milhões de dólares (+ 27,2% do que o dos EUA), e o da U.E. 4.110.600 milhões de dólares, ou seja, menos -45,7% do que o da China. E isto a preços correntes, pois se for em PPC, em que se anula a diferença de preços entre países, a diferença é maior. Em 2023, o PIB da China em PPC (30.300.000 milhões de dólares) já era superior ao dos EUA (26.950.000 milhões de dólares) e ao da U.E. (27.00.0000 milhões de dólares).
Fazendo cálculos, conclui-se que, em 2023, o investimento em PPC foi nos EUA de 5.955.950 milhões de dólares, na China 12.968.400 milhões de dólares, e o realizado pelos países da U.E. 5.913.000 milhões de dólares.
O esforço que a China está a fazer para recuperar o atraso acumulado durante os dois últimos séculos, e para ultrapassar os EUA e a U.E., e tornar-se uma grande potencia mundial é gigantesco e não tem qualquer comparação na história. Esse esforço traduziu-se já em taxas de crescimento económico que no período 2014/2023, em média, foram 2,8 superiores à dos EUA, e 3,5 vezes superiores à média da U.E. como mostra o gráfico 2. Para além disso, segundo um relatório recente do Instituto Australiano de Política estratégica (ASPI), a China já lidera 57 das 64 tecnologias de alta tecnologia e os EUA apenas 7. Os países europeus, como a Alemanha, a Inglaterra, a India, o Japão, ocupam o 3º lugar ou uma posição mais recuada. Os grupos de alta tecnologia considerados que depois subdivididos em 57 tecnologias são: Radar de alta precisão, Motores avançados de aeronaves, Robótica colaborativa, Inteligência artificial, Biotecnologia, Tecnologias quânticas, Baterias elétricas e Defesa. Tudo altas tecnologias e nenhum país da U.E. ocupa a 1ª ou 2ª posição.
As taxas de crescimento económico da U.E. são deprimentes como revela o gráfico 2 (barras a verde), apesar dos fundos do NGEU (Next Generation funds) que, em Portugal, tem a designação de “PRR”, e em que se depositou grandes esperanças, como instrumento transformador e criador de uma nova U.E. baseada na alta tecnologia mas que, na prática, se tem revelado um fiasco devido à incapacidade de governos e empresários em utilizarem de uma forma eficiente, atempada e com resultados concretos os investimentos previstos. Mário Draghi pretende um novo NGEU (o atual tem um orçamentado de €750 mil milhões e é para ser executado de 2021/2026) mas muito mais ambicioso. Draghi defende no seu Relatório que o investimento que agora deve ser realizado em 6 anos, passe a ser realizado anualmente (+800 mil milhões em cada ano futuro) e que esse montante de investimento anual seja financiado por meio de divida emitida pela U.E. ficando responsável todos os países de acordo com a sua dimensão económica. O irrealismo de tal proposta parece evidente. A experiência já provou que seria muito difícil aos países executar anualmente esse volume de investimento de uma forma eficiente e com os resultados concretos desejados pois atualmente não conseguem fazer isso com um volume de investimentos de fundos europeus dezenas de vezes inferior (recorde-se a situação de atraso em que se encontram os nossos ”PRR” e ”Portugal 2030”). Para além disso, é de prever que os países com economias mais desenvolvidas da U.E. (Alemanha, França e os chamados “frugais) não aceitariam ficar responsáveis pela enorme emissão de divida da U.E. anual. Draghi parece que perdeu capacidades e o pragmatismo que o caraterizava no passado ou então pretende vender uma ilusão. Se adicionarmos, a intenção da C.E. de continuar a financiar a guerra na Ucrânia e a sua reconstrução quando entrar para U.E. o irrealismo é maior e a pretensão de espoliar os contribuintes europeus com mais impostos torna-se evidente.
PORTUGAL NO LUGAR DE INVESTIR DESINVESTIU, JÁ QUE O NOVO INVESTIMENTO ANUAL NÃO COMPENSOU O QUE DESAPARECU PELO USO OU SE TORNOU OBSOLETO. UMA MEDIDA ALTERNATIVA REALISTA ÀS IRREALISTAS DE DRAGHI
O quadro 1 (dados do INE), mostra na linguagem fria, mas objetiva dos números, o desinvestimento que se verificou no nosso país, já que o novo investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) em cada ano não compensou o Consumo de Capital Fixo, ou seja, aquele que desapareceu devido ao uso e obsolescência. O Consumo de Capital Fixo corresponde a nível do país àquilo que, a nível de empresas é designado por amortizações.
Quadro 1 – Investimento total, investimento publico e privado, e Consumo de Capital Fixo público e privado – 2012/2023
Como revelam os dados do INE do quadro 1 (última linha do quadro), no período 2012/2023, o investimento total (publico + privado), ou seja, a FBCF total no país somou 430278 milhões €, e o Consumo de Capital Fixo totalizou 439654 milhões €. O novo investimento (FBCF) foi inferior ao Consumo de Capital Fixo em -9376 milhões €. Nem conseguiu repor o que desapareceu pelo uso ou que ficou obsoleto. Se desdobrarmos o investimento, em público e privado, concluiu-se que o saldo negativo de -9376 milhões €, resulta de um enorme saldo negativo a nível do investimento publico (-16098 milhões €) e de um reduzido saldo positivo no investimento privado (+6722 milhões €). Em todos anos de 2012/2023 (governos PSD/CDS e PS/Costa) verificou-se um enorme desinvestimento público o que causou uma degradação profunda e uma falta enorme de equipamentos públicos(escolas, hospitais, infraestruturas, e outros equipamentos) e condições de trabalho insustentáveis com consequências dramáticas para a população e para os profissionais, o que levou muitos dos mais qualificados a irem para o setor privado ou emigrarem. E toda esta destruição foi para reduzir o défice e a dívida. Uma medida realista alternativa as irrealistas de Draghi seria não considerar para cálculo do défice e da divida na ótica de Maastricht as despesas com investimento (FBCF) e as com I&D. Desta forma incentivava-se o investimento e deixava de haver desculpas para o cortar a fim de satisfazer as exigências dos eurocratas de Bruxelas.