A maneira como os jornalistas valorizam a opinião de comentadores oriundos da esfera partidária, como é o caso actualmente de Marques Mendes, contribui para o enfraquecimento e empobrecimento do jornalismo. De facto, Mendes consegue a proeza de ser citado em todos os jornais e televisões como alguém que (qual pitonisa) prevê e anuncia o que nós, os ignorantes, não vemos, não sabemos nem somos capazes de prever.
Actuando num palco privilegiado e sem qualquer espécie de contraditório – na SIC e na SIC Notícias – e sem se enquadrar em qualquer estatuto que lhe defina regras, limites e obrigações, isto é, deveres e direitos, Marques Mendes pode dizer o que quiser sem indicar fontes, pode ser desmentido (como aconteceu recentemente com o INE) sem ter de pedir desculpa, pode enfim servir de porta-voz de interesses ou de pessoas sem que ninguém lhe peça contas nem lhe ameace o “emprego”.
A entrevista do Presidente Marcelo ao DN é bem o exemplo da capacidade de Marques Mendes para marcar a agenda jornalística. O comentador anunciou na SIC que “Marcelo mostrou em relação ao governo “subtil distanciamento” e a afirmação foi tão peremptória e solene que parecia um facto e não uma interpretação das palavras do Presidente. De tal modo que os jornalistas correram a reler e analisar as entrelinhas da entrevista procurando os “sinais” que Marques Mendes anunciou. E então surgiram páginas de reanálise de uma entrevista onde afinal o Presidente teria deixado sinais importantes e decisivos de distanciamento face ao governo.
O próprio autor da entrevista, Paulo Baldaia, jornalista experiente, sentiu a necessidade de proceder a uma releitura do que tinha ouvido ao Presidente, tendo concluído que aquele ”foi de facto o momento de Marcelo (…) para enviar os sinais que Marques Mendes sabe serem entendidos por quem tem de os entender. Ora lendo a entrevista, Incluindo nas entrelinhas, não se encontra qualquer sinal “subtil”, ou não, de “distanciamento em relação ao governo”, ao contrário do que anunciou Marques Mendes.
Nos bastidores da política e do jornalismo diz-se que Marques Mendes é uma espécie de “alter-ego” de Marcelo e que Mendes antes da sua prestação dominical na SIC conversa com o Presidente que lhe dá ideias e conselhos sobre a actualidade política que depois o comentador apresenta como suas. Sendo ou não assim, o facto é que, neste caso, é legítima a conclusão de que o Presidente não mostrou distanciamento face ao governo mas quis que se dissesse que está mais distante do governo. Marques Mendes procedeu pois como o spin doctor do Presidente.
O problema não é tanto o Presidente ter um spin doctor mas sim que jornalistas, com raras excepções, alimentem o spin doctoring.
(Sobre sppinning ver em Conceitos de Comunicação Pollítica, pág. 97)
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