Em agosto de 2019 o líder do conselho de transição do Sudão, o tenente-general Abdel Fattah Abdelrahman Burhan tomou posse como Chefe do recém-formado Conselho de transição no palácio presidencial em Cartum, Sudão.
Quatro meses de negociações difíceis entre o conselho militar no poder e o movimento pró-democracia, depois da deposição do autoritário e eterno Omar al-Bashir que esteve no poder de 1989 a 2019, poder ao qual se agarrava como lapa, tinham terminado nesta solução entre as partes.
Este acordo teve a pressão dos Estados Unidos e de seus aliados árabes, com preocupações crescentes de que a crise política pudesse desencadear uma guerra civil.
Em Dezembro último Omar al-Bashir, agora com 75 anos, foi condenado a dois anos de prisão numa prisão de reforma social por corrupção. O juiz argumentou que segundo a lei sudanesa, pessoas com mais de 70 anos de idade não podem cumprir pena de prisão. Bashir também enfrenta acusações relacionadas ao golpe de 1989 que o levou ao poder, com queixas de genocídio e assassinato de manifestantes antes de sua queda.
Após a dita tomada de posse previa-se que o general Abdel-Fattah Burhan, que fez juramento perante o principal juiz do país, liderasse o Conselho Soberano de 11 membros durante 21 meses, seguido por um líder civil nomeado pelo movimento pró-democracia nos 18 meses seguintes.
Ontem dia 3 de Fevereiro houve relatos no Jornal Haaretz de que pós especulações e anos de relatórios, Israel e o Sudão formalizaram novas relações que teriam a vantagem de ajudar Israel nos esforços para deportar requerentes de asilo. A reunião que reuniu os lideres israelita e sudanês foi feita na capital do Uganda, Entebe.
Uma fonte israelita disse que o desenvolvimento das relações entre os dois países vai afetar imediatamente a rota dos voos de Israel e permitir que os seus aviões sobrevoem o país africano.
Saeb Erekat, negociador palestiniano dos Acordos de Oslo, disse: “Condenamos agressivamente a reunião entre o presidente sudanês e Netanyahu. Esta é uma facada nas costas da nação palestiniana e um desvio do consenso árabe e da iniciativa da paz árabe. A administração Trump e o primeiro-ministro Netanyahu não ajudam em nada ao problema.
Em Agosto passado o governo israelita tinha pendente uma decisão sobre os pedidos mas interrompeu o examinar dos mesmos dizendo que eles deveriam ser adiados até que a situação no Sudão se estabilize.
A decisão foi ordenada pelo ministro do Interior, Arye Dery, após a avaliação do Ministério das Relações Exteriores de que as manifestações exigindo o domínio civil quase três meses depois que o exército expulsou o autocrata Omar al-Bashir “criavam incertezas quanto à situação no Sudão”.
A Autoridade de População e Imigração há anos arrasta os 3.400 pedidos de asilo apresentados por cidadãos sudaneses.
Já em Abril passado analistas e chefes dos serviços secretos dos mais variados e suspeitos poderes em Washington, Moscovo, Pequim, Riad, Cairo e Israel tentavam perceber quem era quem na crise sudanesa. Havia rumores de que o chefe da Mossad, Yossi Cohen, se reunira com o general Salah Gosh, chefe dos serviços secretos sudaneses e com o ministro da Defesa Awad Ibn Aouf.
Bashir e as elites militar e serviços secretos eram uma base sólida através da qual esses países administravam seus interesses de segurança no leste da África. Os laços dos EUA com Cartum eram como uma roleta-russa. Por exemplo o golpe militar que Bashir planeou em 1989 contra o presidente democraticamente eleito Sadiq al-Mahdi foi corretamente considerado o início de uma era tormentosa. Uma aliança islâmica que o agora caído em desgraça Bashir e seus oficiais forjaram com o chefe da Frente Nacional Islâmica e da Irmandade Muçulmana Hassan Torabi ligou o Sudão a Osama Bin Laden, que viveu no Sudão de 1990 a 1996 até ser expulso sob pressão dos EUA.
A lei religiosa tornou-se a base da constituição do país, e os conselhos locais em todo o Sudão enviaram representantes ao parlamento, mais ou menos na linha do modelo construído pelo líder líbio Muammar Gadhafi.
O Ocidente temia que o Sudão estivesse a seguir o modelo e amizade com o Irão, e as sanções não estavam muito longe.
Mas a maioria das sanções foi levantada há dois anos e, lestamente a CIA abriu uma de suas maiores bases na região de Cartum. O Sudão afastou-se do Irão e juntou-se à coligação árabe na guerra da Arábia Saudita contra o Iemen, o que enriqueceu seus cofres estaduais em cerca de 2,2 biliões de dólares enviados pelos sauditas e pelos Emiratos Árabes Unidos, aproximando o Sudão dos estados do bloco árabe pró-ocidental.
Milhares de soldados sudaneses foram enviados para os campos de batalha do Iemen.
E Bashir, contra quem o Tribunal Mundial de Haia tinha emitido um mandado de prisão em 2009 por crimes de guerra em Darfur, começou muito aliviado a deixar seu palácio para viajar para países árabes e muçulmanos.
Bashir foi o primeiro líder árabe a visitar Damasco, marcando o início de uma brecha no boicote da Liga Árabe contra Bashar al-Assad.
A Rússia terá empurrado Bashir para Damasco em troca de alguma ajuda política e económica, com o objetivo de reconstruir a legitimidade de Assad no mundo árabe. Posteriormente, figuras importantes dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein também visitaram a Síria.
Até 2011, o Sudão era o maior país da África e do Mundo árabe, quando o Sudão do Sul se separou e se tornou um país independente, após um referendo sobre a independência. O Sudão é hoje o terceiro maior país da África, a seguir à Argélia,e à República Democrática do Congo e também é o terceiro maior país do mundo árabe,depois da Argélia e da Arábia Saudita. 84% da população do Sudão é sunita.
A história da presença de famílias e de comunidades judaicas no Sudão é muito interessante e ficará para outra crónica.
E assim vai o jogo do empurra entre os países e os seus interesses económicos e políticos à revelia dos povos. Nas mesas destas conferências ninguém pensa na pessoa humana. Vivemos tempos de total desumanização.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90