Poema de João de Almeida Santos
para um Rosto (inédito) de Filipa Antunes
O TEU NOME…
Porque não
Me nomeias,
Meu amor?
Nome-ar…
Tão simples.
Quatro letras!
Devolver-me
Identidade,
Aquecida
Nos teus lábios
Pelo ar quente
Que respiras…
Vês, como leio
No teu silêncio,
Nas tuas pausas,
Contraponto
Da bela melodia
Que eu canto
Para ti
Em cada dia?
Mas, assim,
Perco-me,
Não sei de mim,
Fico sem espelho
Onde me ver
A cores
E em perfil
De traço fino
Nos doces
Murmúrios
Que sufocas…
………………
E não desvelo
O incerto destino
Traçado
Pelos deuses!
Torno-me
Sombra
De mim mesmo
Quando
Me interpelas
Sem nomear!
Não me sinto eu,
Sou outro,
Um pronome
Indefinido
Ou interjeição,
Ideia vaga,
Incerto perfil
Que se dilui
Como aguarela
Em folha branca
Manejada
Por ti à procura
De uma forma
Que, afinal,
Não tem nome…
Porque cativas
O som
De quatro letras
E não cantas
A minha melodia
Com uma palavra
Só?
A tua boca
Hesita
Quando ela
Timidamente
Aflora
E esboça
Um sorriso
À flor dos teus
Lábios?
O meu nome
Desata
A tua alma
E ameaça
Levá-la consigo
A voar sobre
O mundo
De mãos dadas
No fio do horizonte?
São vertigens,
Meu amor?
Ah!, se assim fosse
Diria
O teu nome
Mais do que digo
Até adormecer
De cansaço
Só para te
Sonhar!
Não te tendo,
Digo-te
Em cada momento,
Desperto
Ou em sonho,
Para te ter
Nos meus lábios
Húmidos,
Beijando-te
Com todas as
Palavras
Que disserem
As cores
Que guardas
No cofre
Escondido
Da tua alma…
Mas tu não
Me dizes
Porque me desejas
Como parte de ti
Sem partilha?
Guardas
O meu nome
No silêncio
Do teu peito,
Como se fosse
Pecado dizê-lo?
Sentes perigo?
Que o meu nome
Se torne lava
Ardente?
Beijo verbal
Proibido
Pela gramática
Do amor
Logo ao primeiro
Sinal?
E foges
Para dentro
De ti
Com o coração
Aos pulos?
Sim, também eu
Não te digo
Como chamamento
No meu poema,
Onde os nomes
Se dizem
De outro modo,
Têm som
E ritmo
Diferentes,
São notas
De uma melodia
Sofrida
E cifrada…
……………………
Mas as tuas letras
Estão lá,
Todas,
Uma a uma,
E a cor
Dos teus cabelos
Em aguarela…
E o cetim
Da tua pele
Macia
Por onde deslizam
Os meus olhos
À procura dos teus,
Negros e profundos…
…………………
E essas mãos
Perfumadas
Filhas da arte
Que te desenham
A alma
Com riscos
E cores
Que atiras
Ao vento
Para que eu
Os agarre
E lhes dê
Som,
Ritmo
E sentido
Num poema…
……………….
Ao entardecer…
E, assim,
Eu canto
O teu ser,
Tudo
O que és
E o que serás…
O que sabes
E o que sentes…
O que vives
E o que sonhas…
O que dizes
No que calas…
…….
Tudo,
Meu amor!
Dizes, sim,
Com ironia
Triste,
Que também eu
Não te digo
Aqui,
Em arte,
Mesmo quando
Te canto mais
Do que ouves,
Te nomeio
Mais do que
Posso,
Te pressinto
Mais do que
Sentes…
Mas tu, não!
Apenas te expões
Às minhas palavras,
À minha música
E silencias-me
Porque balbucias
O meu nome
Só dentro
De ti
Para não ficares
Agarrada
A ele,
A um som
Encantatório
Que corre, corre
Atrás de ti
Para se ouvir
Nos teus lábios…
Como daquela vez
Em que soou
Timidamente
Como sussurro,
Murmúrio
Imperceptível,
Em surdina,
Na fronteira do silêncio…
Mas bem sei
Que o teu mundo
Não é o dos nomes
Ou das palavras,
Sequer murmurejadas,
Mas o dos riscos,
E das cores…
……………
Sei que aí
Me vais
Interpelando,
Insistente,
Como rosto
Mutante,
Essa tua forma
De docemente
Me soletrar!
Nomeias-me, sim,
Meu amor,
Mas à tua maneira!
Ilustração: Rosto (inédito) de Filipa Antunes (Desenhos a caneta pigment liner 0.1 e aguarela, em 15 de Novembro de 2017)