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Domingo, Novembro 3, 2024

O UK pós-BREXIT

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A julgar por um artigo da autoria do novo ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, onde sentiu a necessidade de repetir elogios às vantagens do Brexit imediatamente após um périplo pelo continente norte-americano (EUA e Canadá), talvez esta viagem não tenha corrido tão bem como se tenta fazer crer naquele reino.

As convencionais referências à amizade e ao entusiasmo manifestado pelos seus interlocutores norte-americanos (o presidente Donald Trump, o vice-presidente Mike Pence ou o secretário de Estado Mike Pompeo) levados ao extremo da afirmação de Pompeo que os EUA estavam posicionados “à porta, com a caneta na mão”, prontos para assinar um acordo comercial imediatamente após o BREXIT, valem, como o dia-a-dia das cabriolas e cambalhotas da administração Trump o vai comprovando, pouco ou nada. Em contrapartida parece bem mais equilibrada a ideia deixada por Larry Summers, ex-secretário do Tesouro na administração Obama, quando lembrou que os melhores negócios são os que se conseguem com parceiros numa situação desesperada; e essa é precisamente a imagem cada vez mais evidente de uma Grã-Bretanha obrigada a camuflar o desastre de um BREXIT sem acordo, mas que se apresentará, inevitavelmente, com muito menos argumentos para negociar que a UE no seu conjunto.

A pertinente observação de Larry Summers pecará até por admitir que o governo de Boris Johnson se preocupa em defender os interesses e a autonomia da maioria das pessoas no Reino Unido, quando na realidade o Brexit promovido pelos “tories” da linha-dura tem sido a ideia de puxar a Grã-Bretanha para a sombra do capital americano e numa posição de subalternidade – cada vez mais evidente até na facilidade com que sucessivos governos britânicos têm seguido as directrizes norte-americanas em matérias de natureza geoestratégica, volta agora a repetir-se na questão do acordo nuclear com o Irão e mais recentemente na disputa no estreito de Ormuz, transformada nas palavras de Raab na necessidade de proteger o transporte marítimo internacional contra a ameaça da Guarda Revolucionária do Irão – que a recente passagem de Raab pelo Canadá acompanhada da insinuação de uma renovada Commonwealth, não conseguem disfarçar.

De um e do outro lado do Atlântico imperam populismos que beneficiaram de campanhas de orquestrada desinformação para alcançar o poder; aparentemente distintos –  pois Boris Johnson que pretende corporizar um excepcionalismo anglo-britânico construído sobre uma antiga ligação mística entre nação, realeza e aristocracia, financiada por um processo de pilhagem imperial que o desfecho das guerras do século passado impede de se voltar a repetir, apresenta-se como um paladino do comércio livre enquanto Trump se traveste de um proteccionismo isolacionista com o qual tenta disfarçar as crescentes debilidades imperiais dos EUA – ambos servem apenas os interesses da ínfima minoria que o desregulado processo de globalização tem enriquecido.

Em última análise, ambos representam o mesmo conjunto de interesses cruzados e interligados, onde pontificam oligarcas, mafiosos, capitalistas da desgraça, petromilionários, especuladores de hedge funds ou de quem já tendo percebido a aproximação do fim da era neoliberal e do modelo de produção industrial e esteja a apostar nos alvores da era digital. Sinal disso é a clara protecção ao capital financeiro, através da redução dos impostos para os hiper-ricos, em detrimento do capital industrial e humano.

E é precisamente porque a rede de offshores oferecida pelo Reino Unido e pelos territórios que dele dependem directamente (como é o caso da ilha de Man, no Mar da Irlanda, e das ilhas de Guernsey e Jersey, no Canal da Mancha) mantém a sua enorme utilidade na lavagem de dinheiro, particularmente depois de se terem conservado fora da Zona Euro, e na protecção dum conjunto de interesses para os quais pouco importará o já conhecido relatório oficial que prevê a falta de combustíveis, comida e medicamentos pós-BREXIT.

Não menos importante é também o papel que o Reino Unido e os seus territórios se têm prestado a desempenhar e, apoio da política norte-americana, como ainda recentemente o comprovou a acção de arresto de um petroleiro iraniano levada a cabo em Gibraltar – enclave em território espanhol sob administração inglesa que controla o estreito homónimo por onde circulará 1/3 do petróleo e do gás transaccionado no Mundo – que levou o ex-primeiro-ministro sueco e co-presidente do Conselho Europeu de Relações Exteriores, Carl Bildt, a salientar as ambiguidades da acção britânica em Gibraltar, quando, por norma e ao contrário dos EUA, a UE não impõe sanções a países não membros.

Do que até aqui falámos sobre o BREXIT pouco ou nada tem a ver com a intenção anunciada pelos seus apoiantes de recuperar o controlo nacional dos seus destinos, antes tudo aponta para uma crescente aproximação aos interesses norte-americanos e estes, que não são conhecidos pelo seu profundo carácter humanitário, deixam antever todo o tipo de pressões para uma ainda maior abertura às suas exportações, a par com um novo assalto aos activos ainda em mãos britânicas, pois, como o comprova este relatório do Tesouro britânico, culminando décadas em que se foi desbaratando o produto acumulado ao longo do seu período imperial a economia inglesa realizou entre 1980 e 1996 o correspondente a 40% das privatizações de países da OCDE.

Com a certeza do BREXIT o que reservará o futuro ao povo do Reino Unido?

Para já, com a implementação da proposta de suspensão do parlamento britânico, um futuro sombriamente pouco democrático e em seguida um país com reduzido poder negocial com uma administração Trump que não mostrará hesitações em transformá-lo num enorme offshore para os multibilionários americanos, sauditas e chineses. Com uma situação política que se aproxima perigosamente de uma deriva autoritário parecem ainda mais reduzidas as hipóteses de uma mobilização nacional pela protecção dos seus serviços públicos, dos direitos dos seus trabalhadores e do seu ecossistema contra os principais saqueadores do planeta e contra um qualquer acordo comercial entre o Reino Unido e os EUA semelhante ao famigerado acordo comercial UE-EUA conhecido como TTIP, contestado pela pressão popular e que a recente guerra económica decretada por Donald Trump deverá ter enterrado.


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