Em tempos de crescimento das tendências populistas e com a recente eleição de Jair Messias Bolsonaro como presidente do Brasil tem sido notória a propensão para associar a situação no Brasil com a que ocorreu em 1973 com o Chile, quando Augusto Pinochet derrubou o governo de Salvador Allende.
Em tempos de crescimento das tendências populistas e desde a recente eleição de Jair Messias Bolsonaro como presidente do Brasil tem sido notória a propensão para associar a situação no Brasil com a que ocorreu em 1973 com o Chile, quando um golpe militar dirigido pelo general Augusto Pinochet derrubou o governo do socialista Salvador Allende, numa época em que também vigoravam outros regimes militares por toda a América Latina.
Sustentados pelo clima da Guerra Fria e na óptica de combate ao comunismo; esta situação começaria a desintegrar-se na década seguinte face ao evidente insucesso das suas políticas económicas, incapazes de assegurar o crescimento e o controlo da inflação e apenas geradoras de níveis crescentes de contestação.
As verdadeiras semelhanças entre o Chile de Pinochet e o Brasil de Bolsonaro estarão mais ao nível das políticas económicas que da orientação política (o populismo não pode ser automaticamente associado à sua forma mais extrema: o fascismo, mas deve ser encarado como fortemente potenciador). Em ambos os casos a linha comum encontra a sua origem a vários milhares de quilómetros de distância, na cidade norte-americana de Chicago e na escola económica a que Milton Friedman (Nobel da Economia em 1976) deu origem.
Tal como no Chile de Pinochet pontificaram os denominados Chicago Boys, que monopolizaram as pastas económicas ao longo de todo o período da ditadura, também agora no Brasil surge a figura do super-ministro da área económica, Paulo Guedes, concentrando as antigas pastas pastas da Fazenda, do Planeamento, do Desenvolvimento e do Comércio Exterior.
Recorde-seque os denominados Chicago Boys eram um grupo de economistas formados na Pontifícia Universidade Católica do Chile e pós-graduados na Universidade de Chicago, aos quais foi atribuída a transformação do Chile na economia latino-americana com melhor desempenho; os seus críticos, entre os quais se conta Amartya Sen – galardoado com o Prémio Nobel em 1998 – apontam-lhes a responsabilidade das políticas preconizadas para o combate à inflação no grande aumento do desemprego ou o benefício intencional das grandes empresas norte-americanas em detrimento das populações locais.
Lembre-se que ainda hoje os indefectíveis apoiantes das políticas monetaristas – agora mais conhecidos como neoliberais ou ordoliberais – continuam a acreditar que sem a sua intervenção a economia chilena teria caminhado para o colapso e que a eles se deve a situação relativamente saudável que ela veio a atravessar; é certo que com tão radicais medidas a economia chilena conheceu anos de grande crescimento, mas isso foi fundamentalmente alcançado à custa da redução dos salários e do nível de vida da esmagadora maioria da população chilena, que no final do consulado militar (Março de 1990) apresentava um quarto da população a viver abaixo do limiar de pobreza e, pasme-se, uma dívida externa várias vezes superior à de 1973.
Outra tese, defendida por Peter Kornbluh no seu livro «The Pinochet File: A Declassified Dossier on Atrocity and Accountability» (The New Press, 2003), assegura que a verdadeira causa para o crescimento económico registado poderá ter sido a importante ajuda dada pela interrupção da acção norte-americana de desestabilização da economia chilena após a entrada em cena dos Chicago Boys.
O referido Paulo Guedes, também ele originário da Escola de Chicago, já anunciou a intenção de mudar o modelo económico social-democrata para reactivara economia do país através de um programa acelerado de privatizações e controlo dos gastos públicos, segundo uma fórmula que parece claramente decalcada do chamado Consenso de Washington, que é, nem mais nem menos que a política oficial do Fundo Monetário Internacional (FMI) desde finais da década de 1980, quando foi formulada por economistas do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA, segundo um texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy. Em linhas gerais o Consenso de Washington consiste num conjunto de medidas composto por dez regras básicas:
- Disciplina fiscal;
- Redução dos gastos públicos;
- Reforma tributária;
- Livre formação das Taxas de Juro;
- Livre formação das Taxas de Câmbios;
- Abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras);
- Eliminação de restrições ao Investimento estrangeiro directo;
- Privatização das empresas públicas;
- Desregulamentação (suavização da legislação económica e da regulamentação do trabalho);
- Direito à propriedade intelectual, que os técnicos do FMI transformaram no “receituário” para promover o “ajustamento macroeconómico” dos países em desenvolvimento sujeitos ao auxílio daquele Fundo.
O que ressalta da actuação dos modernos neoliberais ou dos “antigos” monetaristas é que as suas soluções para o crescimento económico sempre se têm caracterizado por resultados idênticos: crescimento das desigualdades sociais e concentração da riqueza num número cada vez menor de mega-ricos.
A implantação com sucesso de regimes sociais democratas e a sua constante deriva na tentativa de agradar aos interesses económicos (sua grande fonte de financiamento) traduziu-se numa constante suavização dos seus objectivos económico-sociais de melhor e mais equitativa distribuição da riqueza. Esta tendência a par com a transnacionalização do capital e uma quase completa liberalização na sua circulação planetária facilitaram a expansão dos conceitos monetaristas e a sua visão do funcionamento duma economia que de liberal passa rapidamente a disfuncional tal a concentração de riqueza e poder. Vimos isso na América Latina quando ela foi sujeita a um conjunto de regimes militares, que os diferentes matizes políticos e as maiores ou menores tendências fascizantes não impediram a aplicação consensual dos conceitos reformistas altamente favoráveis ao factor capital e à desregulamentação dos mercados que levaram à sua queda.
Mas esses ensinamentos foram rapidamente esquecidos e os ventos que hoje sopram, insuflados pelos efeitos da crise sistémica iniciada em 2007/2008 e por bem conduzidas campanhas de instilação do medo a tudo o que seja diferente, estão a catapultar para o Poder figuras técnica e politicamente impreparadas mas globalmente ainda mais favoráveis à agudização das desigualdades, parecendo cada vez mais claro que os movimentos populistas – de maior ou menor pendor nacionalista e liderados por egocêntricas figuras que se autoproclamam de messiânicas –, se afiguram hoje, na linha da bem conhecida e denunciada estratégia de «Choque e Pavor» (a que me referi neste artigo homónimo), como a via escolhida para aplicar o receituário económico neoliberal e aprofundar o processo de concentração da riqueza.