Sabia de cor todas as letras da música que a banda iria tocar, pois a cada ensaio ela lá estava assinando com aquele jeito que ela chamava de nosso jeito.
No seu canto, o noivo, de mãos trémulas e voz firme, apertava firme o auscultador do telefone e respondia: Faça tudo do teu jeito, meu bem, eu confio em você. Olhava firme para o horizonte e pensava nos piratas dos setes mares, queria fugir mas nunca faria algo tão monstruoso àquela pobre e doce mulher…
Olhava para os seus pais; via-os vestidos de armadilhas medievais com laminadas espadas embainhadas, rostos carrancudos, repetiam aquele sermão que ele ouvia desde a mais tenra idade: isso vai-te passar, é apenas uma má influência, imagina tudo o que passámos para criar um filho varão… tu és o herdeiro do trono e tens de te casar!
– Mas paiiii…
– Nem mas, nem meio mas…! Vamos, que quem espera a noiva é o noivo e não o contrário…
Sorriu em seco, encheu os pulmões de ar e disse: Que seja.
A igreja estava abarrotada de convidados; ele nem notará. Cobriu seu rosto com um “véu de aço”, percorreu o corredor da igreja com passos lentos e hesitantes como quem percorre o corredor da morte, seus olhos inundados de lágrimas brilhavam num contraste entre a alegria e o desespero .
A noiva esperava-o no altar… pegou na sua mão e disse sim, a ela, com toda a convicção, já não tinha volta. Daí para a frente tinha de ser homem, lutando contra a natureza – na lua-de-mel não houve queixas – mas sofria ao ver passar tantos deuses musculados e bronzeados…
Durante os anos de casados procurou ocupar a sua mente com tudo o que podia, anestesiava a sua alma com noites infindáveis de escritas e transformava os seus anseios em rios de tintas que inundavam páginas e mais páginas de versos e prosas. Às vezes cantava alto para abafar o chamado da natureza.
Depois de algum tempo nasceu a primeira filha. Pronto, já não tinha nada a provar para o mundo; era um homem de verdade… mas por aquele sorriso lindo tinha de continuar a ser um homem. E continuou! Vinte anos depois uma netinha…e a voz da natureza gritou tão forte que já não conseguia dormir.
Rasgou o seu véu de aço e disse que agora queria viver, não se importava mais com o preconceito e fazia questão que todo o mundo soubesse que ele era diferente, pela sua própria boca.
Tirou o véu, vestiu-se de roupas mais alegres, aquelas que ele sempre invejou nas montras e no guarda-fato da esposa, dançou o carnaval de pés descalços, beijou a boca de um semelhante e sorriu aliviado por finalmente ser ele.
A autora escreve em PT Angola