Uma manhã que se veste de silêncio onde caminhos se abrem, sorri devagar a vanguarda olhando de soslaio o caminhar desejoso de caminhantes em busca de vida e tempo.
Todas as manhãs são rompidas do afago doce de uma noite bem-vinda, ida dos solavancos trémulos e sinuosos de um dia corrido entre afazeres e deveres, entre o descanso guerreiro e o artista sentado na bermuda dos lenços içados à vitória do corpo.
Olho os arranha-céus espalhados bem perto do mar num descanso de heróis mutantes, o brilho dos silêncios na azáfama crescente de olhos virados de frente acompanhando o tempo, o esquiço da verdade, da vontade, do querer, da partilha entre vida e vivência, da melancolia absorvida por entre os restos criados bem dentro de nós para vencermos o dilúvio e a vontade inócua de parar entre duas avenidas e com um sorriso descalço.
Os parentes à nossa volta celebramos a vida, o tempo cresce a cada instante e felizes espalhamos alegria numa sala enorme onde todos, para que sigamos entre canções e arte a melodia da existência.
Crescemos todos os dias e em cada um deles o sentimento de vitória alcançado sem sombras nem arrepios, sorve-se o calor e bebe-se vida, encanta-se a alegria que nos pertence ao longo de uma vida longa beijando cada azulejo das paredes da nossa felicidade.
Por isso tudo me encantam os pássaros e as nuvens caminhantes por esse céu aberto à liberdade dos passos, encantam-me as gentes, o dia, refego a noite numa ambivalência entre corpos encontrados por todas as esquinas da cidade. Hoje tudo me parece mais colorido, até as calçadas sorriem, os ventos circundam com auréolas de diamante à volta das vontades, a gente sabe como encantar o momento e é nele que buscamos a verdade individual da vida, a vida sorvida assim traz mais calor nesta cidade onde o quente se explana a cada momento, sorrindo, um grito amigo e um abraço longo espalhado por cada minuto de vida sorvido num esplendor de verdade encantando tudo. O observatório do tempo à janela descreve em cada folha de papel a nossa vontade.
O espaço entre as cores verte um silêncio de gotas pingadas do céu, sim, uma esmerada vontade de sucumbir como se de sonhos se tratasse, observando sim, mas até quando?
O meu corpo é volúpia de presentes como estátua paradisíaca esfregando-se nos sons de Brel, escutando-o entendo-me melhor como se necessário ler o meu futuro num horóscopo inventado para me recriar em cada estrofe do zodíaco e eu ali, especado estátua de quantos olimpos frios e ao relento, sim, que me importa renascer a cada leitura dessa esfera tricolor de matérias copiadas de mares que navegam solitários um destino nunca certo?
do livro Reflexões Profundas,
Vítor Burity da Silva
Crónicas