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Domingo, Dezembro 22, 2024

Olavo Bilac reeditado

Ao estrear em livro com as Poesias (1888), quando o Parnasianismo estava completamente definido no Brasil, Olavo Bilac (l865-1918) logo conheceu a glória literária.

Com pouco tempo, não havia quem não soubesse de cor os versos de “Ouvir Estrelas… título primitivo do soneto que, no livro, é o nº XIII da “Via-Láctea”:

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto …

Interessante é que ele seria paradoxalmente, em seu grupo, o que mais próximo chegou do rigor da corrente, com sua forma impecável, sem as aféreses e síncopes herdadas ao versejar romântico, e um dos que dela mais se afastaram, pelo sensualismo escaldante e pelo tom crepuscular de seus últimos versos.

Das Poesias, que tiveram uma edição aumentada em 1902, e às quais seria posteriormente incorporado o livro póstumo Tarde (19l9), já houve inúmeras edições até hoje, o que atesta a perenidade do prestígio do poeta junto ao público.

Olavo Bilac

Sua bibliografia conta ainda livros de crônicas, páginas de crítica, discursos e conferências, sem se falar nas várias obras feitas em colaboração com outros escritores.

Há muito se editam volumes com a obra completa ou selecionada de poetas brasileiros, mas somente neste ano de 1996 é que veio a lume, pela Editora Nova Aguilar, do Rio de Janeiro, a Obra Reunida de Olavo Bilac, com organização e introdução de Alexei Bueno. Compreende o volume, além das Poesias (naturalmente incluindo Tarde), as Poesias Infantis (1904) e os livros de prosa Crítica e Fantasia (1904), Conferências Literárias (1906, com edição aumentada em 1912), Ironia e Piedade (1916), de crônicas, e Últimas Conferências e Discursos (1924), de publicação póstuma.

Justificando a seleção, explica o organizador que eliminou as obras escritas em parceria, bem como as firmadas com pseudônimo. Mas, embora desprezando as obras “de caráter menos literário, geralmente comandadas por necessidades materiais”, incluiu, como vimos, as Poesias Infantis, que sabemos feitas por encomenda do editor Francisco Alves, e livro que o poeta não incorporou às Poesias.

Quanto aos textos refundidos pelo autor, pareceu-nos justo o procedimento do organizador, no que toca ao livro Crônicas e Novelas (1894): “o reaproveitamento de toda a primeira metade desse livro em Crítica e Fantasia, de 1904, sob o título “Em Minas”, bem como a não reedição das novelas que formavam a sua segunda metade, parece claramente indicar que só os textos republicados, exclusivamente, teriam mantido o interesse para o seu autor, motivo pelo qual nos sentimos desobrigados de reproduzir a totalidade da obra, uma vez expurgada e condensada em livro posterior pelo próprio poeta.”

Para darmos uma idéia do Bilac prosador, tomemos Ironia e Piedade e leiamos, na crônica “Os Boers”, de 1900, este trecho: 

Agredir um homem para lhe tomar o fruto das suas economias é uma ação negra que leva ao calabouço e ao patíbulo, mas agredir um povo para lhe arrebatar a fortuna, a liberdade e a honra, é uma ação gloriosa e bela, que se pratica com uma desfaçatez sem par.”

Isto é de uma contundente atualidade. O que não é para admirar, pois Bilac tinha momentos até de antecipações, como uma página de 1904, não recolhida em livro (mas citada por Brito Broca), em que dizia: “Talvez o jornal futuro (…) seja um jornal falado e ilustrado com projeções animatográficas”, o que era prever o advento da televisão.

Por sinal, o poeta, que foi talvez o único no Brasil a se solidarizar com o povo russo na tentativa de revolução de 1905 (fato ressaltado por Mário da Silva Brito), tinha, em 1904, uma idéia bem atual do que seja o mito. Na crônica “Guilherme Tell”, ainda de Ironia e Piedade, após comentar a descoberta, por historiadores, de que o herói da Suíça jamais existiu, passa a dizer, com base na viagem que fizera àquele país, que tudo ali evoca a saga do afrontador de Gessier. E conclui: “O fato é que, quando, na paisagem de uma região e no coração de um povo, se aprofunda, enraíza, aferra e vive uma lenda, transformada em religião, — essa lenda fica sendo uma luminosa, uma radiante, uma inapagável verdade. Que dizem os historiadores? — Que Guilherme Tell nunca existiu? Pois a Suíça e a Terra inteira afirmam que Guilherme Tell existiu — e existe.” Dando-se ao vocábulo empregado pelo poeta, lenda, o sentido de mito, e pondo de lado a complexidade que este último sugere, podemos aproximar esta afirmação de Bilac desta outra, de Fernando Pessoa, ao dizer, no poema “Ulisses”: 

“O mito é o nada que é tudo”.

Assim na visão (quase dizíamos antevisão) do poeta brasileiro, os suíços poderiam dizer, falando de Guilherme Tell, o que, ao aludir ao mitológico fundador de Lisboa (ou Ulissipona), disse Pessoa, no mesmo poema: 

“Sem existir nos bastou.”

Mas Bilac foi acima de tudo poeta, e embora alguns livros didáticos insistam em apresentá-lo apenas como autor da Profissão de Fé (“Não quero o Zeus Capitolino, / Hercúleo e belo, / Talhar no mármore divino / Com o camartelo”), talvez um de seus menos felizes poemas, pela intenção e pela realização, os que convivem com sua obra hão de sempre associar seu nome a alguns dos sonetos da “Via-Láctea”, onde se combinam o rigor clássico e a emoção romântica; ou “Inania Verba” (Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava. / O que a boca não diz, o que a mão não escreve?”): ou ainda “In Extremis”, “A Alvorada do Amor”, “Campo Santo”, “Tédio”, “Maldição”, “O Crepúsculo da Beleza” e tantos outros, que desmentem a fama de impassíveis dos parnasianos, isto, sem esquecer nem mesmo poemas de caráter descritivo, como “O Caçador de Esmeraldas”, que tem como seu ponto mais alto o delírio do bandeirante, com tanta justiça encarecido por Ivan Junqueira. Em Tarde., como já vários críticos apontaram, Bilac, no domínio pleno da arte do verso, tinge alguns poemas de notas simbolistas, mas com aliterações discretas; no soneto “As Estrelas”, além das repetições expressivas de fonemas, temos sinestesia:

E, enquanto, lentas, sobre a paz terrena,
Vos tresmalhais tremulamente a flux,
— Uma divina música serena
Desce rolando pela vossa luz:
Cuida-se ouvir, ovelhas de ouro! a avena
Do invisível pastor que vos conduz …

É curioso o modo como o organizador da Obra Reunida timbra em considerar poetas como Castro Alves e Cruz e Sousa superiores a Bilac, o que, independente de concordarmos ou discordarmos, não está absolutamente em causa. Aliás, para mostrar. o que chama de “ufanismo quase delirantemente ingênuo” do poeta, em contraste com os “retratos terríveis ou mesmo pré-expressionistas da mendicância, da miséria”, etc., presentes em poemas simbolistas, Bueno se serve de um dos textos das Poesias Infantis, livro que — repetimos — não figura nas Poesias, procedimento no mínimo estranho. Também estranho é o fato de ele falar, a certa altura, “no intercalamento de versos masculinos e femininos”, quando os poucos tratadistas que ainda usam essa terminologia falam de rimas masculinas (oxítonas) e femininas (paroxítonas), e não de versos. Não entendemos tampouco em que a metrificação de Bilac é “monótona” e a de Bocage, “monocórdia”

Louve-se, porém, a idéia do organizador de pôr, antes dos textos de Bilac, o que chamou de “Críticas e Depoimentos”, com páginas de João do Rio, Nestor Vítor, Mário de Andrade, Humberto de Campos, Agripino Grieco, Manuel Bandeira e Ivan Junqueira.

Pena é que na bibliografia selecionada figurem vários livros de cunho exclusivamente biográfico, e não sejam citados os Estudos de Literatura Brasileira, de José Veríssimo, a Pequena História da Literatura Brasileira, de Ronald de Carvalho, e os mais recentes De Anchieta a Euclides, de José Guilherme Merquior, a História da Inteligência Brasileira, de Wilson Martins e a História da Literatura Brasileira, de Massaud Moisés, livros onde há apreciações críticas dignas de nota, por mais que delas possamos discordar.

Ao longo dos tempos, tem sido o poeta louvado e atacado, mas Otto Maria Carpeaux observou que “são raras as críticas desfaroráveis nas quais não se assinalassem qualidades ao lado dos defeitos”. Assim, em nossos dias, se Wilson Martins vê em Bilac “a espontaneidade da inspiração e o extraordinário rigor técnico” para Massaud Moisés ele “gerou poemas estruturalmente corretos, mas frios”. Entretanto, ao falar dos aplausos que o poeta recebeu em vida e dos ataques que seriam desfechados pelos modernistas, o mesmo Massaud Moisés conclui: “um poeta menos denso ou brilhante não suscitaria tais aplausos ou iras apaixonadas”.


por Sânzio de Azevedo, Escritor e professor da Universidade Federal do Ceará  | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


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