A fatwa assinada, coordenada pelo culto de Dargah Aala Hazrat, na Índia, declara que organizações terroristas — entre elas o Estado Islâmico, a al-Qaeda e os talibã — não fazem parte do Islão.
Associada a esta iniciativa está uma petição que foi assinada por milhão e meio de fiéis daquele culto, cujo centro é a cidade de Bareilly, no norte da Índia.
Comecemos por explicar: no seu rigoroso livro, Al-Fatwa Baynal-Indibat Wat-Tasayyub, o eminente estudioso muçulmano, Sheikh Yusuf Al-Qaradawi, afirma: “no Léxico, a palavra Árabe fatwa significa dar uma resposta satisfatória em relação a certo assunto. Na linguagem técnica da Shari’ah, a palavra fatwa esclarece a aplicação da lei islâmica a uma resposta dada a uma questão ou conjunto de questões, normalmente relacionadas com um assunto Islâmico. Não faz nenhuma diferença se aquele que coloca a questão é uma pessoa ou um grupo de pessoas. ”
Ainda esclarecendo: Shari´ah ou charia é o corpo da lei religiosa islâmica. O termo significa “caminho para a fonte” ou “rota para a fonte ”, e é a estrutura legal dentro da qual os aspectos públicos e privados da vida do adepto do islamismo são regulados, para aqueles que vivem sob um sistema legal baseado na fiqh (os princípios islâmicos da jurisprudência) e para os muçulmanos que vivam fora do seu domínio.
Não é de estranhar esta atitude dos fiéis indianos – aliás partilhada por muitos fiéis do Islão no mundo inteiro. Para a entender, há que perceber, sem condenações ou considerandos, de que falamos quando falamos de Islão.
O que é o Islão?
Islam é uma palavra de origem árabe cujo significado é, tão somente, “resignação” ou “inteira submissão à vontade de Deus”. O termo muslim – que origina a nossa palavra muçulmano – tem igual sentido, ou seja, a ideia de resignação. Num sentido lato, muçulmano seria portanto o resignado, o crente, o submisso. Ou, de um modo directo: o crente.
Ora no campo igualmente amplo da fé, qualquer crente só o é pela aceitação da autoridade divina, aliás característica comum às religiões monoteístas. Não se entenda esta resignação como acrítica ou tolerante, pois a vontade divina nem sempre coincide com a humana e é na divergência que se cava o conflito. Acresce que ser tolerante não é um bem. Nem sempre se deve tolerar o que nos limita, oprime ou reprime, e grandes figuras da história religiosa – basta pensar em Maomé ou em Jesus – estiveram longe de ser tolerantes.
Nada, todavia, justifica a violência – que também é comum, aliás, a todos os monoteísmos e está bem patente na sua história.
A teologia muçulmana tem pontos de aproximação com o judaísmo e o cristianismo, pelo que todas as grandes religiões se influenciam mutuamente, pontos quase decalcados, e emanam juízos morais sobre paz e insubmissão muito semelhantes. Para quem desconhece o Islamismo, hoje sob o grande foco noticioso por todas as razões, convém dizer que o Profeta Maomé, segundo algumas visões, demonstra uma admiração pela moral dos cristãos.
Os cristãos, por seu turno e em muitas épocas históricas, reconhecem a doçura e sapiência dos ensinamentos do Profeta – e isso permitiu uma coabitação pacífica, próxima da perfeição, em muitos locais do mundo – Portugal não foi excepção.
As religiões têm esse condão: são o oposto daquilo que se lhes opõe quando a política faz uso delas.
Judeus e cristãos apareciam aos olhos muçulmanos como detentores de uma revelação, a posse das Escrituras, ou seja, a revelação de Deus. Não é de estranhar que, deste modo, surjam no Corão como os “Adeptos do Livro” (sendo vulgar a referência às Religiões do Livro, designando os seguidores das Escrituras). Nos primeiros tempos, as tribos viam nos judeus e nos cristãos os portadores dos documentos mais importantes.
Esse fascínio tinha protagonistas: Adão, Abraão, Noé, Moisés, João Baptista, Jesus, os escolhidos de Deus, que são heróis, isto é, os eleitos na luta do bem contra o mal. Os islamismo respeita esta heroicidade, estes protagonistas e o Corão aponta a necessidade desta luta. E mais, destaca a importância do juízo final, que mais não significa do que a prestação de contas perante o ser superior. Para obter as graças desse ser superior, há que apostar na purificação através dos actos.
Os teólogos do Islão sabem isso, e apontam o terrorismo como incompatível com estas ideias.
O próprio Corão significa a leitura, mas da anunciação da verdade, onde os melhores princípios estão enunciados. São 114 divisões ou suras (capítulos), subdivididos em versículos. Cada sura convida a seguir determinadas normas morais ou a aplicar determinadas leis ou a crer em determinadas verdades ou a tirar conclusões dos factos históricos que lhes são contados.
Os pilares da pregação são a profissão de fé, a oração, a esmola, os jejuns e a peregrinação a Meca. A piedade como prática religiosa é amplamente valorizada. Esses elementos mostram o caráter pragmático dessa revelação, que procurou, por um lado, consolidar a unidade da região onde nasceu e, de outro, enfrentar as dificuldades quotidianas através da ajuda ao próximo. A expansão foi extraordinária como sabemos e hoje um quinto da população mundial faz parte do Islão.
Há que voltar a este tema e sobretudo aprender com ele.