Que pensam sobre a força – as armas da Europa – os deputados europeus que acabaram de tomar posse em Estrasburgo?Em o “Príncipe”, Maquiavel escreveu que é impossível existirem boas leis se antes destas não existirem boas armas.
Luís XIV, o rei Sol, mandou inscrever na boca dos seus canhões a frase latina: Ultima Ratio Regum – o último argumento dos reis.
Mao Tse Tung, o chefe da revolução que está na origem da China potência mundial de hoje, proclamou que o poder está na ponta da espingarda.
Que pensam sobre a força – as armas da Europa – os deputados europeus que acabaram de tomar posse em Estrasburgo?
Estes deputados vão representar os cidadãos da União Europeia num jogo de forças mundial. Vão negociar tratados de comércio, valores de moedas, acessos a mercados de matérias-primas e de produtos manufacturados, vão lutar por recursos essenciais, mas escassos, por direitos de tráfego de pessoas e bens. Pensam estes deputados participar nesta guerra e nas suas batalhas de mãos nuas e sorrisos cândidos?
Algum deputado aqui em Portugal ou em qualquer estado europeu, falou destes assuntos? Ouvi-os e li-os em várias línguas a exigirem “fundos”. Os cidadãos europeus estão, pelo que parece, embevecidos com a conversa da treta e da teta.
Onde está a força – as tais boas armas de que falava Maquiavel – para a União Europeia impor as boas leis, as boas políticas, para defender os interesses dos europeus no mundo? – Algum dos deputados que hoje debutam em Estrasburgo é capaz de explicar aos seus eleitores?
Ter boas armas para um Estado se afirmar autonomamente no xadrez da política internacional implica hoje o domínio de três vectores. Muito resumidamente e em linguagem simples: um sistema de informações (tecnologias da informação – recolha, tratamento e armazenamento de dados) próprio, um sistema aeroespacial com satélites de várias configurações para comunicações, leitura da superfície terrestre, luta entre satélites e, por fim um sistema de armas nucleares, de destruição massiva ou contra alvos precisos, que possibilite o seu lançamento a partir de plataformas terrestres, aéreas, marítimas e espaciais.
Algum deputado europeu referiu o assunto do armamento, das “boas armas” para a União Europeia ter um papel nos conflitos do mundo?
Ninguém gosta das popularmente designadas de “bombas atómicas”, mas elas existem, já foram utilizadas e não podem ser “desinventadas”. Temos de viver (se conseguirmos) com elas.
A tensão causada pelo programa nuclear do Irão e os salamaleques que o presidente da Coreia do Norte tem merecido das superpotências reinantes, por parte dos dirigentes dos EUA, da Rússia e da China provam que só a posse da “bomba atómica” e da capacidade tecnológica de a usar garante a sobrevivência desses estados e dos seus dirigentes.
Os chefes religiosos do Irão e o chefe da Coreia do Norte, com as respectivas cortes, aprenderam a lição de Saddam Hussein e de Khadafi: estes dois não tinham as tais armas de destruição massiva de que eram acusados e tramaram-se por isso, um enforcado e o outro empalado.
Para os ayatolah de Teerão e para Kim Jong-un em Pyongyang as “bombas atómicas” são o mesmo que o colete de explosivos dos bombistas suicidas: com elas ninguém se atreve a atacá-los. São o seu seguro de vida. Mas são também um bilhete para as grandes récitas mundiais. Equipados com “bombas atómicas” eles podem dar-se ao luxo de só negociar com quem possua armas nucleares!
Goste-se ou não, quem não possui armas nucleares e a tecnologia para ameaçar credivelmente com a sua utilização é e será um Estado dependente de um outro que as possua. Será um Estado suserano, que subsiste em condições de aparente autonomia, mas rende vassalagem ou paga tributo a um estado soberano.
Algum deputado europeu falou desta condição de menoridade da União Europeia e a defendeu, ou se propôs alterar a situação?
A União Europeia não dispõe de um sistema autónomo de gestão de dados, não dispõe de um sistema aeroespacial autónomo e não dispõe de armas nucleares credíveis (a force de frappe francesa são dinky toys para satisfazer o ego nacional e as armas nucleares inglesas fazem parte da panóplia americana).
Algum deputado europeu abordou o assunto de a União Europeia vir a ser em ponto grande aquilo que a Cuba de Fulgêncio Batista foi para os Estados Unidos em ponto pequeno? Um bordel, uma estância para tráficos dos grandes gângsteres, um espaço sujeito à lei do mais forte?
A questão central da União Europeia é a de saber se esta quer ser um grande espaço político no mundo, sentar-se à mesma mesa com os Estados Unidos, a Rússia, a China, porventura a Índia, ou se quer sentar-se na mesa dos serviçais, dos dependentes de hálito pestífero, como o Brasil de Bolsonaro, as Filipinas de Duterte, Israel (que possui cerca de 100 ogivas nucleares) de Netanyahu, a Arábia Saudita do esquartejador, a Ucrânia sabe-se lá de quem…
A questão da União Europeia é ser um dos grandes no mundo, ou ser um dos subordinados, um protectorado. Qual a opção dos deputados europeus? O que faz um ministro dos negócios estrangeiros da UE (agora um espanhol) sem força para negociar, sem força para escolher aliados, sem força para recusar ultimatos e dicktats de potências imperiais? Fala baixinho, mexe-se sem causar perturbações, mete o rabo entre as pernas. Será o papel do senhor Borrell, que substituiu a senhora Mogherini no cargo com o pomposo título de Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança! Equipado com uma fisga de ir aos pardais. Se o PAN deixar.
Ser um dos grandes actores da política mundial – e a União Europeia deve (devia) ter essa ambição – implica possuir armas nucleares e todos os sistemas associados para as produzir e lançar. É desagradável? Mas é mais perigoso para a defesa dos princípios da liberdade e do bem-estar que usufruímos na Europa, apesar das limitações, estar à mercê de quem nos cobra o imposto para nos garantir a segurança, como fazem as organizações mafiosas aos comerciantes indefesos.
A independência da União Europeia neste mundo dividido em coutadas implica ter a coragem de se afirmar tão disposto a utilizar a força quanto os seus parceiros e concorrentes se afirmam.
Algum deputado referiu o assunto?
O que se tem visto da parte dos dirigentes europeus é a barganha por lugares ditos de topo para os seus homens e mulheres de mão. Uma luta ridícula e suicida pelos melhores camarotes de um desarmado navio de comércio enquanto os barcos de piratas rondam com os canhões apontados!
A história de Portugal, mas também a da Inglaterra e a da Holanda revelam que antes do comerciante vai o soldado, o navio, o canhão. Que não há comércio sem uma armada, nem povos livres sem uma arma de dissuasão, ou de imposição de vontade. Na Europa é uma lição com meio milénio, pelo menos. A “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto, é um compêndio de como foram os canhões dos navios de Afonso de Albuquerque que garantiram à Europa e a Portugal o comércio das especiarias do Oriente. O que fizemos com a riqueza obtida é outra história.
Nenhum deputado europeu referiu a questão central da força da Europa no mundo armado em que vivemos. Temos um parlamento europeu de anjos e arcanjos, de querubins e querubinas (é um assunto importante, de género) que lutam por um pequeno altar para fazer uns negócios.
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