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Terça-feira, Julho 16, 2024

Operação Djibouti

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Da Etiópia a Israel

Israel marcou o 70º aniversário da criação do Mossad na semana passada. A agência de serviços secretos, cujo nome significa INSTITUTO é conhecida como uma das agências de inteligência estrangeiras mais poderosas e bem treinadas do mundo. Criada em 1948 por inspiração do então primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion.

Nos anos 80 e 1990, Israel organizou várias operações em larga escala para ir buscar mais de 23.000 judeus da Etiópia, país atormentado pela fome, agitação civil e conflitos subsequentes à Guerra Fria. No entanto, em meados de 1986, uma dessas missões secretas transformou-se em desastre.

A Operação Djibouti‘, foi congeminada, desenhada e operacionalizada no mais completo segredo.

 Realidade hoje, em Gondar, Etiópia:

Ainda hoje cerca de 4.000 judeus vivem em Gondar, na Etiópia, perto da sinagoga e do consulado de Israel. Muitos vieram de áreas rurais e optaram por se instalar na comunidade, enquanto esperavam para chegar à Terra Prometida. A maioria tem pelo menos um parente em Israel. “Alguns de nós estão aqui em Gondar há mais de 25 anos”, explica o jovem líder religioso Ashenafi Asefa que falou recentemente com jornalistas da DW.”Alguns de nossos parentes estão em Israel com suas famílias. Nós somos os que ficaram para trás na nossa jornada a Israel”. Vivem em condições difíceis em Gondar. As probabilidades de partirem para um novo lar são comprometidas por fatores religiosos e políticos.

Mesmo assim para se prepararem para uma possível ida destes judeus da diáspora para Israel, muitas famílias enviam seus filhos para uma escola onde podem aprender hebraico e outros elementos culturais e históricos importantes para suas futuras vidas no exterior. A escola, atrás de um portão azul claro decorado com uma estrela de David, é administrada por uma organização não governamental.

Mas voltando a mais de quarenta anos atrás, à clandestina operação DJIBUTI , iniciada em agosto de 1986: um agente do Mossad entrou clandestinamente em Gondar, na Etiópia, onde residia uma grande população de judeus etíopes, oferecendo assistência para ajudar a levar jovens judeus para fora do país para Israel.

Já anteriormente com a ‘Operação Moisés‘, entre 1984 e 1985, judeus etíopes foram de avião para o Sudão, e tencionavam prosseguir para Israel. Governos árabes descobriram e pressionaram o governo sudanês a pará-lo. É referido que 8.000 judeus etíopes tenham chegado a Israel na Operação Moisés, embora se pense que outros 4.000 tenham morrido ao longo do caminho.

A operação Djibouti, iniciada um ano depois, foi muito mais modesta em escala, com um agente do Mossad chamado ‘Z’ conseguindo reunir um grupo de apenas 27 pessoas, das quais 23 acabariam chegando a Israel. O plano era que o grupo se infiltrasse no Djibuti, de onde seriam transportados para a França e depois para Israel.

No entanto, a operação rapidamente se transformou em um desastre e, como explica o colaborador do Haaretz, (um jornal israelita fundado em 1918), o jornalista Roni Singer: “as provações  que os emigrantes sofreram ao longo do caminho – violência brutal, abuso sexual, em alguns casos abandono na prisão – deixaram estes assustados até hoje.”

Estas revelações muito recentes são transmitidas pelo jornalista israelita agora em dezembro de 2019.

Yeshiwork Dawit, uma menina de 13 anos na época, estava entre as pessoas abordadas pelo agente ‘Z’. “Foi-me explicado que a rota deveria ser fácil e duraria quatro dias”, disse ela, falando com Singer. De fato, a caminhada acabou durando meses, com os possíveis imigrantes enfrentando falta de alimentos, doenças,encontros com animais perigosos e ladrões na estrada. Quando eles finalmente chegaram ao Djibuti, Dawit foi violada pelo responsável pelo grupo.

Mamo Biro, outro judeu etíope convencido a fazer a viagem, lembra-se de um incidente sombrio, no qual os guias contratados pela Mossad atacaram uma família não-judia de pai, mãe e menina que tentavam juntar-se a eles. O pai foi espancado, a mãe e a menina, de 12 anos, foram violadas. Nunca esqueci isso, disse Biro. “Eu não sei o que lhes aconteceu. Pode ser que no fim tenham morto a família.

Ao todo, 23 possíveis imigrantes acabaram por chegar a Djibuti, onde a Mossad alugara uma casa. Depois de passarem várias semanas à espera para serem resgatados eles foram apanhados pela polícia local e enviados para a prisão, acusados pelas autoridades locais de planearem um golpe. Durante a detenção, os membros do grupo foram interrogados, espancados e torturados e depois deportados de volta para a Etiópia, onde passaram mais dez meses de violência, chicotadas, abuso sexual e tortura.

Finalmente, depois de libertados, pelo mesmo agente que os havia enganado em Djibuti, o grupo foi reunido e enviado a Israel através dos remanescentes da rede sudanesa formada durante a Operação Moisés.

Dawit, a menina então de treze anos separou-se do grupo em Djibuti, passou mais de 15 meses na prisão sem acusações. “Aos meus filhos, à minha mãe nunca contei o que passei lá na cadeia”, disse ela ao Haaretz, dizendo que, além dos espancamentos, os guardas da prisão a transformaram em uma “escrava sexual”. Depois de ser libertada, ela foi forçada a viver nas ruas, encontrando temporariamente um emprego como empregada doméstica, apenas para enfrentar novos abusos. No verão de 1987, depois de enviar uma carta para sua família confirmando que ela estava viva, a Mossad ajudou-a a chegar a Paris e de lá para Israel. Dawit disse que não contou aos agentes do Mossad em Israel sobre os abusos que sofrera dizendo que quer esquecer tudo e que ainda sente “vergonha e culpa”.

Ahron Scherf e Shabtai Shavit, ambos veteranos da Mossad acreditam que a Operação Djibouti falhou por causa de um planeamento desorganizado.

Nahum Admoni, diretor geral do Mossad na época da operação, disse ao Haaretz que “não se lembra de nada”.

Os imigrantes sobreviventes que participaram da Operação Djibouti meteram ações judiciais, pedindo ao Estado que reconheça seu sofrimento, compensá-los e reconhecê-los como vítimas da Mossad.

Mas Shavit diz que não há lugar para suas reivindicações. “Se o Mossad tivesse que pagar multas por operações realizadas ao longo dos anos que fracassaram, o tesouro do estado entraria em colapso. Ninguém prometeu sucesso na época e nenhum acordo foi firmado ”, disse ele.

Decidi contar esta história verdadeira para celebrar o Natal que comemora o nascimento do Menino de Belém, terra de Judeus e de Palestinianos, onde não há PAZ há 71 anos.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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