Direito à reserva da vida privada ou tentativa de censura?
A providência cautelar que visa os órgãos de comunicação social do Grupo Cofina, divulgada esta semana, causou discussões em torno da liberdade de imprensa e dos limites éticos na actividade jornalística. Os cidadãos investigados no âmbito da chamada “Operação Marquês” exigem que todos os jornais, revistas ou sites de internet do Grupo se abstenham de divulgar qualquer tipo de informação sobre o processo, visando em particular os jornalistas do jornal Correio da Manhã (um dos títulos do Grupo Cofina) que se constituíram assistentes do processo.
Mafalda Lobo Pereira, académica e investigadora na área dos media, falou com o Tornado acerca desta medida. Para a investigadora associada do Observatório Político, não parece existir indício de que tenha ocorrido um “abuso” da liberdade de informar, direito que os jornalistas têm e está consagrado na Constituição da República. “Agora, tudo o que é dito deve ser bem fundamentado com rigor e as referências às fontes devem ser claras para que não possa ser invocado o crime de violação do segredo de justiça”. Recordando que dois dos jornalistas se constituíram assistentes do processo, Mafalda Lobo Pereira acredita que “devem contribuir para a investigação do Ministério Público, sem recorrer à publicitação e muito menos adulterar (para o bem e para o mal) a informação que consta dos autos, de modo a não criar sensacionalismo à volta do caso, com o intuito de apenas ganharem audiências ou criarem especulações”.
Outro dado que se destaca é o facto dos requerentes da providência cautelar terem recorrido aos tribunais, ao invés de procurarem a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC). Sobre isto, a investigadora considera que “poderá estar relacionado com a urgência na proibição dos jornalistas do acesso à informação. Caso tivessem de recorrer à ERC poderia levar mais tempo até que fosse tomada uma decisão”, continuando: “o tribunal pode ter eventualmente considerado que a publicitação do caso poderia representar uma ameaça à normal condução da investigação. Contudo, parece-me preocupante o parecer do tribunal, pelo facto de limitar a liberdade de imprensa a todo o grupo económico, uma vez que, a haver alguma responsabilização por ter sido cometida uma infracção, ela não pode ser extensível a todo o trabalho jornalístico do grupo”. A socióloga admite que um caso mediático como este, que envolve o nome de um ex-primeiro-ministro,“gera um conflito nem sempre fácil de gerir”, no que respeita ao equilíbrio entre a reserva da vida privada e o direito à informação. “Cabe ao Ministério Público e aos Tribunais, quando estão perante casos mediáticos, que envolvam ex-governantes e outras figuras políticas, definirem essas fronteiras, dando, por exemplo, apenas acesso a informações que consideram mais relevantes e de interesse público, que se justifiquem serem divulgadas junto da opinião pública, reservando, deste modo, a integridade e privacidade de quem está a ser alvo de inquérito e/ou julgamento”, acrescenta a socióloga. Sobre se, neste caso em particular, os media visados pela medida do tribunal foram sensacionalistas, ultrapassando as fronteiras éticas e deontológicas, a investigadora acredita que, se tal ficar provado, as entidades competentes (ERC e Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas) “devem procurar agir”.
Mafalda Lobo Pereira afirma que, no contexto de uma confluência de interesses (liberdade de expressão dos jornalistas, direito de informar dentro dos limites do código deontológico e direito à informação por parte dos cidadãos), “a leitura poderá ser a de que existe uma tentativa de obstruir o acesso do Grupo Cofina – proprietário do Correio da Manhã, da CMTV e da revista Sábado, entre outros, de forma a proteger quem está a ser investigado de eventuais dissonâncias que se possam gerar, e que interfiram na percepção dos factos por parte da opinião pública”.