Um orçamento do SNS para 2023 insuficiente, que não permite pagar remunerações dignas aos médicos, e que promove o negócio privado de saúde pois obriga muitos profissionais de saúde a trabalharem para os grupos privados para completarem as baixas remunerações que auferem no SNS. O governo apoia desta forma o negócio privado de saúde e degrada o SNS com consequências dramáticas para os utentes e para os profissionais de saúde.
Neste estudo, utilizando dados oficiais, analiso a situação do SNS, e mostro que o orçamento que o governo aprovou para 2023 é insuficiente a nível de despesas com pessoal (aumento de apenas 2,3% entre 2022 e 2023) para compensar os profissionais de saúde da inflação prevista para 2023 (entre 5% e 6%), e muito menos para garantir remunerações dignas e uma carreira digna aos médicos do SNS. As baixas remunerações que auferem no SNS tem obrigado muitos deles a trabalharem também para os grandes grupos privados de saúde, que é uma forma como, objetivamente, os sucessivos governos e o atual, tem promovido o negócio privado de saúde com consequências dramáticas para os profissionais de saúde e para os utentes. E termino analisando a “solução milagrosa” de Montenegro/PSD para o SNS.
Estudo
Um orçamento do SNS para 2023 insuficiente, que não permite pagar remunerações dignas aos médicos, e que promove o negócio privado de saúde pois obriga muitos profissionais de saúde a trabalharem para os grupos privados para completarem as baixas remunerações que auferem no SNS. O governo apoia desta forma o negócio privado de saúde e degrada o SNS com consequências dramáticas para os utentes e para os profissionais de saúde
António Costa e Pizarro não se cansam de afirmar publicamente que o orçamento do SNS para 2023 teve um grande aumento quando comparado com o gasto em 2022, e que é suficiente para responder às necessidades atuais do SNS.
Afirma também que o crescimento do financiamento do SNS nunca foi tão elevado como entre 2016/2023, ou seja, com seus governos. Em vez de dar uma opinião que poderia ser interpretada como subjetiva, confrontemos as afirmações do 1º ministro e de Pizarro com os dados do orçamento do SNS elaborado e aprovado pelo governo.
O AUMENTO DAS DESPESAS COM PESSOAL DO SNS NO ORÇAMENTO APROVADO PELO GOVERNO PARA 2023 É APENAS SUPERIOR AO GASTO EM 2022 EM 2,3% QUANDO A PREVISÃO DA INFLAÇÃO ESTE ANO É MAIS DO DOBRO
Observem-se os dados constantes no quadro 1 que foram retirados de documentos oficiais do Ministério das Finanças.
Quadro 1 – Gasto com despesas de Pessoal do SNS em 2022 e o previsto no Orçamento gastar em 2023
Segundo o Ministério das Finanças, a despesa com pessoal do SNS será apenas superior em 2,3% ao gasto na mesma rúbrica em 2022, e a nível de remunerações o aumento previsto é somente de 3,1%. Aumentos muito inferiores à inflação prevista que se deve situar entre 5% e 6% (tenha-se presente que a inflação anual, segundo o próprio INE, era, em junho de 2023, 7,78%). O valor constante no Orçamento do SNS para 2023 nem dá para compensar os profissionais de saúde da inflação prevista para 2023 e, muito menos, para financiar remunerações e carreiras dignas. O governo sabia isso e apesar disso aprovou este orçamento do SNS para 2023 manifestamente insuficiente que agora terá de alterar. Esta é a verdade que o governo procura ocultar com declarações que não correspondem à verdade e com propostas de grelhas salariais confusas que determinam ou aumentos remuneratórios irrisórios e muito desiguais (apenas uma subida de um nível remuneratório, ou seja,, aumentos entre 2,8% e 9,9% para os assistentes graduados e, entre 3,4% e 7,9%, para os assistentes; para além disso dados fornecidos pelo Ministério da Saúde revelam que existem uma multiplicidade de escalões remuneratórios de médicos no SNS – 27 escalões nos assistentes graduados sénior, 37 nos assistentes graduados e 21 na categoria de assistentes – no lugar dos 11 níveis da Tabela remuneratória oficial) ou aumento do horário de trabalho (no regime de dedicação plena, aplicado nas novas USF-tipo B e nos CRI dos hospitais e por adesão individual, o horário de trabalho aumenta imediatamente em 5 horas, mas o aumento da remuneração base é faseada: subida de 2 níveis remuneratórios em 2023, de um nível em 2024 e mais um nível em 2025; e um suplemento remuneratório correspondente a 20% da remuneração base). O aumento do horário de trabalho associado a outras condições constantes da proposta do governo (18 horas no serviço de urgência a que acresce mais 6 horas semanais até 350 horas/ano, obrigatoriedade de deslocação num raio de 30 Km para fazer urgências metropolitanas, etc.) determinará, em muitos casos, diminuição da remuneração real e a abdicação de uma vida familiar a que os médicos têm também direito.
AS DECLARAÇÕES DE COSTA (irritado) AOS MEDIA, DE QUE O AUMENTO DO FINANCIAMENTO DO SNS DESDE 2016, OU SEJA, COM OS SEUS GOVERNOS, É MAIS ELEVADO DO QUE SE VERIFICOU NO PASSADO NÃO CORRESPONDEM À VERDADE
Para provar que a verdade é outra, observem-se os dados oficiais contantes do quadro seguinte.
Quadro 2 – Despesa corrente do SNS no período 2010/2023, em euros e em % do PIB, e a de 2023 apreços de 2010
Em 4/7/2023, António Costa respondendo a perguntas de jornalistas sobre a greve dos médicos afirmou, irritado, que o financiamento do SNS tinha aumentado em cerca de 50% com o seu governo, e que nunca fora tão elevado como em 2023. Costa “esqueceu-se” de deduzir a inflação. Se o fizesse teria concluído que o aumento do financiamento, em termo reais, entre 2010 e 2023, é só de 0,9%, praticamente nulo. Para além disso, em percentagem da riqueza criada no país (PIB), 2023 não é o ano, em que a percentagem foi mais elevada como mostra o quadro 1. Em % de despesas efetiva do Estado, entre 2022 e 2023, diminuiu de 16,39% para 15,99%. A realidade é diferente do que Costa conta.
DOS 753,4 MILHÕES € PREVISTOS NO ORÇAMENTO DO SNS DE 2023 PARA INVESTIMENTO, APENAS FORAM UTILIZADOS, ATÉ MAIO DE 2023, 66,7 MILHÕES € (8,9%). A DEGRADAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO DO SNS COM CONSEQUÊNCIAS DRAMÁTICAS PARA OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E PARA OS UTENTES
Como acontecia com Mário Centeno, que inscrevia em investimento uma verba elevada, para “inglês ver” e enganar a opinião pública que depois, através de cativações e atrasos sistemáticos na aprovação pelo Ministério da Finanças (são necessários despachos deste Ministério para utilizar as verbas constantes do orçamento), a maior parte não era utilizada. Mas era assim, que o “Ronaldo da redução do défice” como gostava de ser era conhecido em Bruxelas, atuava, embora agravando as condições de vida dos portugueses e causando o atraso do país. Medina segue o mesmo processo. Já se passou quase meio ano de 2023, e dos 753,4 milhões € inscritos no orçamento do SNS para investimento apenas foi utilizado 66,7 milhões € até mai.2023, o que é inaceitável. E isto apesar da degradação dos equipamentos e das instalações, em que os doentes são amontoados nos corredores dos hospitais por não haver camas, em que muitos equipamentos já ultrapassaram o limite de tempo de utilização, em que os profissionais não têm o mínimo de condições para trabalhar com eficiência, o que tem levado muitos a abandonar o SNS. E a Assembleia da República, que tem a obrigação fiscalizar a atividade do governo, pouco tem feito de concreto para alterar esta atuação habitual do governo e, nomeadamente, do ministro das Finanças, que está a destruir o SNS com consequências dramáticas.
O DISPARAR DA DIVIDA DO SNS A FORNECORES PRIVADOS MOSTRA QUE COSTA E PIZARRO NÃO FALAM VERDADE
O gráfico 1 confirma também que o orçamento do SNS para 2023 é insuficiente pois, mesmo o SNS funcionando da forma deficiente e sem meios que é conhecido a divida total a fornecedores privados não parou de aumentar.
Em dez.2022, a divida total do SNS a fornecedores privados era já enorme – 1618 milhões € – mas nos primeiros 5 meses de não parou de aumentar atingindo, em maio de 2023, 1949 milhões €, ou seja, mais 331 milhões € (+20,5%) do que em dez.2022. É praticamente impossível funcionar com eficiência e prestando serviços de qualidade à população.
Mas António Costa e Pizarro apesar do aumento enorme da divida continuam a afirmar que o orçamento do SNS para 2023 responde às necessidades do país, e fazem de conta que tudo está bem. É o habitual “faz de conta do governo”.
COSTA E MEDINA ESTRANGULAM FINANCEIRAMENTE O SNS, CAUSANDO A SUA DEGRADAÇÃO, E DEPOIS GABAM-SE DA “POLITICA DE CONTAS CERTAS ” E DOS ELEVADOS SALDOS ORÇAMENTAIS POSITIVOS QUE ASSIM CONSEGUEM OBTER
O SNS está a ser sufocado e estrangulado por falta de meios, de profissionais de saúde, de equipamentos, e de instalações (a construção do novo Hospital Lisboa Oriente e do Hospital do Seixal, há quantos anos se fala e se promete e quase nada foi executado , fazendo já lembrar a história rocambolesca do novo aeroporto de Lisboa, e o ministro prometeu um novo hospital do Oeste que se vai juntar à lista de promessas não cumpridas). Enquanto as carências do SNS atingiram um nível de gravidade que o governo já não consegue ocultar, a execução do Orçamento Estado de 2023 apresenta, pela primeira vez, um saldo positivo enorme. E isto numa altura em que famílias enfrentam uma grave crise e mesmo a pobreza e a fome. Os quadros 3 e 4 (dados do Ministério das Finanças), mostram os enormes aumentos de receitas.
Quadro 3 – Receitas e Despesas das Administrações Públicas (Central, Local, Regional) até maio de 2022 e maio de 2023
Só até maio de 2023, em 5 meses apenas, as Administrações Publicas (Central, Local e Regional) acumularam, segundo a Direção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças , pela 1ª vez, um elevado saldo positivo de 3740,7 milhões €. Isso foi conseguido nomeadamente por meio de um enorme aumento das receitas dos impostos como revela o quadro seguinte, com dados também divulgados pela Direção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças.
Quadro 4 – Receitas fiscais do Estado (apenas a Administração Central) de janeiro a maio de 2022 e 2023
Se se comparar a receita fiscal obtida pelo Estado (apenas Administração Central) em 2022 com a prevista no Orçamento do Estado de 2023, o aumento previsto em 2023 é de 1372,6 milhões €. No entanto, em apenas nos 5 primeiros meses de 2023, o aumento de receita obtido quando comparado com idêntico período de 2022 – +1520,7 milhões € – é superior ao aumento das receitas fiscais previstas para todo o ano de 2023 (1372,6 Milhões €). Os maiores aumentos verificam-se em receitas de impostos que atingem fundamentalmente os trabalhadores e pensionistas (no IRS, o aumento previsto durante todo o ano de 2023, quando comparado com 2022, era +436,1 milhões €, mas o Estado arrecadou até maio de 2023, quando comparado com de igual período de 2022, +749 milhões €; e no IVA: o aumento previsto no ano de 2023 era 515,6 milhões €, mas o aumento obtido até maio de 2023 foi +749 milhões €). Há dinheiro para tudo, mesmo para financiar a guerra como revelou recentemente o ministro Cravinho, mas não há dinheiro para assegurar remunerações dignas e uma carreira digna aos profissionais de saúde e, nomeadamente, aos médicos garantindo um SNS que responda efetivamente em quantidade e qualidade ao que os portugueses precisam em serviços de saúde.
A SOLUÇÃO DO PSD/MONTENEGRO PARA O SNS, É ENTREGAR UMA PARTE DO SNS AO SETOR PRIVADO DESVIANDO O FINANCIAMENTO DO SNS PARA OS GRANDES GRUPOS PRIVADOS DE SAÚDE, E MANTER AS BAIXAS REMUNERAÇÕES PAGAS AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARA OS OBRIGÁR A TRABALHAR PARA OS PRIVADOS QUE OBTÊM MÃO DE OBRA QUALIFICADA A BAIXOS CUSTOS
A “solução milagrosa” para as dificuldades que enfrenta o SNS de Montenegro/PSD, é a solução requentada de toda a direita, ou seja, entregar uma parte dos cuidados se saúde da população aos grandes privados de saúde e, para os pagar, utilizar as verbas do SNS que tem como fonte o Orçamento do Estado, ou seja, transformar a saúde num negócio.
Montenegro está certamente também interessado em que se mantenham as baixas remunerações pagas aos médicos para assim os obrigar a trabalhar para o setor privado a fim de completarem as baixas remunerações que auferem no SNS. É o meio visando fornecer trabalhadores altamente qualificados a baixos custos promovendo assim o negócio privado da saúde em Portugal à custa do SNS e dos subsistemas públicos de saúde, pois a degradação do SNS é fundamental para o crescimento dos grupos privados de saúde . Montenegro, por ignorância ou deliberadamente, fala da grande capacidade do setor privado, mas esquece-se que a esmagadora maioria dos médicos que trabalham nos grandes grupos privados de saúde (LUZ, CUF, LUSIADAS, TROFA e GPHA) são médicos do SNS e a maioria faz isso fundamentalmente para completar as baixas remunerações que recebem no SNS. Durante os 5 últimos anos que estive no conselho diretivo da ADSE visitei os grandes hospitais privados, e a primeira questão que colocava, era saber qual o número de médicos permanentes que pertenciam ao quadro de cada um deles e a % que não pertencia. E a conclusão a que se cheguei é que, em média, entre 80% e 90% eram médicos do SNS pagos por cada ato que realizavam (uma percentagem do preço pago pelo utente) muitas vezes com honorários esmagados. O setor privado da saúde em Portugal tem prosperado e desenvolvido também desta forma a custa do SNS. O governo ao pretender manter as baixas remunerações dos profissionais de saúde no SNS está, no fundo, a ajudar os grandes grupos privados de saúde a prosperarem no nosso país à custa da população que paga a saúde.