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Sábado, Novembro 2, 2024

Orçamento suplementar 2020… é também austeridade

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Um orçamento suplementar para 2020 que não promove o crescimento económico e o emprego nem reforça o Serviço Nacional de Saúde


Estudo

Um orçamento suplementar para 2020 que não promove o crescimento económico e o emprego nem reforça o Serviço Nacional de Saúde

Na intervenção que fez de apresentação do Orçamento do Estado suplementar de 2020 na Assembleia da República, o novo ministro das Finanças, João Leão, afirmou:

O “ pacote de medidas de estabilização económica e social, financiado pelo Orçamento suplementar é fundamental, para manter as empresas, os postos de trabalho e a coesão social. Apenas desta forma conseguiremos, mais uma vez com bases sólidas, e numa terceira fase, voltar a recuperar a nossa economia”.

Analisemos então se o Orçamento suplementar apresentado pelo governo promove a recuperação da economia e reforça o SNS para o caso do país enfrentar uma nova onda de “coronavírus” como alguns dizem que eventualmente poderá acontecer. Para isso, vamos utilizar um quadro que se encontra na pág. 8 do Relatório do governo anexo ao Orçamento suplementar com os dados do Orçamento do Estado antes do COVID 19 e depois do “coronavírus”.

 

Quadro 5. Conta Consolidada da Administração Central: Contabilidade pública (milhões de euros)

A Administração Central, que não inclui nem a Administração Local (autarquias) nem a Administração Regional (Açores e Madeira) é aquilo que normalmente se designa por Estado. A conta previsional de 2020 que se apresenta é em contabilidade pública, o que significa que regista os recebimentos e os pagamentos que o Estado prevê fazer em 2020, enquanto a contabilidade nacional faz a especialização por anos. A coluna “2019” tem os dados do orçamento de 2019 executado; a coluna “OE 2020” tem os dados do Orçamento do Estado de 2020 inicial, antes do COVID 19; e a coluna “OE após alteração” contém os dos do Orçamento de Estado suplementar 2020

As principais conclusões que se tiram e que põem em causa as afirmações do ministro das Finanças de que este orçamento suplementar responde às necessidades de “estabilização económica e social”  e de “recuperação da economia” do país são, em primeiro lugar, que a redução de receitas de 1.991,6 milhões € nos ”Impostos diretos” (IRC e IRS) se deve fundamentalmente à quebra do IRC pago pelas empresas (-1.638,4 milhões €), já que a redução no IRS pago principalmente pelos trabalhadores e reformados (92% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS são rendimentos do trabalho e pensões) é apenas de 386,2 milhões € (em 2020, as receitas de IRC deverão ser 4.813,4 milhões € , enquanto as de IRS atingem 13.199,4 milhões €, ou seja, 2,7 vezes mais) como consta da pág.6  do Relatório. Pode-se dizer com verdade que a austeridade fiscal para os trabalhadores continua apesar de uma quebra brutal nos rendimentos do trabalho. É esta a verdade que João Leão deliberadamente omitiu.

Em segundo lugar, importa dizer que o aumento da despesa (+ 4.869 milhões €) diz respeito fundamentalmente ao aumento de transferências para a Segurança Social para pagar o “lay-off” e outras medidas de apoio social (2.705 milhões €); e para o Instituto de Emprego e Formação Profissional que, por lei, terá de pagar o incentivo às empresas por reinicio de atividade (2 salários mínimos nacionais por trabalhador) com um custo que se estima em 1.106 milhões € já que o governo disse que 800.000 trabalhadores estiveram ou estão em “lay-off”  (800.000 X 2 SMN= 1.106.000.000€) e, finalmente, inclui um reforço da dotação orçamental para gastos imprevistos (300 milhões €).

Para reforçar o SNS com a contratação de mais profissionais, como prometeu o governo, o reforço em Despesas com pessoal em toda a Administração Central (Estado) é de menos de 200.000€ como revelam os dados do quadro (Despesas de Pessoal no Orçamento inicial: 17.676,8 milhões €; Despesas de Pessoal no Orçamento Suplementar 17.676,9 milhões €). Em contabilidade nacional, ou seja, o que executou no próprio ano, o aumento é de 51 milhões €. O mesmo sucede com investimento publico que sofre apenas um aumento de 131 milhões como revelam também os dados do quadro (passa de 3.919,8 milhões € no Orçamento inicial de 2020, para 4.050,8 milhões € no Orçamento suplementar). Em Contabilidade nacional sofre até uma diminuição de 45 milhões € pois passa de 2.671 milhões € para 2.626 milhões €.

Dizer, como afirma o governo, que este Orçamento suplementar é um orçamento de fortalecimento do SNS e de recuperação da economia, e que não é um orçamento de austeridade, é uma pura ilusão que não tem aderência à realidade.

E isto é mais grave quando, por um lado, se regista uma quebra brutal no investimento privado que assim não é compensado por investimento público (certamente está-se à espera do milagre dos milhões de euros de dádivas da U.E. que nunca mais chegam desaproveitando-se os milhões que o país já recebeu da U.E. porque as empresas dizem que não têm fundos para pagar a sua parte para os poder utilizar) e, por outro lado, verificou-se em anos anteriores que o atual ministro, então na função de Secretário de Estado do Orçamento, reduziu brutalmente o investimento público para reduzir o défice orçamental utilizando a sua arma preferida (cativações), e assim obter o excedente de 0,2% do PIB em 2019 de que tanto Centeno se vangloriava, mas causando uma profunda degradação dos equipamentos públicos (hospitais, escolas, transportes, etc.) como provam os dados do ponto seguinte.

 

Investimento publico insuficiente em 4 anos de Governos PS o que causou uma profunda degradação dos equipamentos públicos não compensado pelo investimento publico em 2020, e isto mesmo quando se verifica uma quebra brutal no investimento privado

O quadro 2, com dados do investimento público nos últimos 4 anos, mostra a gravidade da situação.

 

Quadro 2- A dimensão dos cortes no investimento público nos 4 anos de governo PS (Mário Centeno e João Leão)

ANO Designação da operação Administrações Públicas Total Milhões € Administração Central- Milhões € Administração Regional e Local Milhões € Fundos de Segurança Social Milhões €
2016 Formação Bruta de Capital Fixo 2 734 1 376 1 365 -6
2016 Consumo de capital fixo 5 266 3 083 2 140 42
2016 SALDO (FBCF – CCF nas Ad. Pub.) -2 532 -1 708 -776 -49
2017 Formação Bruta de Capital Fixo 3 563 1 648 1 896 20
2017 Consumo de capital fixo 5 340 3 110 2 189 41
2017 SALDO (FBCF – CCF nas Ad. Pub.) -1 776 -1 462 -293 -22
2018 Formação Bruta de Capital Fixo 3 795 1 954 1 772 69
2018 Consumo de capital fixo 5 340 3 011 2 286 43
2018 SALDO (FBCF – CCF nas Ad. Pub.) -1 545 -1 057 -514 26
2019 Formação Bruta de Capital Fixo 3 980 1 996 1 999 -16
2019 Consumo de capital fixo 5 619 3 190 2 385 45
2019 SALDO (FBCF – CCF nas Ad. Pub.) -1 639 -1 193 -386 -61
SOMA dos SALDOS (2016 A 2019) -7 493 -5 420 -1 968 -105
FONTE: Principais Agregados das Administrações Públicas – 2016- 2019 – INE

 

Os dados do quadro 2, divulgados pelo INE, mostram que em nenhum dos 4 anos de governos  PS (António Costa/Mário Centeno/João Leão), o investimento público foi suficiente para pelo menos compensar o “Consumo de Capital Fixo(corresponde às amortizações no setor privado), ou seja, para compensar o valor dos equipamentos públicos que se degradaram ou deixaram de se utilizar devido ao uso, tempo, ou obsolescência. A “Formação de Capital Fixo, ou seja, o investimento público, foi inferior ao “consumo de Capital Fixo”, em 2016 em -2532 milhões €; em 2017 em -1.776 milhões €; em 2018 em –1.545 milhões € e, em 2019, em –1.639 milhões €.

Em resumo, em 4 anos de António Costa/Mário Centeno/João Leão o novo investimento público total foi inferior ao “Consumo de Capital Fixo”, ou seja, ao que desapareceu devido ao uso, ao tempo e à obsolescência em 7.493 milhões €. O país ficou muito mais pobre em equipamentos públicos com António Costa/Mário Centeno/João Leão após a grande destruição levada a cabo pela “troika” e pelo governo do PSD/CDS.

E agora, em 2020, o governo PS revela que tenciona continuar no mesmo caminho apesar da grave crise económica e social que enfrenta o país, em que o investimento público é vital para recuperar a economia e o país e que o valor constante do orçamento suplementar é de apenas 4.050,8 milhões € sabendo que uma parcela dele será cativado ou não realizado como acontece todos os anos (em 2019, apenas 70% do previsto foi executado).

 

Mesmo na saúde, e quando há ameaça de uma nova onda de “coronavírus”, é a austeridade que impera apesar das declarações contrárias do Governo

O governo não se cansa de fazer declarações sobre o risco de uma nova onda, não uma vaga, de “COVID 19” , por ex. durante o próximo inverno. No entanto, apesar disso não investe na saúde como mostram os dados do quadro seguinte que foi retirado da pág. 13 do Relatório do governo que acompanha o Orçamento de Estado suplementar para 2020.

 

Quadro 7. Conta consolidada do Programa Saúde: Contabilidade pública (milhões de euros)

O “Programa de Saúde” inclui não só o SNS mas toas as outras despesas do Estado com saúde. O governo não se cansa de dizer que é sua intenção reforçar o SNS, mas os dados oficiais constantes deste quadro referente ao Orçamento suplementar que apresentou na Assembleia da República desmentem essa afirmação do governo. Comparando os valores que constavam do Orçamento Inicial de 2020 referente a este programa com os do Orçamento suplementar de 2020 conclui-se o seguinte.

As Despesas com pessoal, indispensáveis para contratar mais profissionais de saúde, aumentam, entre o Orçamento inicial e o Orçamento suplementar, apenas em 200.000€ (passam de 4.641 milhões € para 4.641,2 milhões €); e o Investimento publico na saúde (hospitais, centros de saúde, equipamentos hospitalares, etc.) cresce apenas 76 milhões €, pois passa de 360,2 milhões € para 436,2 milhões €.

Estes valores que desmentem as afirmações do governo são preocupantes pois deixam o país desprotegido e com o SNS extremamente enfraquecido, não permitindo a recuperação do enorme numero de cirurgias, consultas, exames que se deixaram de se fazer porque os meios (profissionais e equipamentos) que dispunha o SNS já eram insuficientes, tendo sido mobilizados para enfrentar a crise de saúde pública causada pelo COVID 19, e parte deles ainda se encontram mobilizados para esse fim.

O único aumento significativo que se verifica é de 410,2 milhões € na rubrica de “Aquisição de bens e serviços” que foram utilizados na aquisição apressada de Equipamentos de proteção individual, de ventiladores, etc..

Afirmar, como afirmou o novo ministro das Finanças, João Leão, que é o “orçamento é diferente porque tem como objetivo responder ao impacto de uma crise de saúde pública que gerou uma crise económica e social sem paralelo nas nossas vidas” não é verdade, e é importante falar com verdade aos portugueses.

Dizer também que não é um orçamente de austeridade porque “nem aplica cortes no estado social ou nas prestações sociais; nem impõe qualquer aumento de impostos” é iludir e procurar enganar os portugueses porque um orçamento que, ao não promover o crescimento económico e do emprego, causará um aumento enorme do desemprego e a miséria de centenas de milhares de trabalhadores pois as medidas de apoio social são manifestamente insuficientes para travar o alastrar da miséria (tenha-se presente que 42% dos desempregados já viviam no limiar da pobreza antes da crise do “coronavírus”).

E isto é também austeridade.



 

 


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