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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Os afectos de Marcelo ou o populismo de direita

Jorge Fonseca de Almeida
Jorge Fonseca de Almeida
Economista, MBA, Pos-graduado em Estudos Estratégicos e de Segurança, Auditor do curso de Prospectiva, geoeconomia e geoestratégia, Doutorando em Sociologia

A Presidência de Marcelo Rebelo de Sousa prossegue sob o signo dos afectos, do contacto directo com as populações, com a confraternização do Presidente com sem-abrigo, pobres, desempregados, funcionários, cientistas, profissionais liberais, empresários, jornalistas e políticos numa larga confluência de personalidades, profissões e localizações na rígida escala hierárquica da sociedade em que vivemos.
Este convívio social alargado contrasta obviamente com o elitismo mais vincado do anterior presidente, mas também com todos os anteriores moradores do Palácio de Belém da II República portuguesa que tirando os breves meses de campanha eleitoral não primaram pelo contacto directo com as classes sociais mais desfavorecidas.
Pontes ou interessesMas qual a natureza das relações que Marcelo Rebelo de Sousa estabelece e que pontes cria entre as pessoas com quem contacta? Que interesses promove?

Recentemente ao falar com os vendedores da Cais, a revista dos sem-abrigo, o seu objectivo publicamente declarado foi o de ajudar a vender a revista. Que novas políticas de integração desses milhares de cidadãos resultaram do encontro? Nenhumas. Que incentivo promoveu na sociedade para agir decisivamente no sentido de terminar esta cruel discriminação? Nenhum.

No final do encontro os sem-abrigos foram dormir para debaixo do arco da ponte e Marcelo para casa. Todos de boa consciência e, aparentemente, felizes. Um pela boa acção praticada, outros pelos trinta segundos de fama e atenção. Tudo permaneceu no essencial na mesma.

Atenuou-se a revolta dirão uns. Ajudou-os a aceitar a sua situação, defenderão outros. Aliviou-lhes por um momento a dor, proclamarão os mais positivos. Contudo a dor permanece, e raiva atenuada em breve voltará, porventura mais forte, a instalar-se no coração dos desprezados.Apaziguar ou mobilizarO que parece ter saído desse encontro, como de tantos outros do mesmo tipo que tem promovido, é uma tentativa de fazer aceitar pelos pobres e desvalidos a sua situação e a de lhes infundir orgulho da sua desgraça. Pobrezinhos mas orgulhosos. Uma atitude emerge do velho baú dos truques políticos do velho regime salazarista no qual Marcelo Rebelo de Sousa se criou como pupilo de outro Marcelo.

Depois de um governo de direita extremada, como o de Passos Coelho e Assunção Cristas, o Presidente faz o papel de normalizar os estragos, de fazer aceitar a todos os afastados, pisados, pontapeados, espoliados, a sua sorte e mostrar-lhes que existem outros ainda pior.

A sua missão, assumida e apregoada, é apaziguar, acalmar, normalizar o mal que a todos nos fizeram. Com um sorriso, com palavras de consolação, compreensão e simpatia mas sem qualquer concessão ou recuo.

Não é esta a atitude que precisamos. O que precisamos é de mobilização social, de reposição de direitos usurpados, de acção que conduza ao maior equilíbrio de rendimentos entre o trabalho e o capital, que alargue os serviços públicos nomeadamente nas áreas da saúde, educação e defesa.

Não precisamos de palavras de compreensão o que necessitamos é de palavras de confiança nas nossas forças, incitamento à acção e de esperança nos resultados a alcançar. Para que possamos, como Povo, assumir o nosso destino nas nossas mãos.

Todo esse frenesim electrizante de Marcelo Rebelo de Sousa configura uma acção próxima da Igreja Católica mais tradicional em relação aos pobres. Tomá-los sob a sua alçada para, salvando-os dos extremos da miséria, os manter na pobreza e lhes controlar as mentes e os corações.

Na política, essa forma de agir tem-se chamado populismo de direita, que nos anos trinta do século passado resvalou para extremismos de índole hitleriana e fascista.
Dois-em-umNão sendo casado e tendo aprendido a lição de Sá Carneiro sobre o papel de outras relações na esfera pública, Marcelo Rebelo de Sousa executa não só as suas funções presidenciais como também muitas das que caberiam a uma primeira-dama nomeadamente esta atenção caritativa junto dos desvalidos.

É este “dois-em-um” que caracteriza o populismo de Marcelo Rebelo de Sousa, sendo portanto mais aparentado ao populismo latino-americano de uma primeira-dama como Evita Peron ou ao da sua sucessora mais bem-sucedida Isabel Peron, a primeira mulher a ocupar a Presidência da Argentina.

Marcelo Rebelo de Sousa, sob uma aclamação quase unânime e com poucas vozes dissidentes, é hoje seguramente o político populista português com maior êxito. Tem-se revelado um populista moderado, tolerante e sem tiques racistas ou xenófobos, mas, naturalmente, nunca saberemos o que o futuro nos reserva.

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