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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Os barões-ladrões em Portugal

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A inexistência do termo de barão-ladrão não quer obviamente dizer que a sua figura não exista entre nós, mas apenas que a nossa sociedade, ou as nossas elites, mas muito em particular a nossa justiça, age como se essa realidade não existisse.

  1. A decadência do baronato

O baronato, como sabemos pela abertura das ‘Lusíadas’, nem sempre teve um sentido pejorativo, mas esse sentido estava já instalado entre nós no século XIX, como também sabemos pela famosa expressão ‘foge cão que te fazem barão’ que nos deixou Almeida Garrett.

Suponho que a instituição do baronato tenha feito um percurso semelhante noutras culturas e línguas europeias. De acordo com a popular ‘investopedia’ o termo de ‘robber baron’ – literalmente ‘barão ladrão’ – tem origem na Renânia medieval e aplicava-se à Nobreza alemã que se dedicava a taxar, ou simplesmente a roubar, o tráfego fluvial renano.

O termo terá sido depois utilizado na imprensa norte-americana em 1859 com o sentido que lhe é dado já contemporaneamente, e cuja definição é atribuída a Matthew Josephson que deu esse título a uma sua obra editada em 1934.

Na verdade, como é característico das sociedades humanas, a nobreza pode ser tanto resultado de feitos tidos como socialmente relevantes como de posição herdada que legitima a apropriação infundada do que é de outrem, e o mesmo se passa com o empresariado.

O empresário pode ser o inventor de uma nova actividade que enriquece a sociedade, ou seja, pode ser um ‘capitão da indústria’ como se pode limitar a utilizar a sua posição adquirida para parasitar e mesmo roubar a sociedade, e portanto, ser um barão-ladrão.

  1. A justiça portuguesa e o roubo

Entre nós, muito significativamente, na linguagem das elites, ‘capitão da indústria’ tanto pode designar o empresário inovador como o ‘barão ladrão’ que abusa da sua posição dominante no mercado, na sociedade ou na política em seu benefício.

A inexistência do termo de barão-ladrão não quer obviamente dizer que a sua figura não exista entre nós, mas apenas que a nossa sociedade, ou as nossas elites, mas muito em particular a nossa justiça, age como se essa realidade não existisse.

Ricardo Espírito Santo, que o nosso regime democrático transformou no maior banqueiro do país com base nos pergaminhos senhoriais impressos no seu nome, conduziu o seu grupo financeiro à ruína, e o mesmo regime democrático que o promoveu, tomou para o povo português as responsabilidades dessa ruína.

Como foi largamente noticiado na imprensa, o sistema judicial resolveu não o incomodar nas suas férias passadas numa ilha do Mediterrâneo quando, finalmente, sete anos depois de materializada a derrocada financeira, o assunto foi levado a tribunal.

É demagógico fazer de Ricardo Espírito Santo o bode expiatório da catástrofe financeira portuguesa – como sabemos, com uma honrosa excepção, não houve instituição bancária de relevo que não fosse levada à ruína em Portugal neste século – e é bem verdade que na generalidade dos casos a gestão danosa ou puro e simples roubo não teve consequências de maior para os seus autores.

D.R.

No entanto, há que registar que quando se trata de alguém que começou na vida bancária como caixa algures no interior do país, sem ter qualquer brasão a ostentar, como foi o caso de Armando Vara, a justiça teve uma atitude completamente diferente.

Seria também demagógico pretender que coisas destas se passam só em Portugal, mas convenhamos que como em Portugal é difícil de encontrar no mundo ocidental. Para a justiça portuguesa ser-se barão significa necessariamente que se não é ladrão, ou seja, o barão-ladrão nem sequer existe conceptualmente.

  1. O roubo e a oligarquia

Seria fácil cair no discurso da ‘república de barões ladrões’ um pouco à imagem do constitucionalismo monárquico liberal que ficou entre nós associado à imagem da ‘choldra’ que nos legou a crítica ácida e contundente de Eça de Queirós.

A esse propósito cada vez estou mais convencido de que a imagem negativa que associamos à nossa experiência monárquica se deve muito ao facto de a vermos pelos olhos de Eça de Queirós, Oliveira Martins ou Almeida Garrett que com o seu notável talento nos marcaram mais pelo seu tom crítico que pelo facto igualmente relevante de qualquer dos três serem eles mesmos produtos desse constitucionalismo monárquico.

É um pouco como se da democracia contemporânea portuguesa nos ficássemos pelas crónicas de Vasco Pulido Valente e as suas corrosivas críticas. Para além do óbvio talento do seu autor, e de que ele entende e fala de realidades, não de ficções literárias, ficarmo-nos pelo retrato que ele faz do país seria redutor.

Aqui estamos um pouco como perante a história do copo meio cheio ou meio vazio. É verdade que Portugal não cresce economicamente e que perde população, mas não é menos verdade que é um dos mais pacíficos e livres países do mundo, apenas para citar dois dos principais critérios de avaliação do desempenho de um país.

Aqui, creio que o discurso mais equilibrado e de efeito mais útil é o de considerarmos esta área como uma das essenciais a melhorar no nosso país: fazermos com que se avalie cada um mais pelo que faz do que pela trajetória sua ou da família, batalhando por isso no nosso dia-a-dia, a começar por aquilo que é por vezes decisivo: a linguagem!

Para isso, há apenas que introduzir no nosso léxico esta expressão, que é largamente utilizada nas culturas ocidentais, sempre que ela seja necessária, ou seja, não termos medo de designar por barão-ladrão quem merece ser visto como tal.

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