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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Os cartéis da droga México/USA

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Os cartéis de drogas mexicanos agora dominam o mercado por grosso de drogas ilícitas e, já em 2007, controlavam 90% da cocaína que entra nos Estados Unidos.

Quando temos conhecimento sobre factos terríveis como foram os campos de concentração na Alemanha nazi, o genocídio cometido por Pol Pot no Cambodia, onde foram exterminadas milhões de pessoas, quando entramos dentro do mundo invasivo dos cartéis de droga mexicanos e colombianos, temos, todos, a sensação de que estamos a entrar num mundo fantasmático, cruel e de tal modo sangrento que sentimos estupefação, recusamos acreditar, é demasiada realidade que nos submerge e não a podemos admitir à consciência porque nos sentimos impotentes, demasiado vulneráveis e pequenos. Sentimos que a nossa opinião é inútil, sentimos que está para lá das nossas forças, e não podemos lutar nem denunciar, nem ajudar as vítimas.

A primeira reação é de recuo. Pensamos: Não me adianta saber, nem ler, nem ver. Não quero ouvir testemunhos, não quero fazer parte disto. Isto tudo aconteceu lá longe, num mundo que não me toca, num mundo que não controlo, onde nada posso fazer para ajudar.

Mas, num segundo tempo, há pessoas, seres humanos, que tomam conhecimento e se arriscam para denunciar. Por vezes essas pessoas são declaradas de paranoides, de subversivas, são acusadas de estarem a inventar uma realidade terrível só para desassossegar os outros. Estão a fazer isso por maldade.

Assim acontece com o tráfego e consumo de drogas. Consumo dos americanos e tráfego efectuado por sul americanos. Mas não é só assim tão simples, como irá compreender se continuar a ler.

Temos de tomar consciência de que os campos de concentração, o genocídio do Cambodia, as mortes do Biafra, aconteceram porque as nossas consciências ficaram assombradas por tanta realidade.

Mas realidades terríveis podem bater-nos à porta, e temos de estar preparados para as enfrentar.

O tráfico de drogas para os Estados Unidos da América começou no século XIX. Do ópio primeiro, e depois haxixe e cocaína, foram sendo vendidos, distribuídos com eficácia e utilizados ilegalmente, com consequências macabras e mais devastadoras do que qualquer vírus.

A legislação americana criou cinco classificações para as drogas, com variáveis para que por exemplo um medicamento seja incluído em cada uma delas. Dois departamentos federais, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, que inclui a Food and Drug Administration, determinam quais são exclusivamente droga e quais os que podem ter uso clínico e os aspetos potenciais de causar dependência grave.

 

História lamacenta das drogas

O ópio

Imigrantes chineses que chegaram à Califórnia no século XIX e fascinaram os americanos no fumo do ópio. O comércio, a venda e a distribuição do produto generalizou-se em toda a região, e dai subiram até Nova York e a muitas áreas urbanas.

Do ópio para a morfina e codeína fui um pulo. A morfina muito usada durante a Guerra Civil, fez com que milhares de soldados da União e da Confederação se tornassem viciados em drogas. Cada guerra uma nova droga!

Em 1914 foi proibido o uso de ópio e cocaína para fins não médicos, e as drogas ilícitas continuaram a circular.

Em 1925, um mercado negro de ópio era vibrante em Chinatown, NY. Havia já cerca de 200.000 dependentes do uso heroína nos Estados Unidos.

Nos famosos anos 30 e 40 nos bares de jazz era moda tomar drogas como a marijuana e a cocaína.

A Máfia entrou no negócio nos anos 50.

O envolvimento dos EUA na Guerra do Vietname levou a um aumento da heroína contrabandeada para os Estados Unidos entre os anos 1965-1970.

O uso de drogas entre os soldados do Vietname era generalizado. Em 1971, 15% dos soldados ativos eram viciados em heroína e muitos mais fumavam haxixe.

O número de dependentes de heroína nos Estados Unidos passou para 750.000 nesses anos.

 

Fornecedores da América do Sul

Colômbia

Com sede na cidade de Medellín, na Colômbia, começou a organização de um florescente comércio nessa época.

Em 1975, recordo o “Massacre de Medellín” a que se seguiram anos de violência com assassinatos, raptos e ataques muito violentos.

O cartel de Medellín era dirigido nos anos 80 pelos três irmãos Vasquez, Pablo Escobar, Carlos Lehder,George Jung e Jose Gonzalo Rodriguez Gacha e chegaram a ter lucros de 60 milhões de dólares por dia.

Os governos dos EUA e da Colômbia ratificaram um tratado de extradição bilateral em 1981 que se tornou numa pedra no sapato de pele de cobra dos traficantes colombianos.

Para ajudar à festa, em 1982, o general panamiano Manuel Noriega permitiu que o traficante de drogas de Medellin, Pablo Escobar, enviasse cocaína pelo Panamá.

Foi quando o vice-presidente George H.W. Bush criou a Task Force Antidrogas do Sul da Flórida para combater o tráfico de cocaína através de Miami, onde a violência envolvendo traficantes aumentava constantemente.

Um grande júri federal de Miami conseguiu indiciar os principais líderes do grupo em 1984. Um ano depois, oficiais dos EUA descobriram que o cartel de Medellin tinha uma lista que incluía membros da embaixada americana, as respetivas famílias, jornalistas e empresários.

Finalmente em 1987, a Polícia Nacional da Colômbia capturou Carlos Lehder que foi extraditado para os Estados Unidos, onde foi condenado à prisão perpétua sem liberdade condicional.

O General Noriega entregou-se à Administração de Repressão às Drogas (DEA) em 1989, quando os Estados Unidos invadiram o Panamá. Condenado a 40 anos de prisão por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e extorsão.

Outros dirigentes de cartéis de droga colombiana foram sendo apanhados, uns condenados, outros assassinados, mas colocados foram deste tabuleiro.

Quando o cartel de Medellin foi derrubado, o cartel de Cali ocupou o lugar, agora no sul da Colômbia. Chegou a controlar cerca de 80% da cocaína fornecida aos Estados Unidos. Em meados dos anos 90, a organização evoluiu para negócio de contrabando de biliões de dólares.

Em 1995, os dirigentes do cartel de Cáli estavam presos.

 

México

Cartéis mexicanos de drogas

Desde os anos 60 que Pedro Avilés Pérez dirigia um cartel de droga mexicana que se poderá eventualmente considerar o percursor da história das drogas duras. Outros grupos e cartéis se seguiram, bandos de crime organizado, armados, que aterrorizando a população a obrigava ao tráfego, transporte e ajuda às redes criminosas. Praticavam a extorsão, usavam e usam crianças e toda e qualquer pessoa que considerassem úteis para os seus fins. Dirigentes destes bandos muito perigosos, mesmo depois de presos continuavam a dirigir os seus negócios, de dentro das prisões, rindo na cara das autoridades.

A meio da década de 80, a fronteira EUA-México tornou-se a principal via de transporte de cocaína, haxixe e outras drogas duras para os Estados Unidos. No final dos anos 90, os traficantes mexicanos dominaram a distribuição de drogas e introduziram a metanfetamina.

A Federação de Sinaloa, retratada na série da NETFLIX com o título de YANKEE ainda hoje está operacional, é o maior e mais conhecido cartel de drogas do México. Também assume a lavagem de dinheiro e crime organizado estabelecido no final dos anos 80. Opera em 17 dos 31 estados mexicanos, onde tem ramificações entre a classe política, agentes de polícia, polícia federal, governadores de estado. O Cartel de Sinaloa administra o transporte através da fronteira dos EUA para as células de distribuição nos estados do Arizona que tem uma fronteira com mais de 500 km com o México, Califórnia, Illinois, Texas, Nova York e Washington. Usam todos os meios disponíveis: túneis com kilometros que passam por debaixo da fronteira,aviões de carga Boeing 747, submarinos, navios contentores, embarcações rápidas, embarcações de pesca, autocarros, comboios, reboques de trator e automóveis. Em 18 de março de 2009 um desses todo poderosos dirigentes, “El Mayo” foi preso e extraditado em 2010 para Chicago para enfrentar acusações federais. Fez um acordo de confissão de culpa e concordou em cooperar com o governo em 8 de novembro de 2018.

A Procuradoria Geral dos EUA pensa que o cartel de Sinaloa importou e distribuiu quase 200 toneladas de cocaína e grandes quantidades de heroína nos dezoito anos entre 1990-2008.

“El Chapo” Guzman liderou Sinaloa no início de 1989. Em 2003, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos considerou Guzman o “mais poderoso traficante de drogas do mundo”. Sobre ele há também uma série da Netflix. Após aventuras rocambolescas de fugas e detenções foi extraditado para os EUA.

No México há muitos cartéis de narcotráfico, criados por famílias, alianças entre famílias, policias, e políticos. A Marinha mexicana começou a intervir em 2006,apenas para reduzir a violência relacionada às drogas. O governo mexicano nunca teve intenção de impedir o tráfico e o consumo de drogas, tarefas que acharam que cabiam aos americanos.

Os cartéis de drogas mexicanos agora dominam o mercado por grosso de drogas ilícitas e, já em 2007, controlavam 90% da cocaína que entra nos Estados Unidos.

Os cartéis lutam pelo controle das rotas do tráfico nos Estados Unidos.

Várias forças especiais americanas para combater o tráfego foram organizadas e reorganizadas, várias leis foram promulgadas, modificadas e aplicadas mas o NEGÓCIO é de tal volume e interesse que nem as medidas americanas para fortalecerem o sistemas judicial mexicano trouxeram alteração à situação.

Chicago é um importante ponto de distribuição do cartel de Sinaloa para o Centro-Oeste dos Estados Unidos, aproveitando um forte mercado de consumo e distribuição local tendo beneficiado de um longo período de facilidade de transações em dinheiro e lavagem de dinheiro através de bancos com presença nos EUA e no México, como o HSBC.

Alegações várias de conluio com forças do governo federal mexicano e com o Governo Federal Americano foram colocadas por jornalistas, investigadores e em testemunhos durante deposições em tribunal.

Em março de 2015, o programa de TV da BBC This World transmitiu um episódio intitulado “Segredos da Guerra às Drogas do México” sobre a Operação Velozes e Furiosos do Departamento de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos do governo dos EUA, que permitiu aos traficantes de armas, vendê-las a compradores ilegais agindo em nome dos líderes do cartel de drogas mexicano, em particular o cartel de Sinaloa. A BBC também informou sobre as alegações de imunidade de Vicente Zambada Niebla num nebuloso acordo entre os governos mexicano e norte-americano e suas alegações de que os líderes do cartel de Sinaloa haviam fornecido aos agentes federais dos EUA informações sobre gangues de traficantes mexicanas rivais.

No mesmo documentário, demonstra-se que o Departamento de Justiça dos EUA invocou razões de segurança nacional para impedir que Humberto Loya Castro, advogado do Sindicato de Sinaloa, fosse convocado como testemunha do julgamento contra Vicente Niebla

Felipe Calderón, presidente do México de 2006 a 2012, contou com um número oficial de 60.000 mortos na Guerra das Drogas.

Em 2006, recém eleito, Felipe Calderón, cuja eleição não foi muito clara, iniciou a guerra do México contra as drogas, enviando 6.500 militares para o estado de Michoacan, onde cartéis rivais faziam massacres entre rivais e disputavam territórios lucrativos. Seguiu-se o envio de mais cerca de 20 mil militares!

O aumento da violência começara em 2005 e uma série de operações policiais e militares sob ordens do seu antecessor, Vicente Fox, que não conseguiu conter o derramamento de sangue.

As estimativas definem o número de mortos acima de 120.000 mortos em 2013, mais 27.000 desaparecidos.

Quando assumiu o cargo, o presidente Andrés Manuel López Obrador declarou que a guerra havia terminado. Isso provocou fortes críticas porque a mortalidade por homicídio continua elevada.

O impacto da violência no cartel de drogas no México ainda hoje é sentido. Cartéis novos surgiram nos últimos anos e alguns formam-se após rutura de antigas alianças.

Segundo o relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso Americano de 2015, as guerras mexicanas contra as drogas mataram mais de 80.000 pessoas entre 2006 e 2015.

Ao longo dos anos, jornalistas e escritores alegaram que a CIA esteve envolvida em várias operações de tráfico de drogas, sobretudo durante a presidência de Ronald Reagan.

Em 1986, o governo mexicano reconheceu que os Contras podem ter se envolvido em atividades com traficantes de drogas, mas insistiu que os líderes dos rebeldes não estavam envolvidos.

Em 1996, uma série de reportagens conhecidas como Dark Alliance, escrita pelo jornalista Gary Webb, alegou que a CIA terá oferecido apoio e proteção aos contrabandistas dos Contras. Essas reivindicações são consideradas controversas e continuam sendo debatidas, como é habitual nestes leaks e contra leaks. Quem domina a informação, domina a “verdade”.

Os cartéis mexicanos e colombianos permanecem problemáticos para o governo dos EUA, em particular para o DEA.

Em 2013, seis substâncias foram responsáveis por quase todos os crimes de tráfico de drogas: cocaína em pó, metanfetamina, haxixe cocaína crack, heroína e oxicodona.

Um relatório de 2014 revelou que os americanos gastaram cerca de 100 biliões de dólares por ano na década anterior em drogas ilícitas.

Embora o tráfico de drogas nunca possa se dissipar completamente, autoridades e agências do governo estão atualmente trabalhando em novas estratégias para impedir que substâncias ilegais sejam trazidas e transportadas pelos Estados Unidos.

Porque será que milhões de pessoas se drogam e não são capazes de enfrentar as suas vidas ou lutar?

Porque será que milhões de pessoas vivem como zombies, entre o futebol e o consumo de produtos como roupa e automóveis de que de facto não precisam?

Uns tomam drogas, outros drogam-se com uma realidade falsa e vazia.

Todos dormem. Têm muito medo dos sonhos premonitórios e preferem os sonhos cor de rosa que transformaram na sua realidade diária.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90



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