Jawaharlal Nehru, lado a lado com Josip Broz Tito, Sukarno, Gamal Abdel Nasser e Kwame Nkrumah, fundou o movimento dos não-alinhados em 1961 e, desde estes tempos, o não-alinhamento tornou-se uma característica determinante da política externa indiana, e em certa medida, da sua identidade.
A realidade e a percepção do “não-alinhamento” mudaram fundamentalmente nas seis décadas passadas, sobretudo desde a queda da União Soviética, e isso também aconteceu na Índia.
A declaração original visava promover a paz, em particular a desnuclearização, bem como denunciar o colonialismo ocidental, sugerindo implicitamente uma terceira via entre os dois principais modelos políticos, económicos e sociais. O sistema democrático da Índia, desde o início, seguiu o modelo democrático institucional ocidental. Provavelmente, o país sempre achou necessário dispor do mesmo tipo de armas usadas por outros, e decidiu ser uma potência nuclear em 1989. Desde os anos 1990, a Índia abraçou um conjunto de reformas económicas que a tornaram mais próxima da lógica económica ocidental, e desde o início do século XXI desenvolveu laços de defesa e segurança mais estreitos com os EUA. Ao mesmo tempo, a Rússia desenvolveu relações mais estreitas com a China e envolveu-se com o Paquistão (Wolf, 2022), enquanto a sua posição sobre a disputa do Caxemira, tradicionalmente apoiando a Índia, evoluiu ligeiramente em 2019 aproximando-se da defendida pela China (Mitra, 2019)
Entre as mensagem-chave que animam a declaração de Belgrado, a oposição aos blocos militares é talvez a mais importante que sobreviveu até hoje. O facto de o não alinhamento parecer perder importância com a suposta conclusão da Guerra Fria deu origem à observação de que o não-alinhamento estava a morrer (Pant, 2016) – aqui exemplificado pela fracassada cimeira venezuelana – mas a invasão da Ucrânia está a mostrar-nos que na verdade a guerra não tinha acabado e está a reemergir de uma forma menos fria.
O primeiro passo da Índia para a sua inclusão em construções multilaterais de defesa materializou-se no Diálogo Quadrilateral de Segurança (o Quad) entre o Japão, os Estados Unidos, a Índia e a Austrália, uma iniciativa do Japão que pode ser vista quer como um desenvolvimento do Diálogo Estratégico Trilateral organizado pela Austrália, Japão e EUA em 2002, quer como uma extensão do núcleo duro que inclui os quatro fundadores Quad que emergiram como organizadores da resposta ao Tsunami do Oceano Índico de 2004.
A China reagiu veementemente contra um acordo que viu como um mecanismo de contenção (Nicholson, 2007) chamando-o de “NATO asiática” e acusou os EUA de serem responsáveis pela sua criação. A pressão chinesa foi maioritariamente eficaz e levou ao congelamento da iniciativa que ressuscitou apenas recentemente, situação que a imprensa indiana tem vindo a descrever como um “poder de veto chinês” injustificado sobre as opções indianas (por exemplo, Krishnakutty, 2022, interpretando desta forma as palavras do chefe da diplomacia indiana).
Em outubro de 2021, por ocasião da visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros S. Jaishankar a Israel, foi criado um novo grupo de diálogo de segurança, o “I2U2“, composto pela Índia, Israel, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos da América. O I2U2 terá uma cimeira virtual de 13 a 16 de julho. Com o I2U2, a Índia coloca-se no centro da nova realidade geopolítica do Médio Oriente, criada pelos Acordos de Abraão. A UE não contribuiu para esta aliança do mundo árabe com Israel e parece ainda não ter compreendido a sua importância.
A Alemanha, os Países Baixos e, em particular, a França mostraram algum interesse em aderir às acções de segurança Quad (Casaca, 2021), um interesse que parece estar a desaparecer após a agressão russa (Kliem, 2022), contrariando a necessidade de solidificar uma aliança global com o mundo democrático.
A União Europeia minimizou a importância de mostrar como está a contribuir ativamente para a segurança alimentar e energética mundial e de combater as tentativas russas de semear o pânico, culpando a Índia e outros países por tomarem medidas preventivas para evitar perturbações no mercado (Casaca, 2022).
De acordo com os dados fornecidos pelo Centre for Research on Energy and Clean Air, a União Europeia foi responsável pela importação de 61% das exportações russas de energia nos primeiros cem dias da invasão, enquanto a Índia foi responsável apenas por 3,7 % destas exportações russas. Ainda assim, as autoridades europeias consideraram-se aptas a dar lições públicas à Índia sobre a sua importação de energia russa, forçando as autoridades indianas a responder e prejudicando o apoio que a Europa precisa para enfrentar os seus próprios desafios.
Embora a Europa necessitasse urgentemente do apoio dos seus aliados no resto do mundo, rejeitou abertamente os desafios cruciais de defesa enfrentados pelos seus potenciais aliados. A Europa não alterou a sua intenção de concluir um acordo nuclear com o Irão, apesar dos repetidos ataques contra Israel, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos por proxies iranianos, como se a segurança do Médio Oriente não fosse importante para a Europa. Do mesmo modo, as instituições europeias não condenaram a agressão chinesa à Índia ao longo dos Himalaias, contrariamente ao que foi feito pelos Estados Unidos.
Como o chefe da diplomacia indiana mais tarde disse numa conferência realizada na Eslováquia: “A Europa tem de sair com a mentalidade de que os problemas da Europa são os problemas do mundo, mas os problemas do mundo não são problemas da Europa. ‘
A União Europeia tem a necessidade de considerar uma diplomacia menos paroquial e mais apoiada em princípios gerais de pertinência global. A segurança alimentar, energética e territorial dos aliados europeus, quer no Médio Oriente, quer no Indo-Pacífico, deve ser considerada como também como problemas da Europa – como foi pertinentemente observado pelo Ministro S. Jaishankar – se a Europa quiser que os seus aliados estejam igualmente preocupados com os problemas de segurança europeus.
O empenho europeu com os seus aliados em iniciativas de segurança como o Quad e o I2U2 não deve, portanto, ser encarada como alternativa às preocupações europeias com a agressão da Rússia, mas pelo contrário, como complemento necessário a um conceito de defesa estratégica europeu.