Na sequência da recente apresentação do Economic Outlook for Europe do FMI, o seu diretor para a Europa, Alfred Kammer, alertou para os riscos do sector imobiliário, salientando que em Portugal os preços das casas estão 20% sobrevalorizados.
Embora também diga que aquele “fenómeno” é comum à generalidade dos países europeus, em momento algum refere qualquer das especificidades do mercado imobiliário nacional, tais como a desmesurada proporção de recurso à aquisição de habitação própria em lugar da mais racional opção pelo arrendamento (quando parece fazê-lo é apenas para referir a tendência nacional para a preferência por créditos a taxa variável) ou a propensão para uma regular valorização do imobiliário em benefício da valorização de activos e garantias que abundam nos balanços do sistema bancário nacional.
Aquele responsável do FMI diz que a tendência de subida do preço do imobiliário é algo que se regista um pouco por toda a Europa, destacando como justificação o impacto da Covid-19 e da guerra da Ucrânia, tendência que é ajudada pela reduzida oferta, pela subida dos custos de construção, pelas restrições aos licenciamentos e pela própria inflação. Paralelamente, reconhece o agravamento da acessibilidade à habitação e ao arrendamento, especialmente para as camadas mais jovens da população, e alerta para os riscos de instabilidade financeira criados pela apertada política monetária do BCE (expressa nas sucessivas subidas nas taxas de juro nos últimos meses, que elevou a sua taxa de referência aos actuais 4,5%) que torna previsível um aumento do incumprimento naquele tipo de créditos que, apesar do contínuo aumento da rentabilidade do sector bancário, o elevado peso do crédito à habitação a taxa variável aconselha a criação de uma “almofada” para o risco sistémico daquele sector, no que se pode interpretar como um aviso para uma nova onda de resgates.
A notícia continua com outros alertas – como o da transitoriedade das políticas de apoio às famílias – e conclui-se com o claro aviso dos perigos resultantes do aumento dos custos orçamentais, numa espécie de alerta nebuloso e tenebroso.
Tenebroso, porque sabemos perfeitamente o que representa e significa uma intervenção do FMI. Estamos ainda bem lembrados dos resultados da sua última passagem por Lisboa (2011), despoletada pela crise das dívidas denominadas em euros e forçada pela situação de absoluta penúria de liquidez do sistema financeiro nacional, a par com os nefastos resultados da política de austeridade-expansionista aplicada pelo governo Passos Coelho-Paulo Portas que, qual sangria medieval, ameaçou matar o doente em lugar de o curar. Tanto assim que, anos volvidos, ainda ouvimos “recomendações” como a daquele alto quadro do FMI.
Nebuloso, porque o mesmo especialista afirmou em 2021, a propósito do fraco crescimento das economias ocidentais, que o perigo estava na retirada dos apoios orçamentais e não na inflação. Embora na altura a sua previsão fosse a de uma inflação passageira, nem por isso deixa de merecer referência a ênfase que então colocou na importância dos apoios orçamentais, vistos como determinantes para a sustentação das economias.
Infelizmente este ziguezaguear opinativo e informativo é perfeitamente natural entre os especialistas de organismos como o FMI ou o Banco Mundial, para quem a realidade económica se reduz, invariavelmente, à singela frieza dos modelos econométricos com que avaliam e pretendem prever o comportamento das economias, esquecendo os efeitos sociais e demográficos, para não falar no famigerado problema da especulação que parece ser fenómeno de todos desconhecido.