Os relatórios que estudam o impacto do CETA na economia da UE, como um todo, foram produzidos ou encomendados pelos proponentes do tratado, o que poderia alimentar a suspeita de que, a existir algum enviesamento nas conclusões, ele seria num sentido favorável ao acordo.
Os relatórios que estudam o impacto do CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) na economia da UE, como um todo, foram produzidos (o «Joint Study», em 2008) ou encomendados (o «Sustainability Impact Acessment» – SIA -, em 2011) pelos proponentes do tratado (o governo do Canadá e a Comissão Europeia). Isto poderia alimentar a suspeita de que, a existir algum enviesamento nas conclusões, ele seria num sentido favorável ao acordo. De facto, olhando para a metodologia seguida e para as assumpções de partida, várias opções dos autores parecem confirmar tais suspeitas.
No «Joint Study» os impactos redistributivos do acordo são completamente ignorados (assume-se um agente representativo por bloco comercial), bem como os impactos no emprego. O estudo admite a arbitrariedade na escolha de alguns parâmetros-chave para a simulação (nomeadamente para a estimativa do efeito da redução das barreiras não-alfandegárias) e ignora os impactos ambientais do acordo. Entre outros problemas, assume que os benefícios indirectos (resultantes da acumulação de capital induzida pelos efeitos directos) são cerca de cinco vezes superiores aos benefícios directos, mas esta última estimativa é feita sem ter em conta os problemas de procura agregada que a UE enfrentará nos próximos anos devido ao problema da chamada «estagnação secular», o qual conduziria a uma redução dos valores.
O SIA partilha de muitas das falhas metodológicas do «Joint Study», mas já procura estudar o impacto redistributivo do acordo (concluindo que agrava as disparidades salariais), e reconhece os potenciais impactos negativos do acordo no meio ambiente (por exemplo, o aumento das emissões de metano no sector agrícola, ou o incentivo acrescido ao uso de areias betuminosas, com intensidade carbónica superior à dos combustíveis fósseis tradicionais), embora nunca seja feito o esforço exigível de o quantificar.
Apesar de todas estas opções metodológicas questionáveis, os estudos prevêem um impacto muito reduzido no Produto Interno Bruto da União Europeia. O «Joint Study» prevê um aumento de 0.08% no PIB, enquanto o SIA estima um valor entre os 0.02% e 0.03% dependendo dos detalhes do acordo. Note-se que estes valores não se referem ao impacto no crescimento do PIB, mas sim ao impacto total no nível do PIB. São, como é claro, valores perfeitamente residuais que nunca justificariam todas as ameaças ao estado de direito, à soberania democrática, à privacidade dos cidadãos europeus, à coesão social, à sustentabilidade ambiental, à saúde pública e outras que este acordo implica.
Por outro lado, mais um aspecto não contemplado nestes estudos é o dos custos orçamentais do acordo. 10% do orçamento comunitário provém das tarifas alfandegárias cuja redução ou eliminação é parte integrante do acordo e esta perda de receita pode ser estimada num valor de 330 milhões de euros anuais. Acrescente-se a estes custos aqueles que forem resultantes do ajustamento no mercado laboral (mesmo assumindo a ausência de efeitos persistentes negativos em resultado deste ajuste, o que é questionável) e os impactos negativos que terão na sustentabilidade dos vários sistemas de Segurança Social. Devemos também ter em conta que nenhum dos estudos mencionados considera as assimetrias regionais: um ganho médio de 0.02% pode representar um ganho ligeiramente superior para um país de maior dimensão (Alemanha, França, Itália) e uma redução do PIB para a generalidade dos estados-membros.
Se as externalidades ambientais associadas ao significativo volume de negócio acrescido fossem contabilizadas, a redução do PIB estimada talvez não estivesse tão próxima do «ruído estatístico» como acontece com as actuais estimativas de aumento. Se fossem tomadas em consideração a criação de assimetrias regionais ou o agravamento de desigualdades salariais, seria evidente que, mesmo do ponto de vista estritamente económico, este acordo é injustificável.
Mas se não pensarmos na economia como um todo, e sim nos potenciais benefícios para as grandes multinacionais, torna-se muito mais fácil compreender o envolvimento destas no processo de redacção e negociação do acordo, e a enorme pressão política para contrariar o interesse dos cidadãos.
João Vasco Gama, membro da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico