Procurei em vão alguma informação que esclarecesse as imagens filmadas e publicadas pelo Correio da Manhã e nas redes sociais relativas a “um alegado abuso sexual sobre uma jovem num autocarro do Porto” que terá ocorrido durante a Queima das Fitas, entre 7 e 14 de Maio. Em geral, as notícias não adiantam pormenores sobre o conteúdo do vídeo referindo-se apenas a “alegado abuso sexual”, sendo suposto que os jornalistas o tenham visto preferindo omitir qualquer descrição acerca do seu conteúdo.
Naturalmente que a simples notícia da existência do vídeo terá levado a uma corrida ao site do Correio da Manhã, pelo menos por parte daqueles que escreveram sobre o assunto, com os consequentes proveitos para o grupo Cofina, dono do jornal.
Antes de escrever este post procurei eu própria ver o vídeo, na convicção de que o mesmo tivesse sido retirado como recomendou o conselho deontológico do Sndicato dos Jornalistas. Mas o vídeo continua disponível e corresponde à descrição de Fernanda Câncio no DN: “um rapaz a meter a mão nos jeans de uma rapariga enquanto à volta, num autocarro, outros rapazes e raparigas incitam e aplaudem”.
Coloca-se então a questão de saber o que aconteceu realmente naquele autocarro, uma vez que, segundo as notícias, a rapariga filmada é maior de idade e não apresentou queixa. Acresce que não encontrei informação sobre se o autocarro transportava outros passageiros para além dos jovens que se vêem no vídeo e se o comportamento dos jovens importunou ou não essas pessoas, o que caberia na definição de “actos exibicionistas” e “crime público”, previstos e punidos pelo Código Penal (artigo 171.º). Trata-se de matéria para investigação da Polícia Judiciária que segundo as notícias se “encontra no terreno” embora só possa abrir inquérito se houver queixa.
O Correio da Manhã defende-se das críticas de que foi alvo pela publicação do vídeo em editorial e o seu director, Otávio Ribeiro, disse à Lusa que o material divulgado é “um facto relevante e que “sem notícias, não há reflexão”. “Limitamo-nos a fazer o nosso trabalho. Trata-se de um facto relevante e polémico. Protegemos a identidade dos agentes, mas fazemos notícia”, acrescentou.
Esta “teoria da notícia” é uma espécie de “tudo o que vem à rede é peixe” e é infelizmente relativamente vulgar no jornalismo actual, especialmente no audiovisual, conceito que hoje envolve também a imprensa através dos sites. A teoria de que “estamos a fazer o nosso trabalho” e de que é preciso mostrar o vídeo para “haver refllexão” é a mesma que leva as televisões a correram a uma chamada para filmarem uma briga numa escola em que “alegadamente” um rapaz violou uma rapariga, ambos menores. O alegadamente é nestas situações mera retórica porque a partir do momento em que a notícia é dada e imagens conotadas com o caso são mostradas o que era “alegado” passa a factual.
A cena do autocarro pode ter sido de facto uma violação ou pode ter sido uma brincadeira de mau gosto entre jovens bêbados ou puro exibicionismo colectivo ou qualquer outra coisa, a qual, seja o que for, revela comportamentos desviantes que depois são potenciados pela exibição nas redes sociais e nos meios de comunicação social que doentiamente os transformam em entretenimento para as massas.
Quando responsáveis editoriais defendem a exibição deste tipo de vídeos temos sérias razões para pensar que a reflexão a fazer é afinal sobre o próprio jornalismo.
Exclusivo Tornado / VAI E VEM