Governo atendeu aos interesses do capital, representados pelos latifundiários, agronegócio, madeireiros, mineradoras, grileiros e as empresas transnacionais.
O primeiro ano do governo do capitão Jair Bolsonaro representou uma clara opção de políticas para o campo, de favorecimento aos interesses do capital, representados pelos latifundiários, agronegócio, madeireiros, mineradoras, grileiros e as empresas transnacionais do agro. Em contraposição, houve enormes retrocessos nas políticas agrária, agrícola e ambiental, prejudicando a todos trabalhadores/as rurais e a ampla maioria do povo brasileiro. Confira a seleção que fizemos das principais medidas:
- Paralisação da reforma agrária. Nenhuma fazenda foi desapropriada. A Constituição é clara: todas as grandes fazendas improdutivas (em geral acima de 1.000 hectares) devem ser desapropriadas. Paga-se ao latifundiário com títulos da dívida agrária e distribui-se às famílias sem terra. Nenhuma família foi assentada.
- Nenhuma área indígena foi demarcada ou legalizada. Há 236 processos de demarcação de áreas indígenas paralisados em diversas fases do andamento. Alguns foram acionados por decisão judicial, tal o desmando do governo. Foram registrados no ano 160 casos de invasões e agressões a povos indígenas por latifundiários, madeireiros, mineradoras e garimpeiros. (fonte CPI-SP).
- Nenhuma área quilombola foi demarcada ou legalizada. Existem 3.000 comunidades reconhecidas pelo Estado sem demarcação (mas o movimento quilombola-CONAQ estima existirem ao redor de 6.000 comunidades) e há 1.719 processos de titulação paralisados no Incra.
- Edição da MP 910 normatizando a legalização de terras públicas griladas na Amazônia Legal por latifundiários, bastando autodeclaração de que já estão ocupando.
- Aprovação no Congresso, por iniciativa do governo, de normas para privatizar a venda de água potável e o saneamento, entregando para as empresas e ao capital estrangeiro.
- Envio de medida provisória autorizando a venda de terras para o capital estrangeiro (ainda não aprovada pelo Congresso)! No passado, até as Forças Armadas se opuseram, por ferir a soberania nacional. Agora, no governo, calam-se!
- Paralisação do programa de compra antecipada de alimentos-PAA. O programa administrado pela Conab chegou a aplicar mais de R$ 1 bilhão por ano, (em 2019, foram aplicados apenas R$ 92 milhões) e representava um estimulo à produção de alimentos saudáveis e uma garantia aos camponeses que poderiam vender ao governo, recebendo à vista. A Conab comprava mais de 360 tipos de alimentos que eram destinados a hospitais, escolas, creches, presídios, quartéis, cestas básicas aos pobres, etc.
- Paralisação do Pronera. O programa estimulava as universidades públicas a construírem cursos especiais na forma de alternância, realizando vestibular específico para filhos de camponeses. Isso permitia que eles ficassem 2 meses em aulas e 2 meses de volta às suas comunidades. Milhares de jovens do interior tiveram acesso à universidade, formaram-se e permaneceram no campo, graças a esse programa.
- Paralisação dos programa de Ates: assistência técnica e fomento para agricultura familiar e assentamentos. Milhares de agrônomos, veterinários, assistentes sociais, perderam emprego. E centenas de comunidades perderam assistência técnica.
- Paralisação do programa de habitação rural dentro do programa Minha Casa Minha Vida. Há ainda um enorme deficit de moradias no campo. O programa organizava a construção de moradias novas e financiava reformas em assentamentos e comunidades rurais de agricultura familiar.
- Paralisação da implantação do Pronaro (Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos) e do programa nacional de apoio à agroecologia. Os 2 programas foram transformados em lei, porém o atual governo simplesmente os ignorou nas políticas e no orçamento da União.
- Liberação de 502 novos rótulos de agrotóxicos, muitos deles proibidos de serem vendidos nos países de origem. Flexibilizaram os parâmetros de avaliação, monitoramento de toxidez e assim fazem a política que interessa apenas aos interesses das 5 grandes empresas transnacionais: Bayer/Monsanto, Basf, Dupont, Shellquimica e Syngenta. Atualmente, mais de a metade dos alimentos que chegam aos supermercados estão contaminados por venenos agrícolas. Que segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer)e a Fiocruz, afetam a saúde de toda população, gerando inclusive alguns tipos de câncer.
- Liberação do porte de armas, de qualquer calibre, em toda extensão das fazendas. Essa medida interessa apenas às fábricas de armas e induz aos latifundiários a impunidade e a contratação de pistoleiros. Como se os problemas de conflitos de terra ou de roubos no meio rural se resolvessem com porte de armas. A responsabilidade pela segurança pública é do Estado! Voltamos à idade média, à lei do mais forte ou do melhor armado.
- Estímulo à violência, com a impunidade garantida aos policiais. Em diversos Estados, houve durante o ano ações de despejos de famílias acampadas (e também em cidades) sem que houvesse autorização judicial ou qualquer negociação para definir aonde seriam colocadas as famílias. Esses abusos foram cometidos por autoridades policiais, locais, que influenciadas pelo latifundiário e pelo discurso ideológico bolsonarista cometerem esses abusos à revelia da lei.
- Aumento da violência dos latifundiários no campo, em especial na fronteira agrícola, para disputa de terras. A CPT registrou aumento dos conflitos durante 2019 e a ocorrência de 29 assassinatos de lideranças, incluindo indígenas e quilombolas.
- A aprovação da reforma da Previdência retirou direitos da imensa maioria dos trabalhadores/as rurais, aumentando a idade de aposentadoria e diminuindo valores e número de benefícios do INSS para o campo. Essa medida afeta a distribuição de renda no campo, aumenta as dificuldades das famílias que dependiam desses benefícios e inviabilizará a economia de diversos municípios do interior do país.
- Liberalização das regras para registro e monitoramento de novas plantas transgênicas (OGMs), potencializando o risco dessas tecnologias para a saúde humana, animal e ao meio ambiente já que se isentou os necessários estudos sobre impactos no meio ambiente e na saúde das pessoas.
- Nomeação de ministro de Meio Ambiente condenado por crime ambiental; e do deputado Valdir Colatto (MDB-SC) para presidência do Serviço Florestal Brasileiro. Ambos têm curriculum e comportamento claramente anti-meio ambiente e preservação da natureza.
- Nomeação de policiais e ex-policiais em substituição a especialistas no Ministério do Meio Ambiente; ameaças a servidores públicos no cumprimento de suas obrigações na gestão ambiental em todo o país; desativação dos conselhos paritários de gestão ambiental, desmantelamento do sistema nacional de monitoramento ambiental e fim do diálogo com organizações da sociedade.
- Estímulo ao desmatamento e queimadas de florestas na Amazônia. “Eu sou o capitão motosserra”, pregou o presidente; em 2015, foram desmatados 6.207 quilômetros quadrados, e, agora em 2019, atingiu a 9.762 quilômetros quadrados, com aumento de 50%.
- Estímulo à invasão de áreas públicas e de proteção ambiental. A edição da MP 901 pretende diminuir o percentual de reserva legal nos imóveis dos latifundiários e diminui o número de áreas de conservação natural pertencentes à União.
- Estímulo à mineração ilegal em áreas indígenas e de proteção ambiental.
- Suspensão da proibição do plantio de cana de açúcar nos biomas do pantanal e da Amazônia. Esse monocultivo vai gerar enormes problemas ambientais nas duas regiões, como advertiram os cientistas.
- Criminalização de militantes de ONGs e movimentos em defesa do meio ambiente; como o exemplo patético da prisão injusta de ativistas na Amazônia, manipulada por policiais e madeireiros bolsonaristas.
- Criminalização e perseguição a pesquisadores e cientistas de instituições públicas de pesquisa voltadas para questão ambiental.
- Impunidade às mineradoras que cometeram crimes ambientais e causaram a morte de centenas de pessoas em Minas Gerais e no Pará, sem que até agora as famílias e as regiões tenham sido reparadas. O Estado está ausente, o Ministério Público finge que fiscaliza, e as mineradoras seguem se apropriando de bilhões de lucro por ano.
- Desmantelamento do programa de construção de cisternas no semiárido nordestino. Mantiveram-se apenas os contratos antigos. Os recursos caíram de R$ 26 milhões em 2015, para apenas R$ 10 milhões em 2019. Nos governos Lula-Dilma, investiu-se mais de R$ 1 bilhão na construção de cisternas para abastecimento de água da chuva às famílias camponesas.
- Desmantelamento e aparelhamento do Incra pela UDR (famigerada União Democrática Ruralista –entidade dos latifundiários que organizava a violência contra os trabalhadores rurais), nomeação de pessoas que são contra a reforma agrária. E até de policiais em superintendências estaduais.
- Centenas de comunidades de povos indígenas, quilombolas e assentamentos perderam atenção médica com o fim do programa Mais Médicos e a presença dos médicos cubanos, únicos que se dispunham a atender essas comunidades.
- A adesão do governo Bolsonaro ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Felizmente contestado até por diversos países europeus e certamente será vetado pela Argentina pois colocava em risco não só a indústria brasileira e do Cone Sul, mas também a produção da agricultura familiar, de leite, queijos e vinho, entre outros produtos, pela liberação total da entrada de produtos europeus.
- A política de abandono da agricultura familiar teve consequências também na indústria de máquinas agrícolas. Em 2015, vendeu-se 262 tratores e, em 2019, foram vendidos apenas 46.457 tratores.
- O projeto de lei que pretende eliminar 1.247 pequenos municípios brasileiros. Com isso, dificultará o acesso da população interiorana mais pobre aos serviços de educação, saúde, de bancos e do correio, lá oferecidos.
Agradeço às contribuições recebidas de diversos companheiros/as que atuam como pesquisadores e especialistas nos diversos temas aqui abordados, e também nas assessorias no Congresso e instituições públicas.
(João Pedro Stedile)
por João Pedro Stedile, Dirigente do MST e da Frente Brasil Popular, é formado em Economia pela PUC-RS e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) | Texto original em português do Brasil
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