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Domingo, Dezembro 22, 2024

Os silêncios cúmplices do Governo e dos Partidos que o apoiam

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Estamos no rescaldo das eleições autárquicas em Portugal e do referendo na Catalunha, as duas notícias que têm ocupado a comunicação social. Enquanto (quase) todos se entretêm a analisar os resultados das eleições, a demissão ou não do Passos Coelho, as derrotas vendidas como vitórias, etc., observo o extremo e nada inocente silêncio em que o Governo de Costa e os Partidos que o apoiam se mantêm perante outras coisas que a todos nos deviam preocupar.

Para os leitores que possam porventura discordar, eu lembraria que, com o Governo de Costa e o apoio do PCP e do BE, a maior parte das organizações políticas, sindicais e cívicas deixaram de falar:

  • no euro e nas consequências absolutamente nefastas e inultrapassáveis que a pertença à moeda única acarreta para os países, como o nosso, com uma economia mais débil;
  • no valor da dívida pública (que não tem cessado de aumentar e atingiu em Agosto último o mais alto de sempre – 250,4 mil milhões de euros – e cujos juros anuais são astronómicos);
  • na preocupação obsessiva com o défice (agora concretizada através de truques como o das cativações das verbas e do disfarce contabilístico do custo da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos);
  • na ostensiva não revogação das chamadas reformas laborais da Tróica, sobretudo em matéria de facilitação e embaratecimento dos despedimentos (e que o Ministro Vieira da Silva já deixou claro que vão ficar intocadas);
  • na recusa governamental da diminuição dos impostos sobre quem trabalha e do aumento dos impostos sobre o capital;
  • no galopante aumento das importações e no assentar do alegado crescimento económico quase exclusivamente no aumento do turismo;
  • na não reversão efectiva de negociatas tão obscuras quanto lesa-pátria (como são os autênticos casos de polícia da destruição dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e da privatização e aniquilamento da TAP);
  • na mais vergonhosa submissão aos ditames dos eurocratas de Bruxelas em matéria de politica diplomática.

A este respeito, veja-se que o tão tacticista quanto cúmplice e intolerável silêncio do Governo e do Parlamento Português face ao que se passou na Catalunha: nenhum dos partidos ditos de esquerda apresentou qualquer proposta de moção ou resolução denunciando a ocupação e repressão policiais na Catalunha ou a posição oficial do PS e do Governo sobre as mesmas, sob o ignóbil argumento de que se trataria de questões do “foro interno do Estado espanhol”, o que consubstancia uma repugnante e cobarde atitude, absolutamente indigna de quem se diz democrata ou, mais ainda, de esquerda.

Como ontem, 4ª feira, na sua habitual crónica, refere Santana Castilho (a quem aqui cito com a devida vénia): Polícias a espancarem barbaramente civis que cometiam o «crime» de votar, que ensanguentaram cabeleiras brancas de mulheres que protegiam urnas de voto e que, a uma delas, partiram, um a um, todos os dedos de uma mão, são coisas do foro «interno do Estado espanhol»? Nove centenas de cidadãos europeus feridos pelas forças que existem para os proteger são coisas internas de um Estado-membro ou, antes, matéria civilizacional que a todos importa?

Ora não deveríamos era esquecer que quando os Povos se unem em torno de uma causa justa eles são invencíveis e não há ocupação nem repressão algumas, por mais odiosas e violentas que elas possam ser, que os consigam vencer.

Onde há repressão, há resistência e quem ousa sonhar livremente e lutar firmemente, seguramente vencerá!

Mas há mais!

O escandaloso caso da canibalização da TAP

É que o caso da TAP é, por seu turno, em absoluto paradigmático de onde conduzem a política do Governo do PS e os apoios do PCP e do BE: com efeito, com praticamente a única excepção da associação cívica Peço a palavra!, a questão do golpe da privatização foi enterrada pelo Executivo de Costa e chancelada com um acordo “à bloco central”, pondo na presidência da respectiva Administração o ex-governante do PSD Miguel Frasquilho e como vogais mais uns quantos boys como Diogo Lacerda Machado (o mesmo que está ligado ao ruinoso, para a TAP e para o País, negócio da compra da empresa de engenharia e manutenção no Brasil, a VEM)!

Só que agora é que, pelos vistos, se começa a tornar claro aquilo que desde o início a referida Associação Peço a Palavra! denunciou: o verdadeiro comprador, e por tuta e meia, e actual dono e senhor da TAP, é o mesmo Sr. David Neelman, o qual, à custa da mesma TAP, tratou foi de salvar a sua Companhia Azul que estava mesmo à beira da falência. Assim, a vinda para a nossa transportadora aérea, ainda por cima a preços exorbitantes e com encargos gigantescos de manutenção, dos aviões da Azul (que estavam praticamente parados no Brasil) foi um desastre para a TAP mas um óptimo negócio para a mesma Azul.

Depois, seguiram-se outras decisões de gestão no mesmo sentido por parte do dito Sr. Neelman, à cabeça das quais está o chamado code share ou partilha de rotas, permitindo desta forma à Azul passar a fazer voos que até aqui sempre tinham sido operados pela TAP (e de que é exemplo o voo Lisboa/São Paulo).

E logo a seguir a insólita, impune e directa concorrência à própria TAP em mais de duas dezenas de voos para destinos no Brasil, agora através da recente celebração pela mesma Azul, com a Companhia de Aviação alemã Condor, de um acordo de parceria nesse sentido.

Desta forma, à custa da TAP e nas barbas do Governo, a Azul passou de um prejuízo de cerca de 90 milhões de euros e da obrigação de devolver, por não os conseguir pagar, de, pelo menos, 20 dos 140 aviões da sua frota para resultados francamente positivos e aumentos drásticos nas suas receitas (em 2016 atingiu os 6,6 mil milhões de euros), tendo mesmo conseguido passar a ser cotada na bolsa.

Entretanto, David Neelman, para completar este plano de completa canibalização da TAP, prepara-se para trazer para a Administração dois dos seus homens de mão e actualmente administradores da Azul: Antonaldo Neves, que deverá suceder a Fernando Pinto como CEO da Empresa, e Neng Li.

E agora é a própria Parpública (a holding do Estado) que, desmentindo por completo as gongóricas declarações do Ministro Pedro Marques e do Primeiro-Ministro António Costa aquando do “negócio” com Neelman e Pedrosa, vem, no relatório de contas acabado de apresentar,  reconhecer, preto no branco, que afinal o Estado Português “apesar de deter 50% dos direitos de voto na TAP, não detém o controlo” desta! Ou seja, a solução “milagrosa” de manter a privatização golpista serviu foi para o mesmo Sr. Neelman salvar a Azul e enterrar a nossa companhia de bandeira.

Face às consequências desastrosas de tudo isto para a TAP, a gestão desta tem procurado diminuir as despesas e aumentar as receitas das formas mais inconcebíveis, ilegítimas e, mesmo, ilegais. Assim, primeiro tentou forçar os tripulantes de cabine a violarem o Acordo de Empresa e a aceitarem fazer serviços comerciais a bordo (como refeições e vendas) apenas com as tripulações mínimas de segurança. Como os Tripulantes não cedessem, a TAP passou a não servir refeições (apesar do preço do bilhete incluir o respectivo custo), não chegando sequer a carregá-las e substituindo-as pelas caixas Grab & Go (com uma sandes de uma mistela mais ou menos intragável, um bolo e uma bebida de lata) e, por vezes e no caso dos voos em classe executiva para a Europa, por um voucher para uma refeição… em terra!

Não contente com isto, a TAP – cuja Administração mostra assim claramente querer transformá-la numa low cost cada vez mais regional, mas com condições e preços cada vez mais absurdos – tratou de implementar outras medidas como a limitação de malas, o encurtamento do espaço para os passageiros, a cobrança do valor pela mudança, feita online e pelo próprio passageiro, do respectivo lugar (chegando ao ponto de adoptar o truque de fazer a reserva de casais em lugares separados para obrigar um dos passageiros a esportular a taxa da mudança).

E, sobretudo, cobrando, em particular nas rotas onde não tem efectiva concorrência directa (como é o caso das Regiões Autónomas, em especial da Madeira), preços absolutamente exorbitantes e especulativos (por exemplo, mais de 500€ numa ida e volta para o Funchal ou Porto Santo em classe económica) os quais, se tivéssemos uma Autoridade Nacional da Concorrência e uma Autoridade Nacional da Aviação Civil a sério, já teriam metido polícia e cadeia como acontece aos pequenos especuladores que vendem bilhetes a preços especulativos à porta dos estádios ou dos concertos. A TAP chegou mesmo ao ponto de criar 4 subclasses dentro da classe económica, sendo que a 1ª e a 2ª estão sempre esgotadas mas em que a lógica é a de o passageiro mais barato viajar apertado e encafuado no fundo do avião sem direitos ou regalias de qualquer espécie.

A destruição à vista e a forma de a evitar

Ora, não obstante tudo isto, os resultados estão afinal à vista – a TAP que, para “poupar” de qualquer maneira, tem sempre querido “fazer omoletes sem ovos”, ou seja, fazer a operação sem os trabalhadores necessários, agora e para não parar a mesma operação, já teve de contratar este ano cerca de 500 trabalhadores. E até ao final de 2017 prevê contratar mais cerca de 700, a grande maioria tripulantes.

E, por outro lado, o Grupo TAP, só nos primeiros 6 meses deste ano, já apresentou um resultado líquido negativo de 52 milhões de euros (em 2016 fora de 27,7 milhões).

Os exemplos da Ryannair e da Monarch estão aí para demonstrar onde conduz esta lógica do very low cost e do very high profit, ou seja, a de Companhias brancas sem qualidade e onde se busca, a todo o transe e por toda sorte de expedientes, o máximo lucro. É nisto que a TAP se está a transformar e irá inevitavelmente tombar se a “privataria” golpista e ilegal de que foi objecto não for totalmente revertida e destruída e os seus autores devidamente responsabilizados.

E este é igualmente um imperativo, não só de desenvolvimento, mas também de soberania e independência nacional.

Contra todos os silêncios cúmplices e oportunistas.

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