PARTE III
É óbvio que cinquenta anos volvidos sobre o Maio de 68 os seus intervenientes apresentem e defendam pontos e vista diferentes, embora possa ser difícil entender alguns deles, convém não esquecer que a grande novidade daquele movimento foi precisamente a de introduzir uma abordagem de libertação do pensamento.Se ninguém poderá negar, qualquer que seja a sua orientação político-filosófica, a importância do movimento social que ficou conhecido como o Maio de 86, já não é de estranhar que cinquenta anos volvidos os seus participantes (os soixante-huitards, forma de designar as pessoas que participaram nos acontecimentos do Maio de 68, ou mais abrangentemente aqueles cujos ideais são aparentados com os daquele movimento) e os seus herdeiros se envolvam em polémicas mais ou menos acesas sobre os respectivos efeitos e a actuação perante estes, polémica que se tem estendido até aos próprios soixante-huitards que hoje se alinham em posições diferentes.
É óbvio que cinquenta anos volvidos sobre o Maio de 68 os seus intervenientes apresentem e defendam pontos e vista diferentes, embora possa ser difícil entender alguns deles, convém não esquecer que a grande novidade daquele movimento foi precisamente a de introduzir uma abordagem de libertação do pensamento.
Enquanto em França se regressa ao debate em torno do Maio de 68 e alguns dos seus intervenientes defendem agora pontos de vista diametralmente opostos, esgrimindo argumentos que vão do quase revisionismo de André Glucksmann (era em Maio de 68 investigador do CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique (Centro Nacional para a Pesquisa Científica) como especialista de guerra de dissuasão e estratégia nuclear; foi fundador dos think tank Cercle de l’Oratoire – grupo de opinião francês surgido após o 11 de Setembro de 2001, difusor de opiniões atlantistas e próximo dos neoconservadores – e do neoconservador PNAC (Project for the New American Century) e apoiante de Nicolas Sarkozy; em diversos trabalhos desde então publicados as suas opiniões foram derivando desde o maoísmo inicial até ao apoio à invasão americana do Iraque) até ao triunfalismo de Daniel Cohn-Bendit, talvez a figura mais mediática, associada ao Maio de 68, que de estudante universitário da época, tido como próximo das correntes anarquistas, é hoje eurodeputado pelo partido verde alemão, no qual ajudou Joschka Fischer a tornar-se vice-chamceler e ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha entre 1998 e 2005.
Por ocasião do 40º aniversário do Maio de 68, este conhecido activista da época publicou a sua visão daqueles acontecimentos sob o título «FORGET 68», no qual assegura que o Maio de 68 ganhou culturalmente e perdeu politicamente, mas que o mais importante foi aquela vitória, Glucksmann – que há alguns anos se tem vindo a aproximar das teses neoconservadoras – assume que o Maio de 68 foi o principio da superação do pensamento marxista e que o seu verdadeiro espírito se encontra hoje entre aqueles que o querem ver enterrado.
Muitas são as opiniões e os pontos de vista que ao longo de cinquenta anos têm sido produzidos e difundidos sobre o Maio de 68 (ou sobre a verdadeira revolução cultural que o mundo ocidental viveu nos finais da década de 1960), quer sob a forma de texto quer sob outras como o cinema e a música (não resisto a recordar aqui o filme «The Big Chill» de Lawrence Kasdan, exibido em Portugal sob o título «Os Amigos de Alex», e muitas das composições de Léo Ferré, que a par do seu contemporâneo Jacques Brel foi um dos grandes nomes da canção francesa e que canções como “Thank You Satan,” “Mon Général” e “Ni Dieu, Ni Maître” transformaram em ícone da geração do Maio de 68), mas parece-me especialmente adequado terminar com uma citação dum velho artigo de José Gil (filósofo e pensador português natural de Moçambique, concluiu a licenciatura em Filosofia na Faculdade de Letras de Paris, na Universidade da Sorbonne, em 1968; professor universitário em Portugal e França é também autor de diversas obras, artigos e ensaios científicos, e que em 2005 foi considerado pela revista francesa Le Nouvel Observateur como um dos 25 grandes pensadores do mundo) numa edição da revista Visão de 2008:
…talvez a característica mais singular de Maio de 68 seja a de ter mostrado que as aporias da história eram falsas: foi possível trabalhar, conviver, desejar, amar intensamente 24 horas por dia; realizar uma comunidade deixando toda a liberdade ao indivíduo; desenvolver relações humanas intensas, criativas, numa sociedade altamente desenvolvida (no plano científico, tecnológico, económico, etc.); conceber e realizar um outro ensino, uma outra educação, outros circuitos de produção e distribuição artística, teatral, cinematográfica. Milhares de estudantes e artistas trabalharam horas e horas durante um mês e forjaram esses novos projectos, alternativas democráticas realistas, exequíveis, economicamente possíveis. Montes de documentos foram produzidos – demonstrando que o impossível era o real.»
Foto: La Voix du Nord
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