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Sábado, Abril 19, 2025

Otto Preminger morreu há 30 anos

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Tal como Fritz Lang, Billy Wilder, Ernst Lubitsch, Joseph von Sternberg e tantos outros oriundos de famílias judaicas, também o austríaco Otto Preminger acabaria por encontrar nos EUA uma espécie de ‘terra prometida’ que o ajudaria a impor-se como uma das maiores referências do cinema da altura. Nesse domínio, Preminger foi um dos que mais tabus ajudou a quebrar e a promover um ponto de vista ao mesmo tempo progressista e profundamente liberal. Ainda que isso lhe valesse diversas acções judiciais e invectivas da censura.

Em boa hora, o festival de cinema de Istambul promoveu uma oportuna retrospectiva dedicada a este vulto enorme do cinema. Se bem que um dos riscos de exibir uma mostra de alguns dos mais relevantes filmes de um realizador com o estatuto de Otto Preminger, em cópias verdadeiramente imaculadas, é o de gerar uma apetência capaz de rivalizar com a restante programação festivaleira. Apesar dos escassos dias de participação no festival, cerca de uma semana, não deixámos de descobrir ou rever algumas das grandes fitas de um dos cineastas mais ousados do cinema americano.

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Laura (1944)

Mesmo para quem o nome do autor de ‘Laura’, ‘Rio Sem Regresso’, ‘Anatomia de Um Crime’ ou ‘Carmen Jones’ não seja, ‘muito lá de casa’, como diria João Bénard da Costa, o seu estatuto de personagem ‘incómoda’ em Hollywood foi recuperado ainda recentemente em ‘Trumbo’, quando Preminger aparece para creditar Dalton Trumbo no seu Exodus, como forma de eliminar os resíduos das suas inscrições na Lista Negra, os Código de Hayes, onde foram acusados de ligações anti-americanas.

Um pequeno ciclo que ganha ainda mais relevo por decorrer na Turquia, onde permanece acesa a luta contra uma certa asfixia da liberdade de expressão. Sintomático foi ainda perceber a sua ousadia política em fazer assumir na personagem de Henry Fonda, em Advise and Consent, o homem indigitado pelo Presidente americano para ser o seu Secretário de Estado para os assuntos internacionais, um homem que acabará por confessar ter tido “simpatias comunistas”, mas ainda mais, ter a ousadia de incluir os arriscados elementos de homossexualidade velada na personagem interpretada Franchot Tone. Ou ainda a magia do film noir que sobrevive bem ao tempo, em Laura, com a lindíssima Gene Tierney, talvez melhor que Where the Sidewalk Ends, apesar de não deixar de ser um dos expoentes do noir.

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Bunny Lake is Missing (1965)

O deleite de Marilyn e Robert Mitchum na descida do Rio Sem Regresso ou a avaliação dos critérios morais no controverso Anatomia de um Crime, com um James Stewart em grande forma, a mostrar uma vez mais a audácia de Preminger em trilhar terrenos de forte ousadia. Ou ainda a saborosa descoberta de Bunny lake is Missing, um dos filmes esquecidos de Preminger, que rodou em Inglaterra, mas que acabou por se tornar num dos grandes filmes de cultos dos anos 60, com Laurence Olivier e Carol Lynley. Ainda hoje percebe-se como é um filme que não envelheceu.

Talvez devido aos seus conhecimentos de licenciado em Direito, Preminger nunca teve receio de enfrentar os estúdios e a censura para impor a sua independência e o seu trabalho tal qual foi idealizado. E foi ele mesmo que, em 1954, encorajou o francês Jacques Rivette a escrever.

Nos 30 anos da morte de Otto Preminger (23 de abril de 1986), vale a pena revisitar a sua filmografia, procurar os seus filmes (muitos deles disponíveis no youtube) e perceber a sua capacidade para ir para além dos géneros e criar uma obra vincada pela diversidade e conseguir impor-se fora do sistema dos estúdios de Hollywood. Apesar disso não impedia que Otto fosse considerado um dos realizadores mais autoritários no set, chegando a valer-lhe mesmo a alcunha de “Otto o Terrível”. Ainda assim, isso não abala o imenso respeito que sempre teve com a sua obra, as personagens, afinal de contas aquilo que mais privilegiou durante a sua carreira.

Na dezena de filmes selecionados destaca-se a qualidade das cópias em DCP, o contraste dos negros profundos e a convicção da atualidade de grande parte do arrojo presente nos seus filmes. Ou simplesmente o seu encanto cinéfilo. Sem dúvida, Preminger, é um nome para a eternidade. E possivelmente um rio sem regresso.

 

Os filmes exibidos durante o festival:

  • Laura (1944)
  • Where the Sidewalk Ends (1950)
  • River of No Return (1954)
  • Anatomy of a Murder (1959)
  • Bonjour Tristesse (1958)
  • Bunny Lake is Missing (1965)
  • Advise and Consent (1962)
  • The Cardinal (1963)
  • The Man Withe The Golden Arm (1955)
  • Saint Joan (1957)

 

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