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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

Ousar pensar!

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A actual situação excepcional em todo o mundo, o pânico deliberadamente criado, a restrição das liberdades civis, a selecção entre cidadãos idosos e doentes e a crise económica, que poderá levar milhões de pessoas ao desemprego e ao desespero, à fome e finalmente à morte, exigem que todos nós precisamos ser sensatos para destrinçarmos entre verdade e mentira e agir em conformidade.

Os acontecimentos do século passado revelam, como os de hoje, que não são apenas as pessoas “simples” que fracassam na resistência contra o totalitarismo e o fascismo, pois os intelectuais também falharam em cumprir as suas responsabilidades, apesar de uma melhor educação académica que lhes deveria ter dado a oportunidade de obter perspectivas mais assertivas sobre os contextos políticos, económicos e sociais. A actual situação excepcional em todo o mundo, o pânico deliberadamente criado, a restrição das liberdades civis, a selecção entre cidadãos idosos e doentes e a crise económica, que poderá levar milhões de pessoas ao desemprego e ao desespero, à fome e finalmente à morte, exigem que todos nós precisamos ser sensatos para destrinçarmos entre verdade e mentira e agir em conformidade.

Com a Era do Iluminismo (séculos XVII e XVIII) as pessoas começaram a libertar-se da credulidade e da autoridade arbitrária, associada ao pensamento medieval, e a pensar que os seus assuntos deveriam ser guiados numa perspectiva de emancipação (ou de liberdade de acção pessoal) e racionalidade.

Volvidos quase três séculos, a maioria continua a julgar mais confortável seguir as orientações de uma autoridade ou de um líder, preferindo concordar com os supostamente poderosos e os seus meios de comunicação de massa sem sentir dúvidas ou escrúpulos morais em se referir à suposta infalibilidade do poder, para tanto contribuindo o facto de não ser fácil pensar pela sua própria cabeça e assumir as responsabilidades que daí podem advir, especialmente quando as dúvidas assaltam quem genuinamente procura a verdade e ainda mais quando as verdades desagradáveis parecem entrar em conflito com os poderosos e com o politicamente correcto.

Vem tudo isto a propósito da situação que o Mundo vive actualmente com a pandemia da covid-19 e a catadupa de informações com que diariamente somos assoberbados, desde os comentários ou desabafos dos profissionais que nos serviços de saúde tentam minorar os seus efeitos, dos responsáveis nacionais e locais que tentam (ou não) tranquilizar as populações, até às estatísticas dos infectados e dos falecidos que, pela televisão ou pela internet, nos entram pela casa adentro.

Claro que ninguém será normalmente insensível ao sofrimento que todas estas imagens transmitem e ainda menos contestar a opção pelo incentivo ao isolamento social e à contenção, mas importa olhar além delas e de algum sensacionalismo informativo para procurar entender o que realmente se estará a passar quando constatamos que nos trinta dias decorridos após o primeiro óbito se atingiu um total de 209 mortes provocadas pela covid-19, número que compara favoravelmente com a média mensal de 310 mortes ocorridas no país em 2018 (último ano para o qual existem estatísticas disponíveis no Portal Pordata), que mais de 3.000 pessoas terão morrido no Inverno de 2018/19 em Portugal devido à gripe comum ou quando a nível global a China reporta pouco mais de 83.000 infectados em cerca de três meses e os EUA, com uma população que será pouco mais de 20% da população chinesa, apresenta num mês quase o triplo de cidadãos infectados e mortos; isto para não falar na UE que já regista mais de meio milhão de infectados e um número de óbitos que é 12,5 vezes superior ao chinês.

As razões para esta disparidade não podem explicar-se apenas pela maior ou menor fiabilidade da informação fornecida por americanos, europeus e chineses. Ela terá sempre que passar por outras razões que, além do acentuado envelhecimento das populações ocidentais, poderão até ser de natureza cultural ou social – por exemplo a maior ou menor propensão para acatarmos instruções que limitem o nosso livre arbítrio – mas também de natureza económica e organizacional. O governo de Pequim poderá ter agido tarde na decisão de confinar as populações da província de Wuhan – um importante nó de comunicações e uma das suas províncias mais industrializadas – mas quando o fez isso teve apenas um pequeno efeito negativo na estrutura produtiva do país e na sua capacidade para apoiar sanitariamente a região mais afectada; ao contrário a Europa e os EUA dependem largamente das importações chinesas – a ponto de já se falar que uma guerra das máscaras cria tensões entre aliados – para suprir as suas necessidades de equipamentos médicos e sanitários que as políticas de deslocalização da produção industrial e a redução de investimentos públicos em infra-estruturas de saúde e em stocks de equipamentos vinham a degradar há vários anos.

A fragilidade das economias ocidentais é tal que todos os governos terão adiado as medidas de contenção e isolamento que pudessem prejudicar o turismo de lazer e comercial (mais um sinal da extrema dependência do sector terciário), fragilizando-as ainda mais, e isso terá ajudado à rápida propagação de um vírus que a moderna globalização e a existência de uma vasta rede de transporte mundial não poderia senão espalhar como fogo em palha seca.

A situação sanitária e o desespero ocidentais estão a levar os governos a posições cada vez mais autárcicas, cujo epítome pode ter sido a recente notícia de que o presidente norte-americano terá tentado assegurar o exclusivo para o seu país de uma vacina em desenvolvimento na Alemanha, enquanto na própria UE continua a pontificar o espírito de cada um por si e é cada vez mais evidente que a crise da covid-19 volta a expor as velhas divisões da UE, enquanto tardam as verdadeiras medidas de combate à especulação sobre os preços, especialmente as dos produtos básicos e os dos equipamentos e produtos sanitários, ou até a coragem para implementação de verdadeiras políticas de fomento de sectores industriais estratégicos.


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