O anúncio, no início deste mês, da decisão de Bruxelas limitar o preço do petróleo russo justifica o regresso ao debate em torno da política das sanções económicas, dos seus reais objectivos e da sua eficácia.
Em resposta ao agravamento do conflito ucraniano, com a entrada em acção das forças russas num Donbass que há uns anos suportava uma situação de guerra civil de baixa intensidade, o Ocidente (EUA e Europa) tem-se desdobrado numa política de aplicação de sanções económicas à Rússia, cujo conteúdo, enquadramento e possíveis resultados tem sido objecto de variadas notícias e comentários. Em Março deste ano (numa rápida referência aos casos mais conhecidos), lembrei aqui a reduzida eficácia da opção, salvo, talvez, o caso da África do Sul; poderia na ocasião ter referido ainda o resultado da sanção económica, expressa no embargo petrolífero imposto pelos EUA ao Japão no dealbar da II Guerra Mundial que, longe de conter as intenções nipónicas, muito terá contribuído para o acelerar do processo expansionista que os levaria a ocupar a maior parte do sudeste asiático.
Quase um século volvido sobre este acontecimento, parece que pouco ou nada se aprendeu sobre a matéria e assim chegamos a uma heroica e decisiva medida com a Europa a fixar o preço máximo do crude russo em 60 dólares por barril, prontamente rejeitada por Moscovo, que já declarou que não irá vender crude a nenhum país que aplique aquele limite e que recorrerá a petroleiros que não operam com seguros ocidentais (a sanção prevê principalmente limitações de natureza financeira), e igualmente criticada pelos ucranianos, que a consideram insuficiente.
Como se tem visto, os efeitos destas medidas têm sido, no mínimo, contraditórios, com a economia russa a não revelar grandes sinais de desgaste, ao contrário da vaga inflacionista que se instalou nas economias europeias e o real efeito da mais recente medida sancionatória sobre o crude russo já começa a ser vista por analistas ocidentais como mais prejudicial à própria Europa e até potenciadora do incremento das transacções com a Índia e a China, países não incluídos no G7 e que se têm mantido em silêncio sobre o novo quadro sancionatório.
Tão pouco falado no Ocidente quanto têm sido saudados e aplaudidos os pacotes de sanções económicas, é o facto de grandes compradores de crude, como a China e a Índia, nunca terem manifestado o menor apoio ao boicote como o seu insucesso estará directamente associado à capacidade dos visados contrariarem as medidas mediante o recurso a soluções criativas e de engenharia financeira, muito facilitado pelo sofisticado sistema de offshores e shadow banking tão caro e necessário a uma economia ocidental completamente dependente do modelo de financeirização. É assim que Teerão tem vindo a contornar as sanções que continuam a ser-lhe impostas a pretexto do seu programa nuclear, que já terão levado à construção de uma rede financeira clandestina – mediante a criação de um universo paralelo de empresas de fachada e de bancos estrangeiros que incluem grandes instituições financeiras sediadas na Europa e nos EUA, cobertas pelas mais rigorosas medidas de controlo e pelos mais sofisticados sistemas informáticos para erradicar transações suspeitas, mas completamente impotentes sob pena de estrangularem as suas próprias fontes de receita – que as empresas iranianas usam para ludibriar o controlo ocidental e manter os seus negócios no exterior.
Se Moscovo conseguir copiar o sistema iraniano (e nada aponta em sentido contrário), pode atenuar o impacto de muitas das sanções que enfrenta, especialmente as orientadas para a espinha dorsal da sua economia, o poderoso sector do petróleo e do gás, assegurando condições para manter o esforço militar – o que parece confirmado pela recente notícia de que, apesar das sanções, a Rússia usou na Ucrânia mísseis recentemente fabricados – e o fluxo de receitas do petróleo.
As ligações e proximidade entre Moscovo e Teerão não constituem novidade – serão até anteriores à sua colaboração na guerra síria – e, em resposta às sanções económicas ocidentais, estarão a estreitar-se no sentido do recurso ao Irão como via de exportação para o petróleo russo, enquanto no Ocidente se especula sobre conversações entre russos e iranianos e sobre o fornecimento de drones iranianos, no meio da onda de protestos iniciados com a morte de Mahsa Amini, que Teerão vê como manobra ocidental no quadro da questão nuclear e da sua proximidade com a Rússia.
Mas, apesar de toda a evidência da improcedência e dos malefícios que têm resultado para a própria Europa, a inefável Von der Leyen já anunciou um nono pacote de sanções para apertar o garrote à economia russa…