Nesta quinta (05/11), o Brasil assistiu uma onda de lama, literalmente, varrer um distrito (Bento Rodrigues) do mapa de Mariana, cidade localizada no histórico “quadrilátero ferrífero”.
A enxurrada, causada pela destruição de duas barragens, seguirá até a próxima semana e, além das vítimas na população, pode arrasar de vez a economia local.
O quadrilátero ferrífero evoca uma região no centro-sul do estado de Minas Gerais que já foi considerada a maior produtora nacional de minério de ferro. Hoje, a região concorre à dianteira na produção com a Serra dos Carajás (Pará) e o Maciço de Urucum (Mato Grosso do Sul). Em breve, pode ter que buscar outra matriz econômica para sobreviver. “A Vale falou bem claro na prefeitura esta tarde, ´nosso foco é Pará´”, declarou Flávio Andrade, secretário municipal de governo de Ouro Preto, uma das principais cidades do quadrilátero, vizinha a Mariana.
O anúncio não é oficial e jamais será, mas é mais do que crível. Flávio Andrade explica que o “sinal amarelo” acendeu no ano anterior: “A tonelada do ferro, que já valeu 190 dólares, atualmente é cotada a 55 dólares. Durante a Semana Santa (período de feriado prolongado no Brasil) chegou a cair para 36 dólares”.
A Vale, dona de 50% da Samarco – mineradora que opera nas duas barragens destruídas – precisa gastar mais para produzir em Minas, porque o minério local exige beneficiamento (o do Pará tem qualidade superior) e uma logística mais onerosa de escoamento (Minas é um dos raros estados brasileiros que não tem litoral, por isso o ferro tem que ser embarcado no vizinho Espírito Santo).
Flávio acredita que a Samarco – mineradora que atua na cidade de Ouro Preto desde 1977 – pode mesmo fechar as portas. A empresa já havia anunciado férias coletivas para dezembro: “Eles (Samarco) estão com cinco navios, carregados de ferro, atravessando o oceano e ainda não sabem para quem irão vender a produção”.
A incógnita tem a ver com a competição mundial pela venda de ferro. O Brasil é o segundo maior produtor mundial, mas o país não tem controle sobre as mineradoras, que estão associadas majoritariamente a empresas estrangeiras.
A própria Vale, a maior do país, nasceu estatal com sede em Itabira, no quadrilátero mineiro, mas hoje é internacional. Foi privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso por um preço que correspondia a um terço do seu lucro. Para alguns, esse foi mais um custo da reeleição a qualquer preço presidencial.
Logicamente não cabe aqui falar sobre partidos, privatizações, presidentes do Brasil, mas a referência torna-se importante para compreender em que dimensões Minas Gerais, o estado, encontra-se ameaçado.
Pará, o foco da Vale nesse momento, é um estado marcado pelo atraso político em função da própria história de colonização. A população é mais pobre em relação à da região sudeste. Por outro lado, o estado é tão rico em recursos naturais como Minas Gerais no tempo do ouro; tem um litoral privilegiado, fronteiriço com Piauí – outro continente dentro do Brasil à espera de novos e esfomeados exploradores –; e densidade populacional pelo menos quatro vezes menor, na média, do que a do quadrilátero. O que garante que tragédias do tipo que estamos enfrentando não ocorram. Ou, caso ocorram, vitimem menos pessoas e causem, consequentemente, menos alarido na mídia nacional e mundial.
Flávio Andrade acredita que o número de vítimas não ultrapassará o inicialmente previsto pela própria Samarco. O saldo oficial ainda é de um morto, mas há nova vítima encontrada: “Temos ainda cerca de 13 desaparecidos nas barragens, mais 18 moradores, entre esses, cinco crianças. Uma delas foi encontrada morta hoje, Thiago, 7 anos”, afirma.
A ironia é a atualmente deficitária Samarco ter anunciado, em 2013, a expectativa de prolongar o trabalho por, pelo menos, mais 40 anos nas unidades Alegria e Germano, situadas na divisa de Ouro Preto e Mariana, graças ao excelente desempenho no ano. Em dois anos tudo mudou? Prova de que o interesse financeiro por mais lucro ao menor investimento dita a estratégia?
Quase 25 mil piscinas olímpicas de lama
Cerca de 500 pessoas ficaram desalojadas e foram resgatadas pelo Corpo de Bombeiros. Eles abandonaram as casas e fugiram para partes altas do distrito, mas afirmaram que nenhum sinal de alerta foi emitido.
O Serviço Geológico Brasileiro alertou 15 cidades nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo para o risco de enchente devido à onda de cheia vinda do rompimento das barragens em Mariana (a 115 km de Belo Horizonte). A previsão é de que o volume de lama e rejeitos despejado pelas barragens de Fundão e Santarém cheguem segunda-feira (9) a Linhares, no Espírito Santo.
A Samarco informou que cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram liberados com o rompimento das barragens, o suficiente para encher 24.800 piscinas olímpicas. A lama, segundo a mineradora, é composta, em sua maior parte, por areia e não apresenta nenhum elemento químico danoso à saúde.
A enxurrada que cobriu o vilarejo já passou pelos rios Gualaxo do Norte e do Carmo e desaguou no rio Doce. O alerta foi disparado para as cidades de Ponte Nova, Nova Era, Antônio Dias, Coronel Fabriciano, Timóteo, Ipatinga, Governador Valadares, Tumiritinga, Resplendor, Galileia, Conselheiro Pena e Aimorés, em Minas Gerais, e Baixo Guandu, Colatina e Linhares no Estado do Espírito Santo.
A ANA (Agência Nacional de Águas) informou que está fazendo avaliação de impacto ambiental para ver como e quanto as populações das cidades próximas onde houve o rompimento da barragem serão afetadas. A ANA fará ainda um plano de avaliação e trabalho para tentar encontrar uma forma de diminuir o impacto.
Texto original em português do Brasil