Muitos disseram, mais de uma vez: que Bolsonaro vai tentar melar a eleição para evitar a derrota, está claro. O que não sabemos é se fará isso antes ou depois do pleito.
Mais recentemente eu disse algumas vezes: acredito que será antes, e não depois de ser derrotado. Trump deu-se mal porque tentou seu golpe depois de declarada a vitória de Biden. Nem seu vice o apoiou, militares, nem pensar.
O que vimos nas últimas horas foi o ensaio mais claro da articulação entre Bolsonaro e os militares para conturbar a eleição ao ponto de impedir a vitória e a posse de Lula.
Uma novidade é que o general Paulo Sérgio, depois que se tornou ministro da Defesa, aliou-se a Bolsonaro nessa empreitada. Ele não era o preferido para comandar o Exército, quando Bolsonaro derrubou toda a cúpula das Forças Armadas. No cargo, divergiu em pelo menos duas vezes do presidente. Desagradou-o com suas medidas corretas de combate à pandemia nas fileiras do Exército, e quando quase abriu processo disciplinar contra o ex-ministro da Saúde, general Pazzuelo. Bolsonaro vetou, ele cedeu. E agora, está claramente alinhado a Bolsonaro na articulação contra o processo eleitoral. Lembremos que há poucos dias assinou sozinho dura nota contra o ministro do STF, Roberto Barroso, por ter este afirmado que as Forças Armadas estão sendo orientadas a desacreditar o sistema de votação.
Nas últimas horas houve o seguinte, recordemos:
- Na semana passada Bolsonaro sugeriu que as Forças Armadas façam uma apuração paralela da votação. E com isso, acendeu luzes amarelas para todo lado.
- O presidente do STF e o do Senado se reuniram e firmaram uma espécie de alianças em defesa do STF (afrontado pelo presidente com a graça concedida ao condenado deputado Daniel Silveira) e da garantia de eleições livres, limpas e transparentes, sob o comando do TSE.
- Em seguida o ministro da Defesa visitou os presidentes do STF e do Senado afirmando que as Forças Armadas estão comprometidas com a democracia e querem colaborar com o processo. Como, não disse.
- Ontem o ministro da Defesa fez novo movimento, enviando ofício ao ministro Fachin, presidente do TSE, em que cobra a divulgação das sete sugestões de aprimoramento da eleição apresentadas pelos militares, através de seu representante na Comissão de Transparência Eleitoral (TCE) do tribunal, general Heber Garcia, que também vinha fazendo a cobrança. Qual foi a medida mais importante que sugeriram? Tudo indica que seja a apuração militar paralela, o que seria a intervenção pura e simples no processo, a desautorização do TSE. E sabe-se lá o que decorreria disso. Discrepâncias que dariam pretexto para a anulação? Tudo é possível, nesta altura.
- Sintonizadamente, à noite Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas não assistirão passivamente ao pleito e que seu partido, o PL, contratará auditoria independente para conferir o resultado. Auditorias independentes atuam depois do resultado eleitoral confirmado, nunca antes. Não se sabe exatamente o que ele pretende.
Então, Bolsonaro e militares estão jogando juntinhos e concatenados, dando razão a Barroso.
Agora olhemos para as notícias que vieram do hemisfério norte, e especialmente daquele país que sabe tudo o que se passa no mundo.
- Comitê de direitos humanos da ONU confirma que Lula foi julgado indevidamente, por juiz parcial, tendo direitos violados, com violação da privacidade e subtração do direito político de concorrer à Presidência em 2018.
- A revista Time traz Lula na capa, irritando profundamente o bolsonarismo. E até a mídia.
- A agência Reuters vaza notícia de que emissários da CIA recomendaram a interlocutores do governo brasileiro que Bolsonaro deixasse de desacreditar o pleito.
- Porta-voz do Departamento de Estado diz que os EUA reconhecem o histórico brasileiro de eleições justas e transparentes e que confiam nas instituições brasileiras.
Ingerência, gritam à esquerda. A CIA realmente não tem nada que se meter em nossa eleição e todos sabemos o que os EUA já fizeram no mundo, em matéria de ingerência. Mas não dá para negar que tudo o que veio do hemisfério norte recentemente ajuda Lula e desajuda Bolsonaro. Não estou dizendo que Biden esteja querendo ajudar Lula, mas nada indica que uma tentativa de golpe contra as eleições no Brasil teria apoio americano. Golpes de Estado na América Latina sempre contaram com a ação do big stick.
Estamos, pois, na antessala do projeto de Bolsonaro de melar a eleição antes que ela aconteça. As instituições serão testadas e a sociedade civil precisa sair da inércia. E a democracia brasileira precisará, como nunca depois de 1988, do apoio internacional, venha ele da UE, dos EUA ou de organizações multilaterais. Não por acaso o TSE está convidando oito instituições estrangeiras para acompanhar o pleito. Ele tem que acontecer e a soberania popular terá que ser respeitada. Este é o imenso desafio que temos pela frente.
Texto original em português do Brasil