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Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

A paixão pelo impensado

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Ahmed Mohamed Al-Tayeb

A agência de notícias Lusa, entrevistou o reitor da maior universidade islâmica do mundo. Na conversa, Ahmed Mohamed Al-Tayeb, sheik da universidade de Al-Azhar, no Cairo, apela aos imãs portugueses que frequentem um curso de formação capaz de desmontar as ideias radicais ou extremistas. É sua convicção, como é também da maioria dos pensadores do mundo islâmico, que a mensagem do Islão está a ser deturpada por vários movimentos sectários.

A instituição que lidera é a maior do género no mundo islâmico. E lançou um programa especial e o desafio: “Espero que os imãs de Portugal nos dêem a honra de vir cá e estudar, durante dois meses, como apresentar o Islão correto em Portugal para que os muçulmanos se tornem verdadeiros cidadãos no tecido da sociedade portuguesa”. Foi o que afirmou Ahmed Al-Tayeb à Lusa.

Enquanto leio isto, chega-me uma encomenda internacional. Vem da Colômbia. E por mais que não o queira, obriga-me a criar um nexo entre os dois acontecimentos: a entrevista de Ahmed Mohamed Al-Tayeb e esta saborosa prenda colombiana.

Começo por esclarecer: liga-me uma saborosíssima memória e uma profunda simpatia à Universidade dos Andes. Sim; na Colômbia. Não entendo o espanto. Sempre que falo da Colômbia o preconceito instala-se. Não quero falar agora dessa experiência, a de que me põe em luta com mais um dos muitos limites culturais dos nossos tempos, os pré-julgamentos, mas resume-se: gostei muito da minha experiência colombiana, dos colombianos, dos amigos que fiz lá e que mantenho, dos que foram ouvir-me e questionar-me na altura.

Uma das coisas que mais me espantou localmente foi a mobilização intensa em torno da cultura e da escolaridade, vectores que estão a mudar radicalmente a face do país (o nascimento de muitas escolas, a melhor pública é aquela onde Shakira, a vedeta da música, tem investido o seu dinheiro, e de muitas escolas médias e superiores, politécnicos e universidades onde nós, professores, permutamos o que melhor temos) e a gerar uma nova Colômbia, capaz de afirmar-se numa fase seguinte da sua muito marcada história.

Desde então, passaram-se poucos anos mas foram-se somando irremediavelmente, tenho recebido inúmeros documentos, quase todos preciosos, da produção académica local. Digo apenas: poucos estudiosos levarão tão a sério o estudo da literatura portuguesa – e, entre os nossos, os nossos maiores como Fernando Pessoa ou o poeta filósofo Eduardo Lourenço.

Sem mais detalhes, um dos últimos documentos que me mandaram, tem, lá pelo meio, um título que sempre me cativa: a paixão pelo impensado. Creio mesmo que é a única que me move, apesar de gostar de pensar e de tentar rodear-me sempre daqueles que pensam – ausentes ou presentes. É que a paixão pelo impensado pode conter, potencialmente, as soluções para alguns dos maiores problemas dos nossos dias. Não tanto pelo que releva do afetivo, mas por poder gerar novos pensamentos.

Se o século XX rebentou de uma forma ineficaz mas radical com as ideologias, destruindo utopias quando lhes deu poder – e o poder não é a gestão das ideologias mas a sua apropriação -, o século XXI movimenta-se como o fantoche de luva sem braço que o sustenha: falta-nos uma alternativa. Falta-nos uma confiança no que somos.

Há algo de impensado que desejamos. Um impensado, portanto, que nos conduza a novos portos. E devíamos promover e estimular essa paixão. Criar laboratórios de pensamento, onde sobretudo as novas gerações produzissem tempestades cerebrais capazes de as guindarem à vida mais adiante.

Esta mesma ideia – a de estimular o pensamento – faz parte dessa paixão. E denota o impensado. A prioridade nos nossos tempos é uma coisa muito mais mesquinha, e o pensamento, numa hierarquia de valores, estará em lugar inelegível.

É mais do que certo que eu não devia estar a perder tempo a falar disto. Não há nenhuma notícia de grande porte que justifique trazer a Colômbia a estas páginas – posso assegurar, isso sim, que há uma mobilização nacional pela Paz que devíamos seguir atentamente, mas pouco mais.

Devia, então, falar de outras coisas. Da notícia do ultimato do governo português ao governo iraquiano, para que retire a imunidade diplomática aos filhos do embaixador no nosso País, alegadamente envolvidos num ato de marginalidade grave, que faz dos dois adolescentes criminosos potenciais e evidentes. Não sei qual será a contrapartida, se o nosso governo daqui a 21 dias irá declarar guerra ao Iraque ou coisa parecida, há que estar atento aos desenvolvimentos.

Ou mesmo  falar do relatório que me chegou do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) que me assegura como a  cidade velha de Alepo está totalmente nas mãos do regime do Presidente Bashar al-Assad (postos em fuga os últimos rebeldes que tentavam evitar a entrada das forças sírias nos entretanto conquistados bairros de Bab al-Hadid e Aqyul. Os avanços foram feitos com a ajuda de ataques aéreos, de acordo com o Observatório).

O Exército sírio terá agora o domínio de mais de dois terços de Alepo.

Diria quem me lê que, com tantos focos de barbárie no mundo, este devaneio seria evitável. Mas permitam-me que me defenda, antes dos ataques: creio que ao dedicar estas linhas à (minha) paixão pelo impensado, estou a reatar a convicção íntima de que há ainda muito ineditismo… por pensar. Para isso, homens como Ahmed Mohamed Al-Tayeb são necessários com os seus cursos estimulantes do ainda não pensado. Para isso,  é fundamental que muitos países aprendam caminhos da paz e do pensamento, como aqueles que encontrei na Colômbia. Para isso fazemos jornais como este. Para isso, dou comigo a pensar, até naquilo que mais me incomoda ou teimo em repudiar.

Este artigo respeita o AO90

Nota do Director

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