- O aspecto mais grave, numa análise na especialidade, das Bases do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, de 1990[1], é a invenção de lemas/verbetes (isto é, entradas de Dicionário).
A invenção de verbetes, lemas (isto é, entradas de Dicionário), inexistentes até então no Português europeu e até mesmo no Português do Brasil, são os seguintes:Ambas as palavras figuram na Base IV, n.º 1, al. c), das Bases do AO90 (Anexo I), segundo “as pronúncias cultas da língua”, uma criatividade conceptual do AO90, indeterminada ao máximo — ao se dispor que há mais do que uma -; inconstitucional, por ser discriminatória em razão do território; e certamente “de aplicação (…) leviana”[4].
Todas estas palavras são a tal ponto originais e criativas que nem sequer existem na ortografia e correspondente léxico do Português do Brasil! O panorama da ortografia do Português do Brasil está longe de coincidir com qualquer destes lemas.
- Existem ainda múltiplas palavras inventadas no domínio da falta de hifenização. Aparentemente, estarão neste último caso as palavras “infrassom”[5]; bem como: “extrarregular”, “extraescolar”, “autoestrada” e “autoaprendizagem”[6] (utilizamos aqui os exemplos exarados no próprio AO90).
- O erro da alegada existência de “conceção” e de “receção” é reiterado pela “Nota Explicativa” do AO90, nestes termos:
“É indiscutível que a supressão deste tipo de consoantes vem facilitar a aprendizagem da grafia das palavras em que elas ocorriam.
De facto como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras como concepção, (…) recepção, a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante é um c?
Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua”[7].
Quem escreveu esta passagem estava convencido de que, na ortografia do Português do Brasil, tais palavras eram grafadas invariavelmente sem a consoante “p”!
Segundo informação da Academia das Ciências de Lisboa, a “Nota Explicativa” era intitulada “Introdução”. Porém, não foi publicada.
O problema de apuramento da vontade subjectiva do autor material é que quase todos os trabalhos preparatórios não estão no arquivo da Academia das; pelo que é difícil reconstituir a “vontade” (elemento subjectivo de interpretação) dos autores materiais do AO90.
Há, porém, uma grave contradição entre o que a “Nota Explicativa” refere; e, depois, admitir que há dupla grafia, na Base IV, n.º 1, al. c), do Anexo I.
Tudo isto ocorre em dois Anexos do mesmo Tratado Internacional.
Por isso, as palavras aludidas foram palavras inventadas a partir do nada, não encontrando outra justificação que não seja a “criatividade”, senão mesmo ignorância da ortografia do Português do Brasil, por parte dos autores materiais do AO90.
Talvez o Sr. MALACA CASTELEIRO nos possa esclarecer quem foi o autor de tais criatividades, que nem sequer existem na ortografia do Português do Brasil: se ele próprio, se o Sr. ANTÔNIO HOUAISS.
- Etimologicamente, “concepção” advém etimologicamente da palavra latina “conceptio, conceptionis” (“conceptione”); e do verbo “concipere” (que significa tornar inteiramente, conter)[8].O verbete “recepção” advém, por via culta, de “receptio, receptionis” (“receptione”), que significa acto de receber[9].“conceção” e “receção” são resultado da ignorância dos autores materiais do AO90.Tais lemas são inconstitucionais, uma vez que um acto jurídico-público viola directrizes estéticas (cfr. artigo 43.º, n.º 2, da Constituição).O exposto implica ainda dois graves e crassos erros de facto do AO90, geradores de vício de violação de lei constitucional e de normas costumeiras, pois se pressupôs que um facto existia, quando, na verdade, não existia[10].O “legislador dos nomes” (para utilizar a expressão de PLATÃO, no diálogo Crátilo) terá adormecido.Tal não seria facto grave, se se tratassse de um autor de reconhecidos créditos renome, como HOMERO — o que não é o caso.
Parafraseando um antigo brocardo, “Aliquando Malaca Castellerus dormiebat” (“De vez em quando, Malaca Casteleiro dormia”).
Dormia? Ressonava!, compulsiva, indolente e inconscientemente, ao fazer um trabalho de tão péssima qualidade, em nome do Estado Português, e induzindo em erros infantis, anti-etimológicos e antiortográficos, desde 2010 até aos dias de hoje!
Acrescem, nos verbos, 68 formas flexionadas; e, nas restantes palavras, as formas, amiúde, no género feminino (ou masculino) e no plural; o que envolve um impacto extremamente amplo das palavras inventadas, na alegada “aplicação” do AO90.
E “o público, mesmo o público sério, constitucional e parlamentar”, decerto não poderá estranhar que, tendo embora à nossa mão o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” — “monumento decerto grandioso, donde salta, por torneira de ouro, o puro e forte jorro da verdade” — , fôssemos beber às fontes (as duas variantes ortográficas do Português), de onde desce com alarvidade “a baba crassa do erro”[11].
Daqui se intui que o “Anteprojecto…” de 1988 e o AO90 foram feitos “a martelo”, acientificamente; procedimento esse causado por uma nítida avidez de mexer na ortografia “à paulada”, devido a interesses próprios de muito duvidosa idoneidade. De resto, ambos os textos foram objecto de dois Pareceres negativos por parte da Comissão Nacional da Língua Portuguesa (pela mão do Professor ÓSCAR LOPES, e presidida por VÍTOR AGUIAR E SILVA) e por parte da Direcção-Geral da Educação, entre 1989 e 1991. E o AO90 foi ainda objecto de 25 Pareceres negativos, num total de 27, pedidos a personalidades e instituições em 2005, aquando do processo conducente à ratificação do 2.º Protocolo Modificativo ao AO90.
A somar ao caos ortográfico gerado, tais palavras conduzem amiúde a erros semânticos, documentados pela Página do Facebook “Tradutores contra o Acordo Ortográfico”, devido às homofonias com outras expressões do léxico:
- A palavra inventada “conceção” passou a ser confundida com a palavra homófona “concessão de crédito”; designadamente no Ensino Superior, como na Universidade de Aveiro, no Instituto Superior de Gestão ou na Escola Superior de Gestão (!!).
- Regista-se também a utilização da palavra inventada “conceção”, em lugar de “concessão”: “conceção do visto”, “da autorização”, “da nacionalidade”, “de prémio” (por exemplo, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e de entidades públicas autárquicas — v.;
- “receção” (em lugar de “recepção”) é confundida com a palavra homófona “recessão”: “recessão dos convidados”; “com aviso de recessão” (por parte do Supremo Tribunal de Justiça); “recessão de luz”.
- Deste modo, há violação do artigo 11.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa: a Língua oficial do Estado é o Português, e não palavras inventadas por um Tratado internacional.
Existe ainda ilegalidade “sui generis”, por violação do próprio Tratado do AO90, extravasando os limites auto-impostos ao poder do Legislador convencional. Com efeito, o Legislador do AO90 não poderia ter inventado novas palavras, sob pena de inconstitucionalidade material superveniente[12] e de violar o fim do Tratado, mas tão-só conformar as já existentes, nas duas variantes do Português.
Para além disso, a designação do Tratado, intitulado “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, bem como o elemento interpretativo do Preâmbulo (“Considerando que o projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, (…) constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa (…)”), implica auto-limites à liberdade convencional por parte das Partes deste Tratado, que inclui uma Reforma ortográfica: o AO90 não poderia ter inventado palavras, inexistentes em Língua Portuguesa (isto é, inexistentes em qualquer das suas duas variantes: a do Português europeu e a do Português do Brasil)[13].
Tal inconstitucionalidade (e ilegalidade) também decorre das Constituições dos restantes Estados que ratificaram o 2.º Protocolo Modificativo do AO90, que consagram o Português como língua oficial (Brasil, Cabo Verde, Timor-Leste; e, implicitamente, nas Constituições da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe — v. infra).
Deste modo, as palavras inventadas, pelo AO90, pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), são também ilegais “sui generis”, por violação dos limites auto-impostos pelo próprio AO90.
“Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas”[14].
O AO90 é uma tentativa comprovadamente falhada de importação da Cultura brasileira.
ASSINE e divulgue pelos seus contactos de email a Petição «Cidadãos contra o “Acordo Ortográfico” de 1990», em Petição pública: Acordo ortográfico 90. A Petição encontra-se em fase de tramitação na Assembleia da República, com o número 273/XIII/2, na 12.ª Comissão parlamentar, com mais de 20.500 assinaturas.
ADIRA ao Grupo do Facebook «Cidadãos contra o “Acordo Ortográfico” de 1990».
SIGA a Página do Facebook «Tradutores contra o Acordo Ortográfico».
[1] O “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990 (AO90) é um texto que contém dois Anexos, que foram fixados em reuniões na Academia das Ciências de Lisboa, numa semana, em Outubro de 1990.
Desde então, o Anexo I não sofreu alteração.
As palavras “conceção” e “receção” provêm do “Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa”, de 1988 (p. 57); tendo depois tido consagração no AO90.
Note-se que tais palavras estavam ausentes do Projecto do AO75 e da Base VI do Projecto do AO de 1986.
[2] Cfr. Antônio Geraldo da Cunha, Vocabulário Ortográfico. Nova Fronteira da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1983, pp. 222-223.
[3] Cfr. Antônio Geraldo da Cunha, Vocabulário Ortográfico. Nova Fronteira da Língua Portuguesa, p. 731.
[4] FERNANDO VENÂNCIO, AO90, a fórmula do desastre, in Público “online“, 1 de Agosto de 2016.
[5] Base XVI, n.º 2, al. a), do AO90.
[6] Base XVI, n.º 2, als. a) e b), do AO90; cfr. Base XV, n.º 46, 5.º, do “Formulário ortográfico” da Academia Brasileira de Letras, de 1943.
[7] “Nota Explicativa”, Anexo II do AO90, 4.4.1.
[8] JOSÉ PEDRO MACHADO, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, I, Confluência, Lisboa, 1956, p. 649.
No século XVI, por via culta, adveio “concepção”, segundo o Dicionário Morais.
“concepto”, por via culta, adveio também no século XVI; significa “acto de conter (…)”.
[9] JOSÉ PEDRO MACHADO, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, I, Confluência, Lisboa, 1959, p. 1862.
[10] Para a definição do erro de facto, ainda que no âmbito do Direito Administrativo, cfr. IVO MIGUEL BARROSO, Inconstitucionalidades…, I, in O Direito, 2013, I/II, p. 118 (nota 59), e Bibliografia aí citada.
[11] Cfr. EÇA DE QUEIROZ, EÇA DE QUEIROZ, Brasil e Portugal, carta a PINHEIRO CHAGAS, de 14 de dezembro de 1880, in IDEM, Notas contemporâneas, Livros do Brasil, Lisboa, s.d., pg. 67.
[12] O n. 3 do artigo 11.º foi acrescentado na Revisão Constitucional de 2001.
[13] Diferentemente, outras Reformas ortográficas anteriores (como as Reformas de 1911, 1931, 1945 e 1973) inventaram a grafia de palavras novas. Porém, fizeram-no consciente e deliberadamente, ao invés do AO90.
[14] Parafraseando ALMADA NEGREIROS, in Invenção do dia claro.