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Quinta-feira, Janeiro 23, 2025

A panca das bicicletas

João Vasco AlmeidaToda a gente andou em bicicletas. Ou quase. Nos campos e nas cidades, era normal que se usasse a invenção chinesa com mais de dois mil anos e adaptada ao ocidente por um alemão em 1817. É saudável, é simples, esfola braços e joelhos e, segundo as estatísticas, é o transporte individual mais usado no planeta.

As cidades portuguesas andam a enfiar “ciclovias” em cada estrada, caminho e rua, num entusiasmo modal com as duas rodas. Rasgam-se línguas de pavimento borrachoso, coradas de rosa, para que os ciclistas andem à vontade. O sol nasce, há passarinhos, toda gente é feliz, verdade?

Não. Os ciclistas, os peões e o automobilistas não se entendem. A bicicleta na cidade passou a ser alvo em movimento para taxistas e condutores fitipaldis. “Estes gajos sempre a engonhar” queixam-se os motoristas profissionais quando apanham um homem de gravata a pedalar na avenida. Buzina e faz-lhe razia. O taxista olha para o ciclista como eu olho para os homens que usam calções: julgam que com 40 anos já ninguém devia andar de bicicleta, a não ser no parque.

Os ciclistas, por seu lado, embuídos do espírito salvífico do planeta e das emissões zero, cometem outro pecado: pensar que podem andar nos passeios como se fosse um caminho de cabras e os peões uns calhaus a contornar. Vai uma pessoa tranquila a olhar para o ecrã do seu telemóvel, como agora se usa, e passa-lhe um velocípede a rasar o ombro. Pior ainda, os ciclistas de passeio desatam a pedalar quando ao lado têm uma estrada onde os carros ou estão parados ou passam na guita. Estes pilotos da calçada por pouco não ceifam cabeças aos putos que, pensando que o passeio “é por onde a gente vai quando anda a pé”, se deitam a bailar e a correr, como é normal.

Os peões, nem com os carros nem com as bicicletas. Aos primeiros têm o desprezo do barulho e da poluição. Aos segundos, que invadem o seu espaço, têm a profunda vontade de os empurrar para a estrada.

bicicletaA mobilidade nas cidades deve, claro, avançar para os não poluentes. As nossas comunidades contemporâneas têm essa imbecilidade de estradas e ruas e avenidas, que tirou espaço ao campo comum, ao terreiro e aos rossios, que afunilou a vida das pessoas com as pessoas. O metro e o eléctrico têm de servir a todos e com grande proximidade.

Quanto às bicicletas, enquanto as afunilarem num espaço tomado por automóveis, sem acompanhar a revolução com uma educação de ciclistas e condutores, vão continuar apenas a ser um pormenor muito maçador. O que devia acontecer não era a plantação de ciclovias em todo o lado, mas sim o investimento em transportes urbanos, públicos e colectivos.E depois de afastar os carros das cidades, invadir o espaço livre com os tais velocípedes. E um ou outro macho.

 

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