Dá-me vontade de rir. Apetece-me dizer-lhes que deixem os ombros pender e não se preocupem mais com a afirmação do queixo ou dos peitos: tudo cessará, tudo perderá fulgor; é da nossa natureza que assim suceda
– João Tordo em “O Paraíso Segundo Lars D.”
Uma pessoa sente-se de repente atordoada. Uma notícia bombástica sobre a morte inesperada de um herói da nossa cena musical. Um herói, tal e qual, daqueles que pensamos imortais, daqueles que nos acompanharam vida fora e portanto jamais nos fugirão. Estão ali, sempre. Errado! Afinal os heróis também envelhecem e morrem. Em suma, batem as botas, mas uma na outra com aquele ritmo que só eles vivem.
Passa uma semana, morre um, não, morrem dois actores, daqueles que bem podiam ficar connosco até batermos as botas, mas não uma na outra, pois isso é dos músicos. Chateamos-nos porque há muitos actores bem piores do que eles e que continuam vivos, portanto, não é justo. Não é justo, ouviram? Isto não se faz! Ainda por cima, no primeiro mês de um ano, vai-se parte da música e parte do cinema.
Segue!
Menos de uma semana e morre o gato da família. Sim: o gato. E depois? O gato era especial. Tinha nome de figura de desenho animado e uma personalidade que estarrecia. No bom sentido, claro. Era inteligente e tinha imensa paciência para os humanos que o rodearam. E até para ele próprio, pelos vistos, já que partiu sem um queixume, quando o cancro – soubemos depois pela ecografia, – já o atormentava há muito.
Segue!
Depois chega a vez da política e da arquitectura, porque a figura da morte anda decidida na sua dança.
Afinal, Janeiro tinha começado tão bem, sempre aquela fase de alegria “depois-das-festas”, altura de estrear roupas novas, abocanhar livros a cheirar a tinta fresca, com aquele enorme prazer que ainda se tem pelo que é impresso, e, no meu caso, até a celebrar aniversário junto de amigos que são tão, mas tão amigos. Janeiro estava aí sem um único beliscão.
Segue!
O paradoxo dos Janeiros são estes. E já não é a primeira vez. Um mês que chega novinho em folha, que até estreamos com imensa felicidade, aquela que tem implícita a frase “agora é que vai ser!”.
Mas não. Devagar e sucessivamente vão chegando as mortes. Assim, todas, imensas. Inesperadas.
O Janeiro feliz vai-se desfazendo. Afinal, nada é garantido. E alguém teima em nos mostrar isto quando menos esperamos. E mostra com força. Mostra com vários exemplos. Mostra com fúria.
No fim do mês a água vai correr mansa debaixo da ponte. Há que aceitar, porque é a nossa natureza. Estamos cansados de saber disso.
Mas sabe tão bem esquecer às vezes… o problema é que não nos deixam.
Segue Fevereiro.
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