Não havia necessidade de esperar pelos resultados destas eleições europeias para se anteverem as principais características da nova Europa que aquele resultado eleitoral deixa prever. À primeira vista não se concretizou o antecipado desastre de uma forte representação dos partidos soberanistas de direita (ECR, ENL e EFDD) que no conjunto pouco ultrapassaram os 22% dos votos que lhes darão direito a 171 assentos parlamentares, nem a retumbante entrada em cena de partidos transeuropeus, como o Diem25 – diluído em alianças transnacionais sob a designação “European Spring” – ou o Volt, aos quais a imprensa pouco ou nenhum destaque deu durante a campanha. Assim, as grandes alianças de partidos nacionais como o PPE, o S&D e a ALDE (agora fortalecida com os liberais franceses do partido do presidente Macron) irão continuar a dominar o hemiciclo europeu.
Mas na aparente estabilidade muito estará a mudar, pois esta terá sido a mais europeia e a mais democrática da história da UE. Com uma média de participação que rondou os 50%, países houve, como a Bélgica e o Luxemburgo, que ultrapassaram os 80%; pela negativa outros, como a República Checa, a Croácia, a Eslováquia e a Eslovénia, não alcançaram sequer os 30%.
Este fenómeno de elevada abstenção (sempre mais gravosa no caso das eleições europeias) deverá ter origem em dois factores: o alheamento popular das questões públicas e pior ainda quando elas são de dimensão europeia – fomentado pelo reiterado desinteresse no debate de ideias e de políticas concretas que incentivem a participação dos cidadãos – e a insistência dos principais partidos na condução de campanhas eleitorais alicerçadas em questiúnculas pessoais ou em “casos” de nulo interesse prático em lugar da apresentação de propostas concretas e no esclarecimento de dúvidas e do interesse factual da participação dos cidadãos.
O lado negativo é que esta onda de democratização está a ser conduzida pelos chamados partidos populistas, particularmente os da direita soberanista, com base em agendas simplistas, onde se destacam como principais: a da retoma do controle das fronteiras, a da reafirmação de princípios “protectores” (numa óbvia tentativa de disfarçar a ideia de um protecionismo puro e duro), a da priorização da identidade europeia, a do endurecimento das políticas de migração interna e externa e da recuperação das taxas de natalidade.
A eficácia desta nova agenda no Parlamento Europeu, agora compartilhada por uma nova categoria de partidos de direita radical (a Frente Nacional de Le Pen na França, o holandês Fórum pela Democracia de Thierry Baudet, o neo-franquista Vox em Espanha, a AfD na Alemanha, o austríaco Partido da Liberdade de Heinz-Christian Strache, a italiana Lega de Matteo Salvini, ou o britânico Partido Brexit de Nigel Farage) que estão estratégica e ideologicamente unidos, estará ligada a uma coerência e coordenação – lembre-se a participação de Steve Bannon, o guru de Donald Trump – que os meios de informação persistem em nos esconder. A enfrentá-los estarão por um lado, os famosos partidos “pró-europeus” centristas, os detentores oficiais do sistema europeu “democrático”, que aparecerão agora com maior pendor nacional e por isso mais divididos e mais ineficientes do que anteriormente, a par com uma extrema-esquerda, também ela em processo de europeização (via movimento europeu Spring/Diem25), mas numa fase menos adiantada, devido à maior complexidade da sua mensagem e à completa falta de apoio financeiro e de exposição mediática.
A direita radical deverá por isso assumir o controle do discurso político no Hemiciclo, não só pela sua matriz populista mas também porque estão a difundir um discurso irresistível sobre a questão dos migrantes. Esta problemática, teoricamente mais polarizadora, leva a que quase nenhum partido se atreva a produzir um contradiscurso, sobre o protecionismo, a priorização europeia, as suas fronteiras, a defesa e outras questões similares… todos estão de acordo e apesar de terem sido os designados governos de centro a iniciarem as chamadas políticas duras, ideologicamente, esse tipo de programa pertence de facto à extrema-direita.
Uma década onde vigorou uma crise económico-financeira e social mal administrada (no sentido desta ter sido gerida por via não política e divorciada da sociedade) construíram os alicerces para a vitória das soluções da extrema-direita, que está prestes a acontecer por falta de oposição dos ineptos partidos centristas e de uma extrema esquerda inevitavelmente amordaçada por um establishment que favorece, clara e abertamente, uma extrema direita com a qual pode cooperar e dela espera beneficiar. Assim se explica que a mais europeia das eleições, por ter contado pela primeira vez com a participação de movimentos políticos transeuropeus, não tenha sido noticiada por uma imprensa nacional incapaz de ouvir outras forças europeias além das da extrema-direita, as únicas realmente enraizadas ao nível nacional.
Em consequência de tudo isso, não deverá demorar muito para assistirmos a um enorme efeito cascata no discurso dos grupos soberanistas no Parlamento, cujos argumentos serão cada vez mais adoptados pelos outros partidos. É emblemático desse fenómeno, e por isso mesmo prova irrefutável, a situação que o PPE atravessa na gestão da chamada “crise Orban”, família política europeia que está repleta de correntes políticas muito próximas às da direita soberanista que graças a um bem conseguido processo de refocalização abandonou o seu tradicional discurso antissemita à ultra-minoria dos partidos políticos neo-nazis que representam agora a nova extrema-direita. A presença do partido de Orban, das forças neo-franquistas do PP espanhol que ainda não aderiram ao partido de direita Vox e de todas as franjas mais extremistas dos tradicionais partidos de direita, garantem em conjunto a adopção gradual pelo PPE do mesmo discurso e das sementes de uma ainda maior desagregação do projecto europeu.
A notável excepção de tudo isto será a minoria de extrema esquerda, que deverá procurar tirar proveito desta realidade para forjar o seu próprio contradiscurso… mas será que vai ser ouvida?
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