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Domingo, Dezembro 22, 2024

Parlamento Europeu ignora Tribunal de Justiça…

Isabel Lourenço
Isabel Lourenço
Observadora Internacional e colaboradora de porunsaharalibre.org

… E aprova Acordo de pesca UE – Marrocos que financia ocupação do Sahara. Os eurodeputados aprovaram ontem o acordo de pesca UE-Marrocos que inclui as águas do Sahara Ocidental.

Os eurodeputados não só desrespeitaram o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) como violam directamente o Direito Humanitário Internacional.

Recusa de levar o acordo à justiça europeia

Antes de votar sobre o acordo, os deputados rejeitaram, por 189 votos a 410, com 36 abstenções, uma petição a pedir ao Tribunal de Justiça da UE para avaliar a sua compatibilidade com o Tratado da UE. É evidente que os Eurodeputados sabem que o TJUE irá de novo declarar ilegal o acordo agora assinado.

Num comunicado oficial a UE afirma que está votação “Não prejudica o resultado do processo político sobre o estatuto do Sahara Ocidental”. Esta afirmação é curiosa visto o estatuto estar bem definido e o próprio TJUE ter reafirmado que Marrocos não tem qualquer soberania sobre o território não autonomo do Sahara Ocidental.

A UE recorreu a artimanhas e subterfugios à lei, reintrepretou a seu favor um texto claro em termos jurídicos e recorreu a deputados com ligações a Marrocos que inclusive levaram à demissão de uma eurodeputada francesa, tudo para conseguir aprovar um acordo ilegal.

Um processo envolto em escandalos, corrupção e desrespeito à lei internacional que teve o apoio claro dos governos de Portugal, Espanha e França e dos partidos socialistas e de direita.

Segundo a UE o plenário apoiou o texto com 415 votos a favor, 189 contra e 49 abstenções. Dados que são necessários verificar uma vez que na última votação relativamente ao acordo de comércio UE – Marrocos, vários deputados entre os quais dois gregos do PCG e um espanhol viram os seus votos contra transformados em abstenções.

O acórdão do TJUE foi claro, a incluir o Sahara Ocidental no acordo teria que haver o consentimento do Povo do Sahara Ocidental, não da população residente que é composta maioritariamente por colonos marroquinos.

O legitimo representante do Povo saharaui, o representante reconhecido pelas Nações Unidas, pela União Africana e pelo próprio Marrocos cada vez que se senta à mesa de negociações, é a Frente Polisario.

A UE entendeu reintrepretar o acórdão e diz que:

O tratado apoiado pela Câmara leva em conta os resultados do processo de consulta da população local feita pelo Serviço de Acção Externa da UE para avaliar o impacto das mudanças sobre o Sahara Ocidental e do parecer favorável da maioria. Embora assinale também que a Frente Polisário não participou na consulta, opondo-se ao acordo de princípio.”

Fica assim claro que a UE está conscience que o legitimo representante do Povo saharaui está contra o acordo e por tanto o acordo não pode incluir as águas do Sahara Ocidental.

A consciência da ilegalidade está também patente na constituição de uma comissão de monitorização conjunta UE-Marrocos. Segundo a UE “será criada uma comissão conjunta UE-Marrocos para monitorizar a implementação do acordo, que poderá modificar o protocolo.” 

Marrocos assim será o garante dos “benefício” dos Saharauís? Seria o mesmo que Hitler ser responsável pelos “benefícios” dos presos nos campos de concentração. A analogia entenda-se deriva do facto dos saharauis estarem “presos” nos territórios ocupados, separados por um muro de 2720 km no território mais minado per capita no mundo, com um corpo militar, paramilitar e  policial que tem os saharauis sob um cerco. Um regime de apartheid, segregação, erradicação cultural e más práticas médicas intencionais e dirigidas à população saharaui.

Marrocos tem nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, 141 empresas envolvidas no processamento de produtos da pesca, dos quais dependem cerca de 90.000 empregos (quase exclusivamente colonos marroquinos) directos e indirectos, com um volume de negócios de aproximadamente 450 milhões. Deste montante, cerca de 60%, 240 milhões são exportados, para a UE.

Segundo o comunicado da UE “o acordo visa promover a pesca sustentável dos navios europeus autorizados para pescar apenas o excedente de capturas admissíveis estabelecidas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar” no entanto os navios Marroquinos, Chineses, Japoneses, Russos e outros não respeitam a pesca sustentável esgotando o estoque de peixe e introduzido o mesmo na Europa através de Marrocos.

O acordo também é irresponsável com os pescadores europeus, uma vez que leva à incerteza sobre a legitimidade da sua actividade e a dos seus barcos. Acrescenta insegurança jurídica às suas actividades de pesca, na medida em que se desenvolveria na contradição entre o texto do novo acordo e o que foi ditado nos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia. 

O tratado pode ser aplicado provisoriamente a partir da data da assinatura autorizada pelo Conselho da UE. O acordo vigorará por período indeterminado, mas o protocolo anexo, que detalha as possibilidades de pesca, é válido por quatro anos.

Marrocos receberá ainda milhões de Euros para “a pesca sustentável e azul”

O valor total de possibilidades de pesca, fixado em um anexo ao protocolo do acordo, ascende a 153,6 milhões de euros para quatro anos (48,1 milhões para o primeiro ano, 50,4 milhões para o segundo e 55,1 milhões os dois últimos). No entanto a possibilidade não é a realidade visto os países da UE não terem uma frota de pesca que possa abarcar estes montantes.

O Acordo de Parceria para a Pesca Sustentável (APPS) entre a UE e Marrocos não tem, na realidade, nada de sustentável. É uma negociação opaca em que Marrocos cede águas que não são suas em troca de embolsar 50 milhões de euros por ano. Como pano de fundo: o reforço da Fortaleza Europa, uma vez que o Marrocos é fundamental na retenção e prisão de milhares de pessoas que fogem da fome, morte e miséria.

Os interesses dos  pescadores de Portugal, Andaluzia,  Canárias e da Galiza e os legítimos direitos do povo saharaui não são compatíveis com as negociações bilaterais escuras que foram realizados entre a Comissão Europeia e Marrocos, para reconhecer explicitamente as águas saharauís no acordo e que foram validadas há apenas um mês na Comissão das Pescas do Parlamento Europeu pelo Partido Popular Europeu conservadores (EPP ) e pela maioria dos sociais-democratas europeus, com o apoio dos liberais.

Financiamento de uma ocupção e repressão de um povo

Os inúmeros acordos, protocolos e “incentivos” dados a Marrocos pela UE e que ascendem a centenas de milhões de Euros ao longo dos últimos anos, servem para financiar uma ocupação ilegal, militar e que oprime de forma violenta o povo saharaui provado dos seu direitos mais elementares. 

A UE é assim cúmplice do lento genocidio do povo saharaui.

A Alternativa

A Frente Polisario não se opõe à Pesca nas águas saharauis, opõe-se sim à exploração dos seus recursos pelo ocupante Marroquino e acordos que além de legitimarem esta exploração ainda financiam e apoiam a ocupação do Sahara Ocidental.

Qualquer país pode e deve contactar com o legitimo representante do povo saharaui dentro do quadro legal existente para poder pescar nas águas sem quaisquer receios de violações de acórdãos e do direito humanitário internacional.

Portugal tem uma particular responsabilidade neste assunto, a aprovação deste acordo ilegal não apenas viola o acórdão do TJUE como a própria constituição portuguesa que é clara no que respeita o direito de soberania dos povos.


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