Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração de Andre Kohn.
PARTIR…
“Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada”(De um Soneto de Luís de Camões)
Estou sempre
A partir
Desse teu lugar
Onde nunca estou…
Por isso não sei
O que te dizer
Ou então segrede
Para onde vou…
Só sei que parti
De novo dali
Desse teu lugar
Sem o definir
Ou mesmo
Esboçar!
Não sei
Onde estou,
Nem queria
Partir,
Não tenho
Lugar
De onde sair
Porque nem
Cheguei
A ver-te
Entrar
Onde já
Não vou.
Tu foste
P’ra onde,
Que eu já
Não te vejo?
Tenho os olhos
Baços de tanto
Chorar…
……………
Também tu
Não vês…
…………..
Gastou-se
O meu rosto
De tanto
Te olhar…
……………..
E não somos
Três!
Não há tempo
Nem lugar
Para onde
Eu possa ir…
Mas não sei
Como cá ficar
Ou mesmo partir!
Tu foste
P’ra onde?
Não sei
Onde estás…
…………………
Só de te sonhar
Eu serei capaz!
Mas perdi
Teu rosto,
Só há neblina
Neste sonho meu,
É fumo espesso
P’ra cá da cortina
Deste teatro
Que a vida me deu
A doce tristeza
A que me destina…
E por isso
Não posso
Sonhar
Porque eu perdi
A intensa cor
Desse teu olhar
Por onde
Entravam
As minhas
Palavras
Para te cantar…
Não sei
Onde estás
Nem posso
Chamar,
Dizer o teu nome,
Com delicadeza,
P’ra te soletrar.
Partiste de vez
P’ra outro lugar
Que não sei
Dizer
Nem sei
Desenhar…
Fogem-me
As palavras,
Tenteia a rima,
Procuro cantar…
………..
Nem sei
Se me ouves
Lá onde
Te encontras
Em busca
Dos sonhos
Que te desenhaste
Em tinta-da-china
Onde te encontrei…
Mas tu foste
Embora
E a minha alma
Logo entristeceu…
…………….
É por ti que
Chora
Se já te perdeu!
Tu foste p’ra onde,
Mulher dos meus
Sonhos?
Fugiste de mim
Em auto-da-fé,
Disseste que sim,
Foste na maré,
Revolto das ondas
Que dá vida ao mar
Onde te espraias
Cada amanhecer
Sem nunca parar
Em todos os dias
Desse teu viver…
Tu foste p’ra onde
Nesse entardecer?
Ilustração: Ilustração de Andre Kohn.