Como grande nome do samba, Paulinho da Viola completa 80 anos neste sábado (12). Carioquíssima da gema, Paulinho bebe a sabedoria dos morros cariocas em diversas influências e a une com os temas urbanos do asfalto. Em seu livro Ensaiando a Canção: Paulinho da Viola e Outros Escritos (2011), a cantora Eliete Negreiros define que “um dos traços”, desse gigante da música popular brasileira “é a simplicidade, seu jeito de dizer as coisas de um modo natural”.
Até em sua postura, o timoneiro do samba mostra simplicidade com sua voz mansa, baixa, cantando como quem sabe que o seu canto é fundamental para a vida de todo mundo. Segundo Eliete, as centenas de suas canções, em cerca de 60 anos de carreira de Paulinho, tratam de “modo decidido e delicado” todos os “nossos assuntos humanos, demasiado humanos, numa época em que a vaidade e a competição tomam conta da alma, onde o mundo parece um supermercado de produtos descartáveis, tendo em suas prateleiras valores e sonhos humanos em liquidação”.
Ele se mostra moderno ao cativar as raízes populares, principalmente de dois dos principais gêneros musicais genuinamente brasileiros, o chorinho e o samba, e transforma os elementos musicais de maneira sincopada em poesia singela.
Canta as vicissitudes das pessoas que vivem do trabalho e as diabruras do capital para impedir a classe trabalhadora de se organizar e assim defender os seus interesses de modo perene. Como mostra Eliete, a obra desse importante cantor e compositor “constrói-se pela dialética entre estes pares de opostos, tensão e relaxamento”.
Como em Pecado Capital, ele canta que “é preciso viver/E viver não é brincadeira não/Quando o jeito é se virar/Cada um trata de si/Irmão desconhece irmão”, porque as questões objetivas e subjetivas não estão plenamente colocadas.
Pecado Capital (1975), de Paulinho da Viola
Em Coisas do Mundo Minha Nega, o protagonista percebe a necessidade de ouvir a voz das mulheres sobre os dilemas da vida na resistência à ideologia do patriarcado com a cultura do estupro e o machismo que mata e oprime.
Coisas do Mundo Minha Nega (1968), de Paulinho da Viola
“Hoje eu vim, minha nega
Sem saber nada da vida
Querendo aprender contigo a forma de se viver
As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender”
O mais recente oitentão da MPB mostra todo o seu valor com canções emblemáticas sobre tudo o que envolve a vida do Brasil: os sonhos, a vida, os desejos e a vontade de mudar de vida para prevalecer a generosidade e a consciência de classe para transgredir o status quo.
Seu canto evoca a liberdade como mola propulsora não apenas da cultura, mas da vida de todo mundo ao colocar quem vive o trabalho como o centro das questões para a construção do mundo novo. Um mundo de igualdade e respeito.
Paulinho se mostra um contador de histórias como em Sinal Fechado, na qual diz que “precisamos nos ver por aí/Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe?/Quanto tempo?/Pois é, quanto tempo?/Tanta coisa que eu tinha a dizer/ Mas eu sumi na poeira das ruas/Eu também tenho algo a dizer/Mas me foge a lembrança/ Por favor, telefone, eu preciso/Beber alguma coisa, rapidamente/Pra semana”(3)
Sinal Fechado (1970), de Paulinho da Viola, canta Chico Buarque
Essa música deu nome ao álbum de Chico Buarque com canções de outros autores, em 1974, quando tudo o que aparecia à censura com o nome dele era vetado, para denunciar o sinal fechado da ditadura sobre a sua obra. Nesse álbum Chico incluiu “Acorda, Amor”, sob o pseudônimo Julinho da Adelaide, para enganar a censura. A proximidade de temas desses dois compositores sempre ocorreu.
O próprio site de Paulino da Viola define o seu trabalho “a partir de um evento incomum: a interação de dois fenômenos culturais vistos como antagônicos. A estética e sofisticação da classe média da zona sul do Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960 encontram-se com a vibração dos subúrbios cariocas, resultando numa nova forma que atravessa o tempo sem alterar sua essência e abraçando a modernidade”.
Ele dá esse recado com a canção Argumento: “Tá legal/Eu aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto assim/Olha que a rapaziada está sentindo a falta/De um cavaco, de um pandeiro/Ou de um tamborim”.
Argumento (1975), de Paulinho da Viola
Paulinho da Viola canta e encanta ao propor pensar o mundo de uma outra perspectiva. A perspectiva do socialismo como sistema da classe trabalhadora. E esse livre cantar se faz por amor a todas as pessoas e respeito à individualidade.
Como canta em Onde a Dor Não Tem Razão (em parceria com Elton Medeiros)
“Quem esperou, como eu, por um novo carinho
E viveu tão sozinho
Tem que agradecer
Quando consegue do peito tirar um espinho
É que a velha esperança
Já não pode morrer”
Onde a Dor Não Tem Razão (1968), de Elton Medeiros e Paulinho da Viola
Não se pode esquecer o seu grande amor pela escola de samba de sua vida, a Portela, cantada em versos ritmados com muito valor. “Carregava uma tristeza/Não pensava em novo amor
Quando alguém que não me lembro anunciou/Portela, Portela/O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou/Ah! Minha Portela!/Quando vi você passar/Senti meu coração apressado/Todo o meu corpo tomado/Minha alegria voltar”.
Foi um Rio que Passou em Minha Vida (1970), de Paulinho da Viola. O autor canta com Zeca Pagodinho e convidados
Afinal, “eu, Boca/Como sempre perdido/Bêbado de sambas/E outros sonhos/Choro a lágrima comum/Que todos choram/Embora não tenha/Nessas horas/Saudades do passado/Remorso
Ou mágoas menores”(7).
Bebadosamba (1996), de Paulinho da Viola. Canta com Camila Pitanga
Porque Sempre Se Pode Sonhar (parceria com Eduardo Gudin) título de seu mais recente álbum lançado em 2020. “Meu samba fala em adeus, sim/Mas também pode ocultar/Um sonho que se perdeu, e sempre se pode sonhar”.
Sempre se Pode Sonhar (2020), de Eduardo Gudin e Paulinho da Viola
Sonhar com Paulinho da Viola é elevar os sonhos da mudança, de transformar o mundo num local bom para toda a humanidade com preservação da natureza, respeito aos direitos humanos e ao modo de vida de cada um. Paulinho nos leva a pensar sobre todos esses temas e convida para a ação. Merece todas as homenagens em vida.
Vale assistir ao documentário Paulinho da Viola: Meu Tempo É Hoje (2003), de Izabel Jaguaribe
Texto em português do Brasil