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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

Pensem nas crianças mudas telepáticas

O bombardeio sobre o Japão foi o maior ataque da história das guerras modernas.

Em 2007, o então ministro da Defesa japonês, Fumio Kyuma, disse que era “inevitável” que os Estados Unidos lançassem duas bombas atômicas sobre o Japão, durante a Segunda Guerra. Isso teria evitado que a União Soviética entrasse também na batalha do Pacífico.

O cara com seus olhos miúdos e raciocínio idem, considerava que as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki conseguiram “acelerar o fim da guerra”. Essas declarações absurdas repercutiram muito mal entre os sobreviventes e seus descendentes, claro, e incomodaram o primeiro-ministro à época, Yoshihiko Noda.

Há exatos 75 anos, às 8h15 do dia 6 agosto, a bomba Little Boy foi lançada sobre a cidade de Hiroshima, matando instantaneamente cem mil pessoas. O local de 350 mil habitantes tinha um porto militar insignificante. Não havia necessidade para o ato. O Japão já estava derrotado, sem condições para a continuidade da guerra, com fábricas militares destruídas.

Do outro lado, no império exportador de Rambos, onde desde John Wayne sempre atiram primeiro e perguntam depois – quando perguntam -, as justificativas são igualmente doentias. Ao longo dessas seis décadas do lançamento das duas bombas pelo governo dos Estados Unidos, é cada vez mais repudiante a conversa das autoridades norte-americanas para esse genocídio.

Theodore “Dutch” J. Van Kirk, que morreu em 2014, aos 93 anos, foi major-aviador do avião Enola Gay, bombardeiro B-29 que lançou a coisa. Do alto da sua senilidade arrogante, ele não se arrependeu do que fez, dizia que passou um bom tempo se preparando para o momento, e que “foi uma das missões mais fáceis” da sua vida. Esse abominável senhor do voo da morte, viveu a aposentadoria com cheiro de napalm na alma em um luxuoso asilo na Geórgia (EUA), e passava horas lustrando as 15 Medalhas Aéreas que ganhou após a “missão”. Deve ter recebido num final de tarde a visita do tal ministro japonês para um chazinho verde com cookies…

O bombardeio sobre o Japão foi o maior ataque da história das guerras modernas. Muitas imagens dos efeitos da “rosa radioativa estúpida e inválida” do cogumelo de fogo ficaram na lembrança de todos, nas “meninas cegas e inexatas” vagando, nas mulheres “rosas cálidas com suas rotas alteradas” que não puderam mais ter filhos, nos filhos sem pais “com cirrose da anti-rosa atômica.”

Vinicius de Moraes traduziu bem o que resultou da estupidez humana em seu poema “Rosa de Hiroshima”, escrito em 1946, ainda sob os escombros esfumaçados no coração indignado, publicado em “Antologia poética”, livro de 1954.

Em agosto de 1973, o ano de resistência que reinventou a música popular brasileira, o grupo Secos & Molhados lançou seu primeiro disco, explosivo de outras rosas. No lado B de belo e não de bomba, faixa 4, a voz afinadíssima de Ney Matogrosso entoando o poema de Vinicius musicado por Gérson Conrad, que acompanhou dedilhando um violão de doze cordas.

Com seus dois minutos de duração, no fôlego curto e profundo do poema, a composição se tornou um dos maiores sucessos do álbum, ao lado de “Sangue latino” e “O vira”. O revolucionário disco, com suas broas, linguiças, cebolas, grãos de feijão e vinho barato na capa, e as cabeças maquiadas dos músicos sobre bandejas, dão o sentido de um banquete de comprometimento antropofágico, bem dentro da proposta inovadora e transgressora da banda.

As novas gerações, naqueles terríveis anos de chumbo da ditadura Médici, tomaram conhecimento do emblemático poema de Vinicius de Moraes, para que não esqueçamos todas as crianças sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada.


por Nirton Venâncio, Cineasta, roteirista, poeta e professor de literatura e cinema   |    Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

 

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