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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Pensões abaixo do limiar da pobreza

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Pensões médias de velhice, invalidez e sobrevivência da Segurança Social em Portugal já são inferiores ao limiar da pobreza e é urgente alterar a Lei 53-B/2006 pois, se não for feito, os pensionistas estão condenados a continuar a perder poder de compra

Neste estudo analiso a situação dos pensionistas no nosso país, utilizando para isso dados divulgados pelo INE e pela CGA. E esses dados revelam que a pensão media de velhice, de invalidez e sobrevivência paga pela Segurança Social é já inferior ao limiar da pobreza, e que na CGA existem mais de 200.000 pensionistas a receberam pensões também inferiores ao limiar da pobreza. E mostro isso apesar do governo procurar esconder a situação dramática dos reformados da Segura Social pois as Contas da Segurança Social de 2020, onde constam dados que permitem analisar a situações ainda não foram publicadas (as últimas são de 2019).

E analiso também os aumentos de pensões quer da Segurança Social quer da CGA entre 2011 e 2022 (porque os mesmos aumentos são aplicados a ambos os regimes), mostrando que apesar dos aumentos extraordinários de 10€, impostos ao governo pelo PCP, mas que só beneficiaram os pensionistas com pensões até 1,5 IAS (664€ em 2022), verificou-se uma redução continuada e generalizada do poder de compra dos pensionistas.

E concluo mostrando que, enquanto a Lei 53-B72006 não for alterada os atuais e os futuros pensionistas estão condenados a perder de uma forma continuada poder compra. Pareceu-me importante fazer este estudo porque a situação dos pensionistas quer da Segurança Social quer da CGA não constituiu um tema central do debate eleitoral apesar de constituírem cerca de 30% da população portuguesa. São os eternos esquecidos.

 

Estudo

Pensões médias de velhice, invalidez e sobrevivência da Segurança Social em Portugal já são inferiores ao limiar da pobreza e é urgente alterar a Lei 53-B/2006 pois, se não for feito, os pensionistas estão condenados a continuar a perder poder de compra

Os pensionistas representam cerca de 30% da população portuguesa. Apesar disso, a sua situação não constituiu um tema central dos debates eleitorais, embora, fora deles, tenha havido declarações dispersas. Os pensionistas da Segurança Social e da CGA são os eternos esquecidos.

Apesar desta onda de esquecimento que envolveu a situação dos reformados da Segurança Social e dos aposentados da CGA nos debates entre partidos, é importante recordar a situação difícil em que vive a maior parte dos pensionistas. E para isso vai-se utilizar a linguagem fria, mas objetiva dos dados oficiais.

 

Pensões médias da Segurança Social em Portugal já são inferiores ao limiar da pobreza e cerca de 200.000 pensionistas da CGA também recebem pensões inferiores ao limiar da pobreza

Observem os dados do quadro 1 construído com dados do INE divulgados no Anuário Estatístico de 2020.

Quadro 1 – Pensões medias da Segurança Social e número de pensionistas – 2010/2020

Comparemos a pensão média da Segurança Social com o limiar do risco da pobreza (60% da mediana do rendimento), abaixo do qual é oficialmente considerado como estando na situação de pobreza.

Em 2010, a pensão média de velhice era ainda superior ao limiar de pobreza em 6,3%, mas a pensão média de invalidez era já inferior ao limiar de pobreza em 12,6%, e a pensão média de sobrevivência era inferior ao limiar de pobreza em 47,1%. Em 2020, a situação em vez de ter melhorado ainda era pior. Todas as pensões médias eram inferiores ao limiar de pobreza, incluindo a pensão de velhice. Efetivamente, em 2020, como revelam os dados do INE, a pensão média de velhice era já inferior ao limiar da pobreza em 1,5%; a pensão média de invalidez era inferior ao limiar de pobreza em 16,7%; e a pensão média de sobrevivência era inferior ao limiar de pobreza em 48,9%. E a situação seria muito mais dramática se não tivesse havido o aumento extraordinário de 10€ imposto ao governo PS que com muita relutância o aceitou procurando sempre a adiar a sua entrada em vigor para os últimos meses do ano. Na CGA, existiam cerca de 100.000 reformados e aposentados com pensões também inferiores ao limiar da pobreza e mais 100.000 com pensões de sobrevivência e de acidentes de trabalho também inferiores.

 

Os aumentos das pensões em 2021 e 20221 inferiores aos aumentos de preços, os pensionistas continuam a perder poder de compra e as suas condições de vida degradaram-se

Excetuando as pensões até um 1,5 IAS (658,2€) que tiveram em 2021 o aumento extraordinário de 10€, todas restantes não tiveram qualquer subida. O único aumento aprovado para 2022 é o da Portaria 301/2021. Para se poder ficar com uma ideia da redução do poder de compra dos pensionistas depois de 2020, incluiu-se no quadro o aumento de preços (IPC) em 2021 e apresenta-se também a estimativa para 2022, tendo em conta a aceleração da inflação que já se verificou no final de 2021 segundo o INE.

Quadro 2 – Aumento das pensões e dos preços em 2021 e a previsão para 2022

Se se mantiver em 2022, o mesmo ritmo de aumento de preços que se verificou no 2º semestre de 2021, registar-se-á este ano uma taxa de inflação estimada em 4,5%, o que determinará mais uma redução significativa do poder de compra das pensões tando da Segurança Social como da CGA.

 

Pensões mínimas da Segurança Social e da CGA recebidas por centenas e milhares de pensionistas continuam muito inferiores ao limiar da pobreza e a falta de transparência do Governo que ainda não divulgou a conta da Segurança Social de 2020

O quadro 3, construído com os valores de pensões constantes da Portaria 301/2021 que atualizou as pensões quer da Segurança Social quer da CGA a vigorar em 2022, mostra bem a situação de pobreza em que vive uma parte dos portugueses, agora ameaçados com o dispara da inflação cujo numero exato se desconhece pois o governo continua a ocultas as contas da Segurança Social (a ultima é de 2019).

Quadro 3 – Pensões mínimas da Segurança Social e da CGA – 2022

Algumas destas pensões, como acontece com a pensão do REAA e a pensão social (apenas 213,91€), nem representam metade do valor do limiar da pobreza em 2020 (em 2022, limiar da pobreza é  superior ao de 2020). E estas duas pensões são as recebidas por mais de 100.000 pensionistas.

 

O “esquecimento” pelos Governos dos reformados e dos aposentados com pensões superiores a 1,5 IAS

O quadro 4 estão os aumentos das pensões da Segurança e da CGA no período 2011/2022.

Quadro 4 – A variação das pensões em Portugal com os governos do PSD/CDS e do PS – 2011/2022

Entre 2011/2015, com Passos/Portas, as pensões de valor superior a 260€ foram congelados, portanto mantiveram-se inalteráveis durante 5 anos. Com os governos de António Costa (2016/2022), excetuando os aumentos extraordinários de 10€ em 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, que só beneficiaram os reformados e aposentados com pensões muito baixas, de valor igual ou inferior a 1,5 IAS (664,28€ em 2022), todas as outras tiveram apenas as seguintes variações: Em 2016: 0%; Em 2017: 0%; Em 2018: Pensões até 857,80€: +1,8%; superiores a 857,8€ até 2573,4€ : +1,3%; superiores a 2573,4€: +1,05%; Em 2019: Pensões até 871,52€: +1,6%; superior a 871,52€ até 2614,56:+0,78%; Em 2020: Pensões até 877,62€: +0,7%; Superior a 877,62€ até 2632,28€: +0,24%; superiores a 2632,28€: 0%; Em 2021: 0%;  Em 2022: Pensões até 886€: +1%; superior a 886€ até 2659€: +0,49%; superiores a 2659€: + 0,24%.Portanto aumentos de miséria. E entre 2010 e 2021, os preços aumentaram 11,6%, segundo o INE.

Com o governo do PSD/CDS os pensionistas quer da Segurança Social quer da CGA com pensões superiores a 260€ (os dois baixos escalões das pensões mínimas da Segurança Social e da CGA) foram massacrados pois as suas pensões mantiveram inalteráveis. Com o governo PS, também houve pensionistas massacrados, mas agora os com pensões superiores a 1,5 IAS. Se não fosse o aumento extraordinário de 10€ que o governo foi obrigado a aceitar pelo PCP, mas que não consta da Lei 53-B/2016, portanto o governo não está obrigado a repeti-lo todos os anos, a situação dos pensionistas ainda seria mais grave. E mesmo assim António Costa afirma não se ter esquecido dos pensionistas.

 

A necessidade de alterar a Lei 53-B/2006 que está a causar a redução continuada do poder de compra dos reformados e dos aposentados

Segundo o nº3 do art.º 6 da Lei 53-B/2006, a atualização anual das pensões é feita com base no aumento anual de preços verificado até novembro do ano anterior mais uma percentagem da média do crescimento real do PIB dos dois últimos anos verificado até ao 3º trimestre anterior ao ano em que se refere a atualização. E a percentagem do PIB a adicionar ao IPC varia conforme o valor das pensões: (a) Se o valor das pensões é inferior a 2 IAS (IAS=443,20€ em 2022), é adicionado 20% do crescimento da media do PIB real nos dois anos anteriores se este tiver aumentado 3% ou mais; se o crescimento da media do PIB real for igual ou superior a 2% mas inferior a 3% adiciona-se ao IPC também 20% do crescimento do PIB; se o aumento da média do PIB real nos dois anos anteriores for inferior a 2% , o aumento das pensões até 1,5 IAS é igual ao aumento de preços (IPC) verificado até novembro do ano anterior; (b) Para pensões de valor superior a 2  IAS até 6 IAS , adiciona-se ao IPC, para o caso de crescimento médio do PIB real ser superior a 3%, apenas 12,5% deste aumento; se o crescimento médio do PIB se situar entre os 2% e os 3% o aumento das pensões neste escalão é igual ao aumento do IPC; se o crescimento do PIB real for inferior a 2%, o aumento das pensões é inferior ao aumento de preços verificado, pois a este deduz-se 0,5 pontos percentuais; (c) Para pensões superiores a 6 IAS, apenas são atualizadas, de acordo o aumento do IPC, se o crescimento da média do PIB real for igual ou superior a 3%; se for inferior o aumento das pensões é inferior à subida de preços respetivamente em 0,25 p.p. e 0,75 p.p.(perdem poder de compra). É complicado, mas é assim.

Estas regras de atualização das pensões absurdas constantes da Lei 53-B/2006, pois nem garantem a manutenção do poder de compra aos pensionistas da Segurança Social e da CGA, causou que, apesar dos preços terem aumentado 1,24% em 2021, e de se prever um aumento de 4,5% em 2022, o aumento de pensões em 2022 tenha sido apenas o seguinte: (a) Para pensões até 886,40€:+1%; (b) Superiores a 886,40€ até 2659,20€ : +0,49% ; (c) Superiores a 2659,20€: + 0,24%. Portanto, em 2022 todos os pensionistas da Segurança Social e da CGA perderão poder de compra que pode ser superior a 4%.

É urgente alterar a fórmula de atualização anual das pensões constante da Lei 53-B/2006. E isto se não se quiser condenar os pensionistas a uma perda permanente de poder de compra. E a nova formula de atualização das pensões devia ter como base a inflação prevista para o ano a que se refere a atualização, mas tendo como valor mínimo a inflação do ano anterior. A este valor seria acrescentado, nunca deduzido, uma determinada percentagem do crescimento verificado no PIB a preços correntes do ano anterior a que se refere a atualização das pensões. O governo de Costa recusou a alteração-

 

A situação financeira da Segurança Social e a descapitalização que o Governo tencionava fazer e a que vai fazer, e a possibilidade ainda assim de melhorar as pensões

Depois de repetidamente termos denunciado o oportunismo do governo que estava a utilizar o dinheiro dos descontos dos trabalhadores para o Regime contributivo da Segurança Social para pagar as despesas do COVID, descapitalizando assim a Segurança Social, quando estas despesas deviam ser pagas pelo Orçamento do Estado do Estado, e perante uma pergunta de uma deputada do PCP, a ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, veio dizer que o governo iria transferir do Orçamento do Estado 1400 milhões € para evitar descapitalização da Segurança Social.

No entanto, até nov.2021 tinham sido transferidos apenas 607,7 milhões € do Orçamento do Estado para a Segurança Social segundo o Ministério das Finanças (execução orçamental nov.2021), e até nov.2021, a Segurança Social já tinha feito pagamentos, referentes “a Medidas excecionais e temporárias (COVID-19)”, no montante de 1815,3 milhões € a que se juntam 247,4 milhões € de perda de receita resultante da isenção de contribuições dada pelo governo às empresas em crise devido à pandemia, o que, somado, totaliza, só até nov.2021, 2062,7 milhões €. Isto significa que mesmo com os 1400 milhões € prometidos pela ministra, mas ainda não transferidos, a Segurança Social sofrerá um rombo de 662,7 milhões € em 2021. E ainda falta o mês de dez.2021.

Apesar desta utilização indevida dos descontos dos trabalhadores e das contribuições das empresas para o Regime contributivo da Segurança Social para pagar despesas que não competem a esta, a nível de contabilidade pública, a Segurança Social apresentou, em 2020, um saldo global positivo de 2131,5 milhões € e, em 2021 até novembro, também um saldo positivo de 1120 milhões €. Portanto, era possível, sem pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social, melhorar as pensões.


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